As Profecias e Revelações
de Santa Brígida da Suécia - Livro 1
Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo à sua esposa escolhida e muito
amada, Santa Brígida; sobre a proclamação de sua santíssima encarnação; a
rejeição, profanação e abandono de nossa fé e batismo; e como Ele convida
sua amada esposa e todo o povo cristão a amá-Lo.
Livro 1 - Capítulo 1
Eu sou o Criador do Céu e da Terra, uno na divindade com o Pai e o
Espírito Santo. Eu sou aquele que falou aos aos patriarcas e profetas e
aquele a quem esperavam. Para cumprir seus anseios e de acordo com minha
promessa, assumi a carne sem pecado e sem concupiscência, entrando no
ventre da Virgem, como o sol que brilha através de claríssima joia. Assim
como o sol não danifica o vidro ao entrar nele, assim também a virgindade
da Virgem não foi perdida quando eu assumi a natureza humana. Eu assumi a
carne de tal forma que não abandonei minha divindade, e Eu não fui menos
Deus – governando e sustentando todas as coisas com o Pai e o Espírito
Santo - embora estivesse no ventre da Virgem em minha natureza humana.
Assim como a luminosidade jamais é separada do fogo, assim também, minha
divindade nunca foi separada de minha humanidade, nem mesmo na morte.
Desde então, permiti que meu corpo puro e sem pecado fosse ferido, dos
pés à cabeça, e fosse crucificado por todos os pecados do gênero humano.
Esse mesmo corpo é agora oferecido a cada dia no altar para que o gênero
humano possa amar-me e se lembrar de meus grandes feitos mais
frequentemente.
Eu, deveras, quis que meu reino estivesse dentro do homem, e por direito,
Eu deveria ser Rei e Senhor para ele, porque Eu o fiz e o redimi.
Entretanto, agora ele quebrou e profanou a fé que me prometeu em seu
batismo, e quebrou e desprezou minhas leis e meus mandamentos, que Eu
prescrevi e revelei a ele. Ele ama sua própria vontade e se recusa a
ouvir-me. Alem disso, ele exalta acima de mim o pior ladrão, o demônio, e
deu à ele sua fé. O demônio realmente é um ladrão, já que, me rouba, por
meio das tentações diabólicas, maus conselhos e falsas promessas, a alma
humana que Eu redimi com meu sangue. Mas ele não faz isso por que, seja
mais poderoso do que eu, porque eu sou tão poderoso que Eu posso fazer
todas as coisas com uma palavra, e tão justo, que mesmo que todos os
santos me pedissem, Eu não faria a menor coisa contra a justiça.
Entretanto, como o homem, a quem foi dado livre arbítrio, voluntariamente
rejeita meus mandamentos e obedece o demônio, é justo que ele também
experimente sua tirania e malícia. Esse demônio foi por mim criado bom,
mas decaiu por sua vontade má, e se tornou, por assim dizer, meu servo
para aplicar retribuição aos trabalhadores do mal.
Ainda, embora eu seja agora tão desprezado, sou ainda tão misericordioso
que, qualquer um que reze pela minha misericórdia e se humilhe por
correção, terão seus pecados perdoados, e eu o salvarei do ladrão
diabólico - o demônio Mas para aqueles que continuam me desprezando, Eu
levarei minha justiça sobre eles, de forma que ouvindo isso, tremerão, e
os que experimentam isso dirão: ‘Ai de nós os nascidos ou concebidos! Ai
de nós os que provocamos o Senhor da majestade até a ira!’
Mas tu, filha que eu escolhi para mim e com quem eu agora falo em
espírito: ama-me com todo teu coração, não como tu amas teu filho, filha
ou pais, mas mais do que qualquer coisa no mundo, já que Eu que te criei
e não poupei nenhum de meus membros no sofrimento por ti. Ainda Eu amo a
tua alma tão amorosamente que, ao invés de te perder, eu me deixaria ser
crucificado novamente, se isso fosse possível. Imita minha humildade,
porque Eu, que o rei da glória e dos anjos, fui vestido com horríveis
miseráveis trapos, e fiquei nu em um pilar e ouvi todo tipo de insultos e
zombarias com meus próprios ouvidos. Sempre prefira minha vontade à tua,
porque minha Mãe, tua Senhora, do começo ao fim, nunca quis nada a não
ser o que eu quis.
Se tu fazes isso, então teu coração estará com o meu coração, e será
incendiado por meu amor, da mesma forma que qualquer coisa seca é
facilmente incendiada pelo fogo. Tua alma será tão inflamada e preenchida
por mim, e eu estarei em ti, que todas as coisas mundanas se tornarão
amargas para ti e todo desejo carnal como veneno. Descansarás nos braços
da minha divindade, onde nenhum desejo carnal existe, mas somente deleite
espiritual e alegria, que enche a alma deleitada com felicidade -
interior e exteriormente – de forma que ela não pensa em nada e nada
deseja a não ser ser o gozo que possui. Portanto, somente ama-me, e terás
tudo que desejares e terás em abundância. Não está escrito que o óleo da
viúva não diminuiu até o dia que a chuva foi enviada à terra, por Deus,
de acordo com as palavras do profeta? Eu sou o verdadeiro profeta! Se
acreditas em minhas palavras, segue e as cumpre, óleo - gozo e júbilo -
não diminuirão para ti, por toda a eternidade.
Palavras de Jesus Cristo
à sua filha - que tomou por sua esposa - sobre os artigos da verdadeira
fé, e sobre que tipos de adornos, sinais e desejos a esposa precisa ter
para agradar o Esposo.
Livro 1 - Capítulo 2
Eu sou o Criador dos céus, da terra, do mar e de tudo que está neles. Eu
sou um com o Pai e o Espírito Santo, não como os deuses de pedra ou de
ouro, como os utilizados pelo povo antigo, e não vários deuses, como o
povo pensava, mas um só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas,
mas um em natureza divina, o Criador de tudo, mas por ninguém criado,
imutável, todo-poderoso e eterno - sem princípio ou fim. Eu sou o que
nasceu da Virgem, sem perder minha divindade, mas unindo-a à minha
humanidade, de forma que, em uma pessoa, possa ser o verdadeiro Filho de
Deus e Filho da Virgem. Eu sou o que pregado na cruz, morreu e foi
sepultado, mas minha divindade permaneceu intacta.
Embora eu tenha morrido na humanidade e na carne, que Eu, o Filho único,
assumi, eu ainda continuei a existir na minha natureza divina, sendo um
só Deus com o Pai e o Espírito Santo. Eu sou o mesmo que ressuscitou dos
mortos e subiu ao Céu, e que agora falo contigo em meu Espírito. Eu te
escolhi e tomei por esposa para mostrar-te os caminhos do mundo e meus
segredos divinos, porque isso me agrada. Tu és minha por direito, porque
quando teu marido morreu, colocaste toda a tua vontade em minhas mãos, e
após sua morte, pensaste e rezaste sobre como poderias te tornar pobre e
abandonar tudo por mim. Então, és minha por direito, por causa deste teu
imenso amor, e por isso cuidarei de ti. Então, Eu te tomo como minha
esposa, e para meu próprio prazer, como é próprio Deus ser com uma alma
casta.
É obrigação da noiva estar preparada quando o noivo quer celebrar o
casamento, de forma que ela esteja adequadamente vestida e pura. Tu já
estarás limpa se teus pensamentos estiverem sempre atentos a teus
pecados, em como no batismo Eu te purifiquei do pecado de Adão, e quantas
vezes eu fui paciente e te sustentei quando caíste em pecado. A noiva
deve também trazer a insignia de seu noivo em seu peito, que significa
que deves observar e reconhecer os favores e benefícios que eu te fiz,
assim como quão nobremente eu te criei, dando-te um corpo e alma; quão nobremente
eu te enriqueci, dando-te saúde e bens temporais; quão amorosamente e
docemente eu te redimi quando morri por ti e restaurei a tua herança
celestial - se quiseres tê-la.
A esposa deve também fazer a vontade do seu esposo. Mas qual é minha
vontade, se não que deves querer me amar acima de todas as coisas e não
desejar nada a não ser Eu?
Criei todas as coisas pelo bem da humanidade e coloquei todas as coisas
sob a autoridade dela, mas ela ama todas as coisas exceto a mim, e não
odeia nada mas a mim. Eu recuperei sua herança, que tinham perdido por
causa do pecado, mas eles ela é tão tola e sem razão, que prefere a
glória passageira - que é como a espuma do mar que se levanta por um
momento como uma montanha, e depois rapidamente cai em nada - ao invés da
glória eterna na qual há bem que nunca acaba.
Mas se não desejas, minha esposa, nada a não ser Eu, se desprezas todas
as coisas pelo meu bem – não somente seus filhos e parentes, mas também
honras e riquezas - eu te darei a mais preciosa e amorosa recompensa! Eu
não te darei nem ouro nem prata, mas a mim mesmo, para ser seu noivo - e
em recompensa, Eu, que sou o Rei da Glória. Mas se tu estás com vergonha
de ser pobre e desprezada, então considera como Eu, seu Deus, fiquei
antes de ti, quando meus servos e amigos me abandonaram no mundo. Eu não
estava procurando amigos do mundo, mas amigos do céu. E se agora
estiveres preocupada e com medo do peso e dificuldade do trabalho, bem
como da doença, considere quão difícil e penoso é queimar no inferno!
O que não merecerias se tivesses ofendido um senhor terrestre, como me
fizeste? Assim, embora eu te ame com todo o meu coração, não fica sem
justiça o menor ponto. Então, como pecaste em todos os teus membros, tens
também que prestar satisfação e penitência em cada membro. Mas, por causa
de tua boa vontade e tua propósito de reparar seus pecados, vou mudar tua
sentença com misericórdia, trocando a dolorosa punição por uma pequena
penitência.
Então, abrace e tome sobre ti um pequeno sofrimento, para que possas ser
limpa do pecado e alcances o grande premio em pouco tempo! A esposa deve
ficar cansada trabalhando ao lado do seu esposo de modo que possa ainda
mais confiantemente ter seu descanso com ele.
Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo à sua esposa sobre como ela deve
amar e honrá-Lo, o Esposo; sobre como o mal ama o mundo e odeia a Deus.
Livro 1 - Capítulo 3
Eu sou teu Deus e Senhor a quem adoras e honras. Sou o que sustenta o céu
e a terra com meu poder. Eles não são sustentados por nenhum pilar ou
qualquer outra coisa. Eu sou o que, a cada dia, é tomado e oferecido no
altar, sob a aparência de pão; verdadeiro Deus e homem. Sou o mesmo que
te escolheu. Honra o meu Pai! Ama-me! Obedece ao meu Espírito! Honre
minha Mãe como tua Senhora! Honre todos os meus santos! Mantém a
verdadeira fé que deves aprender por ele que experimentou dentro de si a
batalha dos dois espíritos - o espirito da falsidade e o espirito da
verdade - e com minha ajuda venceu. Mantenha a verdadeira humildade. O
que é a verdadeira humildade senão comportar-se como é realmente, e
louvar a Deus pelas boas coisas que ele nos tem dado?
Mas agora, há muitos que me odeiam e a meus feitos, e que consideram
minhas palavras como desgraça e vaidade, e ao contrário, com afeição e
amor, abraçam o adulterador: o demônio. Tudo o que eles fazem para mim é
feito com reclamação e amargor. Eles nem mesmo confessam meu nome ou me
servem, se não tem medo da opinião de outros homens. Eles amam o mundo
com tal fervor que nunca se cansam de trabalhar por ele, noite e dia,
sempre queimando de amor por ele. Seu serviço é tão agradável para mim
como o de alguem que dá dinheiro a seus inimigos para matar seu próprio
filho! Isto é o que eles fazem para mim. Dão-me algumas esmolas e me
honram com seus lábios para conseguir sucesso no mundo e permanecer em
seu privilégio e em seus pecados. O bom espírito está, portanto,
bloqueado neles e eles estão impedidos ter qualquer progresso em fazer o
bem.
O entanto, se quiseres amar-me de todo seu coração e não desejar nada a
não ser a mim, Eu te atrairei a mim através do amor, como um imã atrai o
ferro a si. Tomar-te-ei em meu braço, que é tão forte que ninguém o pode
estender, e tão firme que ninguém, uma vez estendido, pode dobrar, e é
tão doce que ultrapassa todos os aromas e está além da comparação com
qualquer coisa doce ou prazer do mundo.
EXPLICAÇÃO
Este homem, que foi o professor da esposa de Cristo, foi o santo teólogo
e cônego de Linkoping, chamado mestre Matias da Suécia. Ele escreveu um
excelente comentário sobre toda a Bíblia. Ele foi sutilmente tentado pelo
demônio com muitas heresias contra a fé católica. Mas ele superou todas
elas com a ajuda de Cristo e não pode ser conquistado pelo demônio, como
é mostrado na biografia escrita de Santa Brigida. Foi este mestre Matias
quem compôs o prólogo destes livros que começa assim: “Stupor et
mirabilia, etc”.
Ele foi um homem santo e com grande poder espiritual em palavras e obras.
Quando ele morreu na Suécia, a esposa de Cristo estava vivendo em Roma.
Quando ela estava rezando, ela ouviu uma voz dizendo a ela em espírito:
“Feliz és tu mestre Matias, pela coroa que foi preparada para ti no céu!
Vem agora à sabedoria que nunca terá fim!".
Também se pode ler mais sobre mestre Matias no livro I, capitulo 52; Livro
V, em resposta à pergunta 3 na ultima questão, e no livro VI, capítulos
75 e 89.
Palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo à sua esposa nas quais lhe diz que
não se preocupe nem pense que o que se revela a ela proceda de um
espírito maligno, e sobre como distinguir um Espírito bom de um mau.
Livro 1 - Capítulo 4
Eu sou teu Criador e Redentor. Porque tens temido minhas palavras? Porque
te tens perguntado se procedem de um espírito bom ou de um mau? Diga-me,
tens encontrado algo em minhas palavras que não te tenha ditado tua
própria consciência? Ordenei-te algo contrario a razão? A isto a esposa
respondeu: ”Não, ao contrario, tuas palavras são verdadeiras e eu estava
errada.” O Espírito, seu Esposo, acrescentou: ”Eu te ordenei três coisas.
Nelas poderias reconhecer o bom espírito. Ordenei-te que honrasses o teu
Deus que te criou e te tem dado tudo o que tens. Ordenei-te que te
mantivesses na verdadeira fé, ou seja, que cresses que nada se criou nem
se pode criar sem Deus. Também te ordenei que mantivesses uma razoável
temperança em todas as coisas, pois o mundo foi feito para uso do homem,
afim de que as pessoas o aproveitem para suas necessidades.
Da mesma forma, também podes reconhecer o espírito imundo por três coisas
contrarias a estas: Ele tenta para que te elogies a ti mesma e te
orgulhes do que te foi dado; Ele tenta para que atraiçoes tua própria fé;
também te tenta a impureza em todo o corpo e em todas as coisas, e faz
com que teu coração arda por isso.
Às vezes também engana as pessoas sob a forma de bem. Por isso te tenho
ordenado que sempre examines tua consciência e que a exponhas a prudentes
diretores espirituais. Por isso não duvides de que o bom espírito de Deus
esteja contigo quando não desejas outra coisa a não ser a Deus e Dele te inflames
toda. Só Eu posso criar esse fervor e assim, é impossível ao demônio
aproximar-se de ti. Também não é possível para ele aproximar-se das
pessoas, a menos que Eu o permita, seja pelos pecados humanos ou por
algum de meus desígnios ocultos, porque ele é minha criatura como todas
as demais, e foi criado bom por mim, embora tenha se pervertido por sua
própria maldade. Portanto, Eu sou Senhor sobre ele.
Por esta razão me acusam falsamente aqueles que dizem que as pessoas que
me rendem grande devoção estão loucas ou possuídas. Fazem-me parecer como
um homem que exponha a sua casta e fiel mulher a um adúltero. Isso é o
que Eu seria se deixasse que alguém que me amasse plena e retamente fosse
possuído por um demônio. Mas como Eu sou fiel, nenhum demônio poderá
nunca controlar a alma de nenhum dos meus devotos servidores. Embora meus
amigos, às vezes pareçam estar quase fora de sua razão, não é porque
sofram devido ao demônio, nem porque me sirvam com fervorosa devoção. Mas
se deve a algum defeito do cérebro ou a alguma outra causa oculta que
serve para humilhá-los. Às vezes, também pode ocorrer que o demônio
receba de Mim um poder sobre os corpos das pessoas boas, para um maior
beneficio delas, ou que obscureça suas consciências. Entretanto, nunca
poderá conseguir o controle das almas que têm fé e se deleitam em Mim.
Amorosas palavras de Cristo à sua esposa com a preciosa imagem de uma
nobre fortaleza que simboliza a Igreja Militante, e sobre como a Igreja
de Deus será agora reconstruída pelas orações da gloriosa Virgem e dos
Santos.
Livro 1 - Capítulo 5
Eu sou o Criador de todas as coisas. Sou o Rei da gloria e o Senhor dos
anjos. Construí para Mim uma nobre fortaleza e tenho colocado nela os
meus eleitos. Meus inimigos têm corrompido seus fundamentos e tem
dominado meus amigos - tanto que fazem sair a medula dos ossos de seus
pés amarrados a colunas. Suas bocas são apedrejadas e são torturados pela
fome e a sede. Assim, os inimigos perseguem o seu Senhor. Meus amigos
estão agora gemendo e suplicando ajuda; a justiça pede vingança, mas a
misericórdia invoca o perdão.
Então, Deus disse à Corte Celestial ali presente: ”O que pensais dessas
pessoas que têm assaltado minha fortaleza?”. Eles, a uma voz responderam:
“Senhor, toda a justiça está em Ti e em Ti vemos todas as coisas. A Ti
foi dado todo juízo, Filho de Deus, que existes sem princípio nem fim, Tu
és seu Juiz. E Ele disse: ”Como todos sabeis e vedes em Mim, pelo bem da
Minha Esposa, decidam qual é a sentença justa”. Eles disseram: ”Isto é
justiça: Que aqueles que derrubaram os muros sejam castigados como
ladrões; que aqueles que persistem no mal, sejam castigados como
invasores, que os cativos sejam libertados e os famintos saciados”.
Então Maria, a Mãe de Deus que a princípio havia permanecido em silencio,
disse: “Meu Senhor e Filho querido, tu estiveste em meu ventre como
verdadeiro Deus e homem. Tu te dignaste a santificar-me a mim que era um
vaso de argila. Eu te suplico, tem misericórdia deles uma vez mais!” O
Senhor respondeu a sua Mãe: ”Bendita seja a palavra de tua boca! Como um
suave perfume sobe até Deus. Tu és a glória e a Rainha dos anjos e de
todos os santos, porque Deus foi consolado por ti e a todos os santos
deleitas. E porque tua vontade tem sido a Minha desde o começo de tua
juventude, uma vez mais cumprirei o teu desejo”. Então Ele disse à Corte
Celestial: ”Porque haveis lutado valentemente, pelo bem da vossa
caridade, terei piedade por ora".
Vede, re-edificarei meu muro pelos vossos rogos. Salvarei e curarei os
oprimidos pela força e os honrarei cem vezes pelo abuso que sofreram. Se
os que fazem violência pedem misericórdia, terão paz e misericórdia.
Aqueles que a desprezam, sentirão Minha justiça”. Então Ele disse à sua
esposa:” Esposa minha, te escolhi e te revesti com Meu Espírito. Tu
escutas Minhas palavras e as dos meus santos. Embora os santos vejam da
mesma forma todas as coisas em mim, já que são espíritos, Eu agora vou
também mostrar-te o que todas essas coisas significam. Afinal, tu que
ainda estás no corpo, não me podes ver da mesma forma que eles, que são
meus espíritos. Agora te mostrarei o que significam estas coisas.
A fortaleza da qual tenho te falado é a Santa Igreja, que construí com
meu próprio sangue e o dos santos. Eu mesmo a cimentei com minha caridade
e depois coloquei nela meus eleitos e amigos. Seu fundamento é a fé, ou
seja, a crença em que Sou um Juiz justo e misericordioso. Este fundamento
tem sido agora deturpado porque todos creem e pregam que sou
misericordioso, mas quase ninguém crê que Eu seja um Juiz justo.
Consideram-me um juiz iníquo. De fato, um juiz seria iníquo, se, à margem
da misericórdia, deixasse os maus sem castigo de forma que pudessem
continuar oprimindo os justos.
Eu, porém sou um Juiz justo e misericordioso e não deixarei que o mínimo
pecado fique sem castigo nem que o menor bem fique sem recompensa. Pelos
buracos perfurados no muro, entram na Santa Igreja pessoas que pecam sem
medo, que negam que Eu seja justo e atormentam meus amigos como se os
cravassem em estacas. A estes meus amigos não se dá alegria nem consolo.
Pelo contrário, são castigados e injuriados como se fossem demônios.
Quando dizem a verdade sobre mim, são silenciados e acusados de mentir.
Eles anseiam com paixão ouvir ou falar a verdade, mas não há ninguém que
os escute nem quem lhes diga a verdade.
Além disso, Eu, Deus Criador, estou sendo blasfemado. As pessoas dizem:
”Não sabemos se Deus existe. E, se existe, não nos importa.” Jogam no
chão minha bandeira e a pisoteiam dizendo: “Porque sofreu? Em que nos
beneficia? Se cumpre nossos desejos estaremos satisfeitos, que mantenha
Ele seu reino em seu Céu! “Quando quero entrar neles, dizem: ”Antes
morrermos que submeter nossa vontade!” Dá-te conta, esposa minha, que
tipo de gente é! Eu os criei e posso destruí-los com uma palavra! Que
soberbos são para comigo! Graças aos rogos de minha Mãe e de todos os
santos, permaneço misericordioso e tão paciente que estou desejando
enviar-lhes palavras da minha boca e oferecer-lhes misericórdia. Se a
quiserem aceitar, terei compaixão.
Do contrário, conhecerão minha justiça e, como ladrões, serão
publicamente envergonhados diante dos anjos e dos homens e condenados por
cada um deles. Como os criminosos são colocados nas forcas e devorados
pelos corvos, assim eles serão devorados pelos demônios, mas não serão
consumidos. Como as pessoas amarradas em cepos não podem descansar, eles
padecerão dor e amargura em todas as partes.
Um rio de fogo entrará por suas bocas, mas seus estômagos não serão
saciados e sua sede e suplício se reavivarão a cada dia. Porém, meus
amigos estarão a salvo, e serão consolados pelas palavras que saem de
minha boca.
Eles verão minha justiça junto de minha misericórdia. Revesti-los-ei com
as armas do meu amor, que os tornarão tão fortes que os adversários da fé
escorrerão diante deles como o barro; quando virem minha justiça, cairão
em vergonha perpétua por haverem abusado de minha paciência.
Palavras de Cristo à sua esposa sobre como seu Espírito não pode morar
nos malvados; sobre a separação dos bons e perversos e o envio dos bons,
armados com armas espirituais, à guerra contra o mundo.
Livro 1 - Capítulo 6
Meus inimigos são como os mais selvagens animais, que nunca podem estar
satisfeitos nem permanecer em calma. Seu coração está tão vazio de meu
amor que o pensamento da minha paixão nunca os penetra. Nem sequer uma
vez, desde o mais íntimo de seu coração, tem saído uma palavra como esta:
”Senhor, tu nos redimistes, louvado sejas por tua amarga paixão!” Como
pode viver o meu Espírito em pessoas que não sentem o divino amor por
mim, pessoas que estão desejando trair a outros para conseguir seu
próprio benefício?
Seu coração está cheio de vermes vis, ou seja, cheio de paixões mundanas.
O demônio deixou seus excrementos em suas bocas e por isso não têm gosto
pelas minhas palavras. Por isso, com meu serrote os cortarei para
apartá-los de meus amigos. Não há forma pior de morrer do que sob a
serra. Igualmente não haverá castigo que eles não compartilhem: serão
serrados em dois pelo demônio e separados de mim. Vejo-os tão odiosos que
todos os que aderirem a eles, se separarão de mim.
Por esta razão, estou enviando meus amigos para que eles separem os
demônios de meus membros, já que os demônios são meus verdadeiros
inimigos. Eu os envio como nobres soldados à batalha. Todo aquele que
mortifique sua carne e se abstenha do ilícito é meu verdadeiro soldado.
Como lança levarão as palavras de minha boca e em suas mãos brandirão a
espada da fé; em seu peito estará a couraça do amor para que, aconteça o
que acontecer não deixem de me amar. Devem ter o escudo da paciência em
suas costas, de forma que suportem tudo com paciência. Tenho-os
entesourados como ouro num estojo: agora devem sair e andar em meus
caminhos.
Segundo os desígnios da justiça, Eu não poderia entrar na glória de minha
majestade sem suportar tribulação na minha natureza humana. Portanto,
como entrarão eles? Se seu Senhor sofreu, não é de estranhar que eles
também tenham de sofrer. Se seu Senhor suportou chicotadas, não será para
eles grande coisa o suportar palavras. Não hão de temer porque nunca os
abandonarei. Da mesma forma que é impossível para o demônio entrar no
coração de Deus e dividi-lo, igualmente será impossível separá-los de
mim. E como, diante de meus olhos são ouro puríssimo, pois foram testados
com um pouco de fogo, não os abandonarei: é para sua maior recompensa.
Palavras da gloriosa Virgem à sua filha, sobre a forma de vestir e o tipo
de roupas e enfeites com os quais a filha deve adornar-se e vesti-se.
Livro 1 - Capítulo 7
Eu sou Maria, que deu à luz o Filho de Deus, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem. Sou a Rainha dos anjos. Meu Filho te ama com todo o coração.
Ama-O! Deves adornar-te com roupas muito honestas e eu te mostrarei como
e que tipo de roupas devem ser. Como antes, tinhas uma anágua, uma
túnica, sapatos, uma capa e um broche sobre seu peito, agora hás de
cobrir-te com roupas espirituais. A anágua é a contrição. Como a anágua
se veste junto ao corpo, assim a contrição e a conversão são o primeiro
passo de volta a Deus. Através delas, a mente, que em um momento
encontrou gozo no pecado, se purifica e a carne impura se mantém sob
controle.
Os dois sapatos são duas disposições, na verdade a intenção de retificar
as transgressões passadas e a intenção de fazer o bem e manter-se longe
do mal. Tua túnica é a esperança em Deus. Como a túnica tem duas mangas,
há de haver justiça e misericórdia em tua esperança. Desta forma
esperarás na misericórdia de Deus porque não esquecerás sua justiça.
Pensa em sua justiça e em seu juízo, de forma que não esqueças sua
misericórdia, porque Ele não usa a justiça sem misericórdia nem a
misericórdia sem justiça. A capa é a fé. Do mesmo modo que a capa cobre
tudo e tudo está contido nela, a natureza humana pode igualmente abarcar
tudo e conseguir tudo mediante a fé.
Esta capa deve ser enfeitada com as insígnias do amor de teu Esposo, ou
seja, da forma como te criou, da forma que te alimentou, te atraiu para
seu Espírito e abriu teus olhos espirituais. O broche é a consideração de
sua paixão. Fixa firmemente em teu peito o pensamento de como Ele foi
fraudado e mortificado, como se manteve vivo na cruz, ensanguentado e
perfurado em todas as suas fibras, como em sua morte seu corpo inteiro se
convulsionou pela dor aguda da paixão, como entregou seu Espírito nas
mãos do Pai. Que este broche permaneça sempre em teu peito! Sobre tua
cabeça, coloque-se uma coroa, ou seja, a castidade em teus afetos, que
prefiras resistir aos açoites antes de tornar a manchar-te. Sê modesta e
digna. Não penses nem desejes nada mais que o teu Criador. Quando tens a
Ele, tens tudo. Adornada desta forma, deves esperar o teu Esposo.
Palavras da Rainha do Céu à sua querida filha, ensinando-lhe que deve
amar e louvar seu Filho junto de sua Mãe.
Livro 1 - Capítulo 8
Eu sou a Rainha dos Céus. Estás preocupada sobre como tens que louvar-me.
Tenha a certeza de que todo o louvor a meu Filho é louvor a mim. E
aqueles que o desonram, desonram a mim, pois meu amor para com Ele e o
dele para comigo é tão ardente como se nós dois fossemos um só coração.
Tanto me honrou a mim, que era um vaso de argila, que me elevou acima de
todos os anjos. Por isso tu me hás de louvar assim: ”Bendito sejas,
Senhor Deus, Criador de todas as coisas, que te dignaste descer ao ventre
da Virgem Maria. Bendito sejas Senhor Deus que quiseste habitar nas
entranhas da Virgem Maria, sem ser um fardo para Ela e te dignaste
receber sua carne imaculada sem pecado.
Bendito sejas, Senhor Deus, que vieste à Virgem, dando-lhe gozo a sua
alma e a todos os seus membros e que, com o gozo de todos os membros de
seu corpo sem pecado, Dela nasceste. Bendito sejas, Senhor Deus, que
depois de tua ascensão alegraste a Virgem Maria com frequentes
consolações e com tua consolação a visitaste. Bendito sejas, Senhor Deus,
que elevaste o corpo e a alma da Virgem Maria, tua Mãe, aos Céus e a
honraste situando-a junto de tua divindade, sobre todos os anjos. Tem
misericórdia de mim, Senhor, por seus rogos e intercessão”.
Palavras da Rainha dos Céus à sua querida filha sobre o formoso amor que
o Filho professava à sua Mãe Virgem; sobre como a Mãe de Cristo foi
concebida em um matrimonio casto e santificada no ventre de sua mãe;
sobre como subiu ao Céu em corpo e alma; sobre o poder de seu nome e
sobre os anjos designados aos homens para o bem e para o mal.
Livro 1 - Capítulo 9
Sou a Rainha do Céu. Ama meu Filho, porque ele é o honestíssimo e quando
tens a Ele, tens tudo o que é honesto. Ele é o mais desejável e quando
tens a Ele tens tudo o que é desejável. Ama-o também porque Ele é
virtuosíssimo e quando o tens, tens todas as virtudes. Vou te contar como
foi maravilhoso seu amor pelo meu corpo e minha alma e quanta honra deu
ao meu nome. Ele, meu filho, me amou antes que eu o amasse, pois é meu
Criador. Ele uniu meu pai e a minha mãe em um matrimonio tão casto que
não se pode encontrar nenhum casal mais casto.
Nunca desejaram unir-se exceto de acordo com a Lei, só para terem
descendência. Quando o anjo lhes anunciou que teriam uma Virgem pela qual
chegaria a salvação do mundo, antes desejariam morrer do que unir-se em
um amor carnal, pois a luxuria estava extinta neles. Asseguro-te que,
pela caridade divina e devido à mensagem do anjo, eles se uniram na
carne, não por concupiscência, mas contra sua vontade e por amor a Deus.
Dessa forma, minha carne foi gerada de suas sementes e através do amor
divino.
Quando meu corpo se formou, Deus enviou nele a alma criada a partir da
sua divindade. A alma foi imediatamente santificada junto com o corpo e
os anjos a vigiavam e custodiavam dia e noite. É impossível expressar-te
que grandíssimo gozo sentiu minha mãe quando minha alma santificada se
uniu ao meu corpo. Depois, quando o curso da minha vida se cumpriu, meu
Filho primeiro elevou minha alma, por ter sido a dona do corpo, a um
lugar mais eminente que os demais, perto da glória de sua divindade, e
depois meu corpo, da forma que nenhum outro corpo de criatura esteja tão
perto de Deus como o meu.
Veja quanto meu Filho amou a minha alma e meu corpo! Existem pessoas,
entretanto, que maliciosamente negam que eu tenha sido assunta em corpo e
alma, e existem outras que simplesmente não tem maior conhecimento. Mas a
verdade disso é certa: Fui elevada até a Gloria de Deus em corpo e alma!
Escuta agora o muito que meu Filho honrou meu nome! Meu nome é Maria,
como diz o evangelho.
Quando os anjos olham esse nome, se regozijam em sua consciência e dão
graças a Deus pela grandíssima graça que operou em mim e comigo, porque
eles veem a humanidade de meu Filho glorificada em sua divindade. As
almas do purgatório se regozijam de maneira especial, como quando um
homem enfermo que está na cama escuta alentadoras palavras de outros e
isto agrada seu coração fazendo-o sentir-se contente. Ao ouvir meu nome,
os anjos se aproximam imediatamente das almas dos justos, a quem foram
dados como guardiões, e se regozijam em seus progressos. Os anjos bons
foram designados a todos como proteção e os anjos maus como provação.
Não é que os anjos estejam separados de Deus, mas assistem a alma sem
deixar Deus, e permanecem constantemente em sua presença, enquanto seguem
inflamando e incitando a alma a fazer o bem. Os demônios todos se
espantam e temem meu nome. Ao som do nome de Maria, soltam imediatamente
a presa que tenham em suas garras. Da mesma forma que uma ave de rapina
com a presa em suas garras, a deixa quando escuta um ruído e volta depois
quando vê que não era nada, igualmente os demônios deixam a alma,
assustados, ao ouvir meu nome, mas voltam de novo rápidos como uma flecha
a menos que vejam que depois se produziu uma emenda.
Ninguém está tão frio no amor de Deus – a menos que esteja condenado- que
o demônio não se distancie dele se invoca meu nome com a intenção de não
retornar mais aos seus maus hábitos, e o demônio se mantém longe dele a
menos que volte a consentir em pecar mortalmente.
Palavras da Virgem Maria à sua filha, oferecendo-lhe um proveitoso ensino
sobre como deve viver, e descrevendo maravilhosos detalhes da paixão de
Cristo.
Livro 1 - Capítulo 10
Sou a Rainha do Céu, a Mãe de Deus. Eu te disse que devias levar um
broche sobre teu peito. Agora te mostrarei com mais detalhes como, desde
o principio, quando eu primeiro ouvi e entendi que Deus existia, sempre e
com temor estive zelosa sobre minha salvação na observância de seus mandamentos.
Quando aprendi mais plenamente que o mesmo Deus era meu Criador e o Juiz
de todas minhas ações, cheguei a amá-Lo profundamente e estive
constantemente alerta e atenta para não ofendê-Lo por palavra ou por
obra.
Quando soube que Ele havia dado sua Lei e mandamentos a seu povo e fez
milagres através deles, fiz a firme resolução em minha alma de não amar
nada mais a não ser Ele, e as coisas mundanas se tornaram muito amargas
para mim. Então, sabendo que o mesmo Deus redimiria o mundo e nasceria de
uma Virgem, eu estava tão movida de amor por Ele que não pensava em nada
mais a não ser em Deus, nem queria nada fora Dele. Separei-me, no
possível, da conversação e presença de parentes e amigos, e dei aos
necessitados tudo o que havia chegado a ter, ficando somente com um
moderado vestuário e alimentação.
Nada me agradava a não ser Deus. Sempre esperei em meu coração viver até
o momento de seu nascimento, e talvez, aspirar a ser uma indigna
servidora da Mãe de Deus. Também fiz em meu coração o voto de preservar
minha virgindade, se isso fosse aceitável a Ele, e de não possuir nada no
mundo. Mas se Deus quisesse outra coisa, meu desejo era que se cumprisse
em mim seu desejo e não o meu, porque acreditei que Ele era capaz de tudo
e que Ele só queria o melhor para mim. Por Ele, submeti-lhe toda a minha
vontade.
Quando chegou o tempo estabelecido para a apresentação das virgens no
templo do Senhor, estive presente com elas graças à religiosa obediência
de meus pais.
Pensei comigo, que nada era impossível para Deus e que, como Ele sabia
que eu não desejava nem queria mais que a Ele, Ele poderia preservar
minha virgindade, se isto lhe agradasse, e se não, que se fizesse sua
vontade.
Depois de ter escutado todos os mandamentos no templo, voltei a casa ainda
ardendo mais que nunca por Deus, sendo inflamada com novos fogos e
desejos de amor a cada dia. Por isso, me separei ainda mais de tudo e
estive só noite e dia, com grande temor de que minha boca falasse e meus
ouvidos ouvissem algo contra Deus, ou de que meus olhos olhassem algo em
que me deleitasse; em meu silencio senti também temor e ansiedade por
estar calando sobre algo que deveria falar.
Com essas perturbações em meu coração, e a sós comigo mesma, encomendei
todas as minhas esperanças a Deus. Naquele momento veio ao meu pensamento
considerar o grande poder de Deus; como os anjos e todas as criaturas o
servem; e como sua glória é indescritível e eterna.
Enquanto me perguntava tudo isso, tive três visões maravilhosas: Vi uma
estrela, mas não como as que brilham no Céu. Vi uma luz, mas não como a
que ilumina o mundo. Percebi um aroma, mas não de ervas nem de nada
disso, mas indescritivelmente suave, que me plenificou tanto que senti
como se saltasse de gozo. Nesse momento, ouvi uma voz, mas não de fala
humana.
Tive muito medo quando a ouvi e me perguntei se seria uma ilusão. Então,
apareceu diante de mim um anjo de Deus de uma belíssima forma humana, mas
não revestida de carne, e me disse: “Ave, cheia de graça...” Ao ouvi-lo
perguntei-me o que significava aquilo ou porque me tinha saudado dessa
forma, pois sabia e cria que eu era indigna de algo semelhante, ou de
algo tão bom, mas também sabia que para Deus não era impossível fazer
tudo o que quisesse. Então, o anjo acrescentou:” O filho que nascerá de
ti é santo e se chamará Filho de Deus. Se fará como a Deus apraz”. Ainda
não me acreditei digna nem lhe perguntei: “Por quê?” ou “Quando se
fará?”, mas lhe perguntei: “Como é que eu, tão indigna, hei de ser mãe de
Deus, se nem sequer conheço varão?"
O anjo me respondeu, como disse, que nada é impossível para Deus, mas
“Tudo o que ele queira se fará”. Quando ouvi as palavras do anjo, senti o
mais fervente desejo de converter-me na mãe de Deus, e minha alma disse
com amor: “Aqui estou, faça-se em mim tua vontade!" Ao dizer aquilo,
nesse momento e lugar, foi concebido meu Filho em meu ventre com uma
inefável exultação da minha alma e dos membros do meu corpo. Quando Ele
estava em meu ventre, o gerei sem dor alguma, sem torpor nem cansaço em
meu corpo. Humilhei-me em tudo, sabendo que levava em mim o
Todo-poderoso. Quando o dei à luz, o fiz sem dor nem pecado, igual a
quando o concebi, com tal exultação de alma e corpo que senti como se
caminhasse sobre o ar, gozando de tudo. Ele entrou em meus membros, com
gozo de toda minha alma, e dessa forma, com gozo de todos meus membros,
saiu de mim, deixando minha alma exultante e minha virgindade intacta.
Quando olhei e contemplei sua beleza, a alegria transbordou de minha
alma, sabendo-me indigna de um Filho assim. Quando observei os lugares
nos quais, como sabia através dos profetas, suas mãos e pés seriam
perfurados na crucifixão, meus olhos se encheram de lagrimas e meu
coração se partiu de tristeza. Meu Filho olhou meus olhos lacrimosos e se
entristeceu quase até morrer. Mas ao contemplar seu divino poder, me
consolei de novo, dando-me conta de que isto era o que ele queria, e por
ele, como era o correto, conformei toda a minha vontade à sua. Assim,
minha alegria sempre se misturava com a dor.
Quando chegou o momento da paixão de meu Filho, seus inimigos o
arrastaram. Golpearam-no na face e no pescoço e lhe cuspiram zombando
dele. Quando foi levado à coluna, ele mesmo se desnudou e colocou suas
mãos sobre o pilar, e seus inimigos as ataram sem misericórdia. Atado à
coluna, sem nenhum tipo de roupa, como quando veio ao mundo, se manteve
ali sofrendo a vergonha de sua nudez. Seus inimigos o cercaram e, tendo
fugido todos os seus amigos, flagelaram seu puríssimo corpo, limpo de
toda mancha e pecado. Na primeira chicotada eu, que estava por perto, caí
quase morta, e ao voltar a mim, vi em meu espírito seu corpo chicoteado e
chagado até as costelas.
O mais horrível foi que quando lhe retiraram as amarras, as correias
grossas haviam sulcado sua carne. Estando aí meu Filho, tão ensanguentado
e lacerado que não lhe restou nenhuma área sã sem ser chicoteada, alguém
ali presente perguntou: “Vão matá-lo sem estar sentenciado?” e
imediatamente lhe cortou as amarras. Então, meu Filho vestiu suas roupas
e vi como ficou cheio de sangue o lugar onde havia estado. E, por suas
pegadas, pude ver por onde andava, pois o solo ficava empapado de sangue
por onde Ele ia. Não tiveram paciência quando se vestia, empurram-no e o
arrastaram com pressa. Sendo tratado como um ladrão, meu Filho secou o
sangue de seus olhos. Quando ele foi sentenciado à morte, lhe impuseram a
cruz para que a carregasse. Levou-a um pouco, mas depois veio um que a
pegou e o ajudou a carregá-la. Enquanto meu Filho ia até o lugar de sua
paixão, alguns o golpearam no pescoço e outros lhe esbofetearam a face.
Batiam com tanta força que embora não visse quem lhe batia, ouvia
claramente o som da bofetada.
Quando cheguei com Ele ao lugar da paixão, vi todos os instrumentos de
sua morte ali preparados. Ao chegar ali Ele só se desnudou enquanto os
carrascos diziam entre si: “Estas roupas são nossas e ele não as
recuperará porque está condenado à morte”. Meu Filho estava ali, nu como
quando nasceu e nisto alguém veio correndo e lhe ofereceu um pano com o
qual Ele contente pode cobrir sua intimidade. Depois seus cruéis
executores o agarraram e o estenderam na cruz, pregando primeiro sua mão
direita na ponta da cruz onde tinha feito o buraco para o cravo.
Perfuraram sua mão no ponto em que o osso era mais sólido. Com uma corda
lhe estenderam a outra mão e a pregaram no outro extremo da cruz, do
mesmo modo.
Continuando, cruzaram seu pé direito com o esquerdo por cima usando dois
cravos de forma que seus nervos e veias se estenderam e se romperam.
Depois lhe puseram a coroa de espinhos e a apertaram tanto que o sangue
que saia de sua venerável cabeça lhe tapava os olhos, lhe obstruía os
ouvidos e lhe empapava a barba ao cair. Estando assim na cruz, ferido e
sangrando, sentiu compaixão de mim, que estava ali soluçando e, olhando
com seus olhos ensanguentados em direção a João, meu sobrinho, me
encomendou a ele. Nesse momento pude ouvir alguns dizendo que meu Filho
era um ladrão, outros que era um mentiroso, e ainda outros dizendo que
ninguém merecia a morte mais do que Ele.
Ao ouvir tudo isto se renovava minha dor. Como disse antes, quando lhe
fincaram o primeiro cravo, esse primeiro sangue me impressionou tanto que
cai como morta, meus olhos cegos na escuridão, minhas mãos tremendo, meus
pés instáveis. No impacto de tanta dor não pude olhá-Lo até que
terminaram de crucificá-Lo. Quando pude levantar-me, vi meu Filho arfando
ali miseravelmente e, consternada de dor, eu sua Mãe tão triste, apenas
podia manter-me em pé.
Vendo-me a mim e seus amigos chorando desconsoladamente, meu Filho gritou
em voz alta e pesarosa dizendo: “Pai porque me abandonaste”? Era como
dizer: “Ninguém se compadece de mim senão tu, Pai”. Então seus olhos
pareciam meio mortos suas faces estavam afundadas, seu rosto lúgubre, sua
boca aberta, e sua língua ensanguentada.
Seu ventre estava pressionado na direção das costas, porque todos os
líquidos tinham sido perdidos. Era como se não tivesse órgãos. Todo o seu
corpo estava pálido e lânguido devido à perda de sangue. Suas mãos e pés
estavam muito rígidos e estirados ao terem sido forçados para adaptá-los
a cruz. Sua barba e seu cabelo estavam completamente empapados de sangue.
Estando assim, lacerado e lívido, sua mente e seu coração se mantinham
vigorosos, pois tinha uma boa e forte constituição. De minha carne, Ele
recebeu um corpo puríssimo e bem proporcionado. Sua pele era tão fina e
macia que ao menor arranhão imediatamente lhe saia sangue, que sobressaia
sobre sua pele tão pura. Precisamente por sua boa constituição, a vida
lutou contra a morte em seu corpo chagado. Em certos momentos, a dor nas
extremidades e fibras de seu corpo lacerado lhe subia até o coração,
ainda vigoroso e integro e isto trazia um incrível sofrimento. Em outros
momentos, a dor baixava de seu coração para seus membros feridos e, ao suceder
isto, se prolongava a amargura de sua morte.
Submerso na agonia, meu Filho olhou ao redor e viu seus amigos que
choravam e que teriam preferido suportar eles mesmos a dor com seu
auxilio e ter ardido para sempre no inferno em lugar de vê-Lo tão torturado.
Sua dor pela dor dos seus amigos excedia toda a amargura e tribulações
que havia suportado em seu corpo e em seu coração pelo amor que lhes
tinha. Então, na excessiva angustia corporal de sua natureza humana,
clamou a seu Pai: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”.
Quando eu, sua triste Mãe, ouvi essas palavras, todo o meu corpo se
comoveu com a dor amarga de meu coração, e todas as vezes que as recordo
choro desde então, pois elas permaneceram presentes e recentes em meus
ouvidos. Quando se lhe aproximava a morte e seu coração se rompeu com a
violência das dores, todo seu corpo se convulsionou e sua cabeça se
levantou um pouco para depois cair outra vez. Sua boca ficou aberta e sua
língua podia ser vista sangrando. Suas mãos se retraíram um pouco do
lugar da perfuração e seus pés suportaram mais com o peso de seu corpo.
Seus dedos e braços pareceram estender-se e seus ombros ficaram rígidos
contra a cruz.
Então, alguns me diziam: “Maria, teu Filho está morto”. Outros diziam:
”Está morto, mas ressuscitará”. À medida que tudo seguia veio um homem e
lhe cravou uma lança no lado com tanta força que quase saiu pelo outro
lado. Quando tiraram a lança, sua ponta estava tingida de sangue vermelho
e me pareceu como se me tivessem perfurado o meu próprio coração, quando
vi meu querido Filho transpassado. Depois o retiraram da cruz e eu tomei
seu corpo sobre meu regaço. Parecia um leproso, completamente lívido.
Seus olhos estavam mortos e cheios de sangue, sua boca tão fria como
gelo, sua barba eriçada e sua face contraída.
Suas mãos estavam tão desconjuntadas que não se sustentavam sequer sobre
seu ventre. Recebi-o sobre meus joelhos como havia estado na cruz, como
um homem contraído em todos os seus membros. Depois disso, o estenderam
sobre um tecido limpo de linho e com meu próprio lenço lhe sequei as
feridas e seus membros e fechei seus olhos e sua boca que havia ficado
aberta quando morreu. Assim o colocaram no sepulcro. De boa vontade me
teria colocado ali viva com meu Filho se essa tivesse sido sua vontade!
Terminado tudo isto veio o bondoso João e me levou à sua casa. Vê, Filha
minha, quanto suportou meu Filho por ti!
Palavras de Cristo à sua esposa sobre como Ele mesmo se entregou, por sua
própria e livre vontade, para ser crucificado por seus inimigos, e sobre
como controlar o corpo de atos ilícitos frente à consideração de sua
paixão.
Livro 1 - Capítulo 11
O Filho de Deus se dirigiu a sua esposa, dizendo: “Sou o Criador do Céu e
da terra, e o que se consagra no altar é meu verdadeiro corpo".
Ama-me com todo teu coração, porque eu te amei e me entreguei a meus
amigos por minha própria e livre vontade, enquanto meus amigos e minha
Mãe caiam em amarga dor e pranto.
Quando vi a lança, os cravos, as correias e todos os demais instrumentos
de minha paixão ali preparados, ainda assim fiquei a sofrer com alegria.
Quando minha cabeça sangrava por todas as partes a partir da coroa de
espinhos, mesmo que meus inimigos se apoderassem de meu coração,
desejaria que o ferissem e o desprezassem, ao invés de perder-te.
Portanto serias muito ingrata se, em correspondência a tanta caridade,
não me amasses. Se minha cabeça foi perfurada e se inclinou na cruz por
ti, também tua cabeça deveria inclinar-se até a humildade. Já que meus
olhos estavam ensanguentados e cheios de lagrimas, teus olhos deveriam
abster-se de visões agradáveis a teus olhos. Se meus ouvidos se cobriram
de sangue e ouvi palavras de zombaria contra mim, teus ouvidos teriam que
abster-se das conversas frívolas e inoportunas.
Ao se ter dado bebida amarga à minha boca e negado uma doce, preserve a
tua boca do mal e deixa que se abra para o bem. Posto que minhas mãos
foram estendidas e cravadas, que as obras simbolizadas por tuas mãos se
estendam aos pobres e aos meus mandamentos. Que teus pés, ou sejam, teus
atos, com os quais deves caminhar até mim, sejam crucificados aos
deleites de maneira que, da mesma forma que sofri em todos meus membros,
também todos os teus membros estejam dispostos a obedecer-me. Peço mais
serviços para ti do que para outros porque te dei uma maior graça”.
Sobre como um anjo reza por sua esposa e como Cristo pergunta ao anjo o
que é que pede para sua esposa e o que é bom para ela.
Livro 1 - Capítulo 12
Um anjo bom, o guardião da esposa, apareceu rogando a Cristo por ela. O
Senhor lhe respondeu e disse: “Uma pessoa que reza por outra deve rogar
pela salvação dela. Tu és como um fogo que nunca se extingue,
incessantemente ardendo com meu amor. Tu vês e conheces tudo quando me
vês e não queres nada mais do que o que eu quero. Portanto, diz-me o que
é que convém a esta minha esposa? Ele respondeu: “Senhor, tu sabes tudo”.
O Senhor lhe disse: “Tudo o que se criou ou se criará existe eternamente
em mim.”
Mas, para que minha esposa possa reconhecer minha vontade, diz-me o que é
bom para ela, agora que está escutando”. E o anjo disse: “Ela tem um
coração orgulhoso e arrogante. Portanto, necessita uma vara com que possa
ser domada”. Então, o Senhor disse: ”Que pedes para ela meu amigo"?
O anjo disse: “Senhor, peço-te que lhe garanta a misericórdia com a
vara”. E o Senhor acrescentou: “Pelo seu bem o farei, pois nunca emprego
a justiça sem misericórdia". Então, a esposa deve amar-me com todo
seu coração e com boa vontade.
Sobre como um inimigo de Deus tinha três demônios dentro dele e sobre a
sentença que Cristo lhe aplicou.
Livro 1 - Capítulo 13
Meu inimigo tem três demônios em seu interior. O primeiro reside em seus
genitais, o segundo em seu coração, o terceiro em sua boca. O primeiro é
como um barqueiro que deixa que a água lhe chegue aos joelhos, e a água,
ao aumentar gradativamente, termina enchendo o barco. Então se produz uma
inundação e o barco se afunda. Esse barco representa seu corpo, que é
assaltado pelas tentações de demônios, e por suas próprias concupiscências,
como se fossem tempestades. Primeiro, a luxuria entrou em seu corpo até
os joelhos, ou seja, através do desejo demoníaco com o qual se deleitou
com pensamentos impuros. E como ele não resistiu pelo arrependimento e
penitencia, e não reparou o barco do seu corpo, mediante os apertos da
abstinência, a água da luxuria cresceu diariamente enquanto ele deu seu
consentimento ao mal.
Então, o barco repleto, ou seja, cheio pela concupiscência do ventre, se
inundou e afundou na luxuria, de forma que não pôde chegar ao porto da
salvação. O segundo demônio, que residia em seu coração, é como um verme
dentro de uma maçã, que primeiro come o pé da maçã e depois deixa seus
excrementos, se espalha pelo interior da maçã até que todo o fruto se
decompõe. Isto é o que faz o demônio. Primeiro destrói a vontade da
pessoa e seus bons desejos, que são como a polpa, onde se encontra toda a
força da alma e reside toda bondade, e quando o coração se esvazia desses
bens, põem em seu lugar, dentro do coração, os pensamentos mundanos e os
desejos que os dominam mais. Assim, impele o corpo ao seu próprio prazer,
e por essa razão, o valor e entendimento do homem diminuem e ele odeia a
sua vida. Esse homem é sem duvida uma maçã sem polpa, ou seja, é um homem
sem coração, que entra em minha igreja pois já não tem o amor de Deus.
O terceiro demônio é como um arqueiro que olha pela janela e dispara nos
descuidados. Como não vai estar o demônio dentro de um homem que sempre o
inclui em sua conversação? Aquele a quem amamos mais é quem mais
mencionamos. As palavras amargas com que ele fere a outros são como
flechas disparadas por tantas janelas quantas vezes o demônio é
mencionado e pessoas inocentes sejam ofendidas por suas palavras.
Eu, que Sou a verdade, juro pela minha verdade que os condenarei como uma
prostituta, ao fogo e enxofre; como a um traidor insidioso, à mutilação
de seus membros; como a um zombador do Senhor, à vergonha eterna.
Entretanto, enquanto sua alma e seu corpo permaneçam unidos, minha
misericórdia está ainda aberta para ele. O que exijo dele é que participe
com maior frequência dos divinos ofícios e orações, que não tenha medo de
nenhuma humilhação nem deseje qualquer honra e que o inferno ou más
palavras não sejam mencionados pela sua boca.
EXPLICAÇÃO
Este homem, um abade da ordem cisterciense, enterrou uma pessoa que havia
estado excomungada. Quando ele rezou a oração de encomenda de corpo sobre
ele, Santa Brígida ouviu em êxtase espiritual as seguintes palavras do
Senhor: “Ele utilizou seu poder e o enterrou. Podes estar segura de que o
próximo enterro depois deste será o seu, pois pecou contra o Pai, que nos
disse que não mostremos parcialidade nem honremos injustamente aos ricos.
Para benefício próprio, este homem honrou uma pessoa indigna e a colocou
entre os dignos, coisa que não devia fazer. Pecou contra mim também, o
Filho, porque Eu disse: “Aquele que me rejeita será rejeitado. Este homem
honrou e exaltou alguém que minha Igreja e meu vigário haviam rejeitado”.
O abade se arrependeu quando ouviu essas palavras e morreu ao quarto dia.
Palavras de Cristo à sua esposa sobre a maneira e respeito com que deve
conduzir a oração, e sobre três classes de pessoas que servem a Deus no
mundo.
Livro 1 - Capítulo 14
Sou teu Deus, o que foi pregado na cruz, verdadeiro Deus e homem em uma
pessoa, e que está presente todos os dias nas mãos do sacerdote. Quando
me ofereces uma oração, termine-a sempre com o desejo de que se faça
minha vontade e não a tua. Quando rezas por alguém que já está condenado
não te escuto. Algumas vezes não te ouço se desejas algo que possa ir
contra tua salvação. É por isso, necessário que submetas tua vontade à
minha, porque como Eu sei todas as coisas, não te permito nada mais do
que te seja benéfico. Há muitos que não rezam com a intenção correta e é
por isso que não merecem ser atendidos. Há três tipos de pessoas que me
servem neste mundo.
Os primeiros são os que creem que sou Deus e o provedor de todas as
coisas, que tem poder sobre tudo. Estes me servem com a intenção de conseguir
bens e honras temporais, mas as coisas do Céu não lhes importam e estão
até dispostos a perdê-las para obter bens presentes. O êxito mundano se
ajusta completamente à sua medida, segundo seus desejos. Já que perderam
os bens eternos, Eu lhes compenso com consolos temporais por qualquer bom
serviço que me façam, pagando-lhes até o ultimo centavo e até o ultimo
ponto.
Os segundos são os que creem que sou Deus onipotente e Juiz severo, mas
que me servem por medo do castigo e não por amor à gloria celestial. Se
não me temessem não me serviriam.
Os terceiros são os que creem que sou o Criador de todas as coisas e Deus
verdadeiro e que creem que sou justo e misericordioso. Estes não me
servem por medo do castigo, mas por amor divino e caridade. Prefeririam
suportar qualquer castigo, por duro que fosse, a não me ofender. Estes
merecem verdadeiramente ser escutados quando rezam, pois sua vontade
coincide com minha vontade. O primeiro tipo de servos nunca sairá do
castigo nem chegará a ver meu rosto. O segundo não será tão castigado,
mas também não chegará a ver meu rosto, a não ser que corrija seu temor
mediante a penitencia.
Palavras de Cristo à esposa revelando-se como um grande Rei; sobre os
tesouros que simbolizam o amor de Deus e o amor do mundo, e uma lição
sobre como melhorar nesta vida.
Livro 1 - Capítulo 15
Sou como um grande Rei majestoso e potente. Quatro coisas correspondem a
um rei. Primeiro, tem que ser rico; segundo, generoso; terceiro, sábio;
quarto, caritativo. Eu tenho essas quatro qualidades que mencionei. Em
primeiro lugar, Sou o mais rico de todos, pois abasteço as necessidades
de todos e não tenho menos depois de ter dado. Segundo, sou o mais
generoso, pois estou preparado para dar a quem me pede. Terceiro, sou o
mais sábio, pois conheço as dividas e necessidades de cada pessoa.
Quarto, sou caritativo, pois estou mais disposto a dar do que alguém para
pedir. Tenho, digamos, dois tesouros.
No primeiro tesouro guardo materiais pesados como o chumbo e os
compartimentos onde se encontram estão cobertos por afiadíssimos pregos.
Mas estas coisas pesadas chegam a parecer tão leves como plumas para a
pessoa que começa a alterá-las e revolvê-las e que, depois, aprende a
carregá-las. O que antes parecia tão pesado se converte em luz e as coisas
que antes se viam afiadas e cortantes se tornam suaves. No segundo
tesouro, se vê ouro resplandecente, pedras preciosas, e aromáticas e
deliciosas bebidas. Mas o ouro é realmente barro e as bebidas são veneno.
Há dois caminhos até o interior desses tesouros, apesar de que antes só
havia um. No cruzamento, ou seja, na entrada dos dois caminhos, há um
homem que, gritando a três homens que tomam o segundo caminho, lhes diz:
“Ouçam, ouçam o que tenho para dizer! Se não querem escutar, ao menos
ponham vossos olhos para ver que o que digo é certo. Se não querem usar
seus ouvidos nem seus olhos, ao menos usem suas mãos para tocar e dar
conta de que não falo em falso.” Então, o primeiro deles diz: “Vamos
atender e ver se o que diz é verdade”. O segundo homem diz: “Tudo o que
diz não é verdade". O terceiro diz: “Sei que tudo o que diz é
verdade, mas não me importa”.
O que são esses tesouros se não o amor por mim e amor pelo mundo? Há duas
trilhas até esses tesouros. O rebaixar-se e a completa autonegação conduz
ao meu amor, enquanto o desejo carnal conduz ao amor ao mundo. Para
algumas pessoas, a carga que suportam por meu amor parece feita de
chumbo, porque quando têm que jejuar ou vigiar, ou praticar a restrição,
pensam que estão carregando uma carga de chumbo. Se têm que ouvir
zombarias e insultos porque gastam tempo em oração e na pratica da
religião, é como se sentassem sobre pregos, sempre é uma tortura para
eles.
A pessoa que desejar estar em meu amor, primeiro tem que reverter o
chumbo, ou seja, fazer um esforço para fazer o bem desejando-o com um
ardor constante. Então, perseverando na tarefa que assumiu, começará a
carregar tudo o que antes lhe parecia chumbo, com uma disposição tão
alegre que todos os trabalhos ou jejuns e vigílias, ou qualquer outro
trabalho, será para ele tão leve como uma pluma.
Meus amigos descansam em um lugar que, para os malvados e negligentes,
parece estar coberto de espinhos e pregos, mas a meus amigos lhes oferece
o melhor repouso, suave como as rosas. O caminho direto até este tesouro
é desprezar tua própria vontade. Isto acontece quando um homem, pensando
em minha paixão e morte, não se preocupa com sua vontade, mas resiste e
luta constantemente para melhorar. Apesar de que esse caminho é algo
difícil no principio, ainda há muito prazer neste processo, tanto que
tudo o que no principio parecia impossível de carregar se torna muito
leve, de forma que pode dizer com toda razão a si mesmo: “Leve é o jugo
de Deus”.
O segundo tesouro é o mundo. Aí há ouro, pedras preciosas e bebidas que
parecem deliciosas, mas são amargas como o veneno quando se experimenta.
O que ocorre a todos que levam o ouro é que, quando seu corpo se debilita
e seus membros falham, quando sua medula se desgasta e seu corpo cai por
terra devido à morte, então deixam o ouro e as joias e não merecem mais
do que o barro. As bebidas do mundo, ou seja, seus prazeres parecem
deliciosos, mas quando chegam ao estomago debilitam a cabeça e pesam no
coração, arruínam o corpo e a pessoa, e desaparecem como palha. À medida
que se aproxima a dor da morte, todas essas delicias se tornam tão
amargas como o veneno. A própria vontade conduz a este desejo, quando uma
pessoa não se preocupa em resistir aos seus apetites e não medita sobre o
que Eu tenho ordenado e sobre o que tenho dito, mas a todo o momento faz
o que lhe apetece, seja lícito ou não.
Três homens caminham por esta trilha. Refiro-me a todos os réprobos,
todos os que amam o mundo e a seu próprio desejo. Eu lhes grito desde a
encruzilhada dos caminhos, até a entrada dos dois, porque ao ter vindo em
carne humana mostrei dois caminhos à humanidade em concreto, um para ser
seguido e outro para ser evitado, ou seja, um caminho que leva à vida e
outro que conduz à morte. Antes da minha vinda em carne somente havia um
caminho.
Nele, todas as pessoas, bons e maus, iam ao inferno. Eu sou o que clamei
e meu clamor foi este: “Povos, escutem minhas palavras, que conduzem ao
caminho da vida, ponham seus sentidos em compreender que o que digo é
verdade. Se não as escutam ou não podem escutá-las, então ao menos olhem
– ou seja, usem a fé e a razão – e vejam que minhas palavras são certas.
Da mesma forma que uma coisa visível pode ser percebida pelos olhos do
corpo, assim também o invisível se pode perceber e crer mediante os olhos
da fé”.
Há muitas almas simples na Igreja que fazem poucos trabalhos, mas que se
salvam graças a sua fé, por crerem que sou o Criador e redentor do
universo. Não existe ninguém que não possa compreender ou chegar à crença
de que Eu sou Deus, se considera como a terra dá frutos e os Céus
produzem chuva; como se tornam verdes as árvores; como subsistem os
animais, cada um em sua espécie; como os astros são úteis ao ser humano,
e como ocorrem coisas contrárias à vontade do homem.
Partindo de tudo isso, uma pessoa pode ver que é mortal e que é Deus quem
dispõe todas as coisas. Se Deus não existisse tudo estaria em desordem.
Por conseguinte, tudo foi criado e disposto por Deus, tudo se ordenou
racionalmente para a própria instrução do ser humano. Nem sequer a mínima
coisa existe nem subsiste no mundo sem razão. Assim, se uma pessoa não
pode entender ou compreender meus poderes devido a sua debilidade, ao
menos pode ver e crer por meio da fé.
Ma se ainda – oh homens! – não queres empregar teu intelecto para
considerar meu poder, podes usar tuas mãos para tocar as obras que Eu e
meus santos temos realizado. São tão patentes que ninguém pode duvidar de
que se trata de obras de Deus. Quem, senão Deus pode ressuscitar os
mortos ou devolver a vista a um cego? Quem senão Deus expulsa os
demônios? O que ensinou que não sirva para a salvação da alma e do corpo,
e seja fácil de levar?
Entretanto, o primeiro homem ou, melhor, algumas pessoas dizem:
“Escutemos e comprovemos se isto é correto!” Estas pessoas estão há algum
tempo a meu serviço, mas não por amor, mas como experimentação e imitação
de outros, sem renunciar a sua própria vontade, mas tratando de conjugar
sua própria vontade junto com a minha. Estes se encontram em uma perigosa
posição porque querem servir a dois mestres, ainda que não possam servir
bem a nenhum dos dois. Quando forem chamados, serão recompensados pelo
mestre que mais amaram.
O segundo homem, ou seja, algumas pessoas dizem: “O que disse é falso e a
Escritura é falsa”. Eu sou Deus, o Criador de todas as coisas, nada foi
criado sem mim. Eu estabeleci o novo e o antigo testamento; ambos saíram
de minha boca e neles não há falsidade porque Eu sou a verdade. Por isso
aqueles que dizem que Eu sou falso e que as Sagradas Escrituras são
falsas, nunca verão meu rosto porque sua consciência lhes diz que Eu sou
Deus, pois tudo ocorre segundo meu desejo e disposição.
O Céu lhes dá luz, pois eles não podem iluminar a si mesmos; a terra dá
frutos, o ar permite que se fecunde a terra, todos os animais têm certas
disposições, os demônios me confessam, os justos sofrem de maneira
incrível pelo seu amor a mim. Eles olham tudo isso e ainda não me veem
Poderiam ver-me em minha justiça, se considerassem como a terra devora os
ímpios e como o fogo consome os malvados. Igualmente, também podiam
ver-me em minha misericórdia quando a água fluiu da rocha para os retos
ou as águas se abriram para que eles passassem; quando o fogo não os
queimou, ou os Céus lhes deram alimento como a terra. Assim, vendo tudo
isso, ainda dizem que minto, então, nunca verão meu rosto.
O terceiro homem, ou seja, certas pessoas, dizem: ”Sabemos muito bem que
Ele é Deus em verdade, mas não nos importa”. Essas pessoas serão
atormentadas eternamente, porque me desprezam a mim que sou seu Senhor e
seu Deus. Não é um grandíssimo desprezo de sua parte usar meus dons e
recusar a servir-me? Se ao menos tivessem adquirido tudo isso por sua
conta e não inteiramente por mim, seu desdém não seria tão grande. Mas Eu
darei minha graça àqueles que comecem voluntariamente a carregar meu
fardo e a lutar com um desejo ardente de fazer o que possam.
Eu trabalharei junto com esses que levam meu fardo, ou seja, os que
progridem a cada dia por amor a mim. Serei sua força e os inflamarei
tanto que estarão desejosos de fazer mais. Os que perseveram no ponto que
parece mortificá-los – mas que em verdade lhes é benéfico – são os que
labutam dia e noite sem descanso, fazendo-se inclusive mais ardentes,
pensando que o que fazem é pouco. Estes são meus amigos mais queridos e
são muito poucos, pois os demais acham mais prazerosas as bebidas do
segundo tesouro.
Como a esposa viu um santo falando com Deus sobre uma mulher que havia
sido terrivelmente afligida pelo demônio e que depois se converteu graças
às orações da gloriosa Virgem.
Livro 1 - Capítulo 16
A esposa viu que um dos santos dizia a Deus: “Porque o demônio está
afligindo a alma desta mulher que tu redimiste com teu sangue? O demônio
contestou de imediato dizendo: “Porque é minha por direito.” E o Senhor
disse: ”Com que direito é tua?”O demônio lhe respondeu: ”Há – disse –
dois caminhos. Um que conduz ao Céu e outro ao inferno. Quando ela se viu
frente a esses dois caminhos, sua consciência e razão lhe disseram que
escolhesse meu caminho. Como tinha livre vontade para escolher o caminho
de seu agrado, pensou que seria mais vantajoso dirigir sua vontade para o
pecado, e assim, começou a caminhar por minha trilha. Depois, a enganei
com três vícios: a gula, a cobiça pelo dinheiro e a luxúria. Agora habito
em seu ventre e em sua natureza. Tenho-a presa por cinco mãos. Com uma
mão lhe fecho os olhos para que não veja coisas espirituais. Com a
segunda, sujeito suas mãos de forma que não possa fazer nenhuma boa obra.
Com a terceira lhe sustenho os pés, de maneira que não caminhe para a
bondade. "Com a quarta, sujeito seu intelecto para que não se
envergonhe de pecar e, com a quinta lhe prendo o coração para que não
sinta contrição”. A bendita Virgem Maria disse então a seu Filho: ”Filho
meu, faça com que ele diga a verdade sobre o que eu quero lhe perguntar.”
O Filho respondeu: ”Tu és minha Mãe, és a Rainha do Céu, és a Mãe da
misericórdia, o consolo das almas do purgatório, a alegria dos que
peregrinam pelo mundo. És a Soberana dos anjos, a criatura mais excelente
diante de Deus. Também és Soberana sobre o demônio. Ordena tu mesma a
este demônio, Mãe, e ele te dirá o que quiseres”. A bendita Virgem
perguntou então ao demônio: ”Diga-me, Satanás, que intenção tinha aquela
mulher antes de entrar na Igreja”? Satanás lhe respondeu: ”Tomou a
resolução de não voltar a pecar”.
E a Virgem Maria lhe disse: ”Embora sua intenção anterior a conduzisse ao
inferno, diga-me, em que direção aponta sua atual intenção de afastar-se
do pecado?” O demônio lhe respondeu com raiva: ”A intenção de abster-se
de pecar a conduz para o Céu”. A Virgem Maria disse: ”Como tu entendeste
que era teu direito afastá-la do caminho da Santa Igreja devido a sua
intenção anterior, agora é questão de justiça que deve ser conduzida de
volta a Igreja, dada sua presente intenção. Agora demônio, vou te fazer
outra pergunta: Diga-me, que intenção tem em seu atual estado de
consciência?” O demônio lhe respondeu: ”Em sua mente está terrivelmente
contrita e arrependida, chora por tudo o que fez. Decidiu nunca mais
cometer pecados semelhantes e emendar-se em tudo o que possa”. A Virgem,
então, perguntou ao demônio: ”Poderia dizer-me se os três pecados de
luxúria, gula e cobiça podem existir em um coração junto às suas três
boas resoluções de contrição, arrependimento e propósito de emenda?” O
demônio respondeu: ”Não”. E a bendita Virgem disse: ”Me dirás então,
quais têm que retroceder e sair de seu coração, as três virtudes ou os
três vícios, que, segundo tu, não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo
tempo?” O demônio replicou: ”Digo que os pecados”. E a Virgem falou: ”O
caminho do inferno está então fechado para ela e o caminho do Céu está
aberto”. De novo, a bendita Virgem Maria inquiriu ao demônio: ”Diga-me,
se um ladrão arrombar as portas da esposa e quiser violá-la, que teria
que fazer o Esposo?” Satanás respondeu: ”Se o Esposo é bom e valente,
deve defendê-la arriscando sua vida por ela.” Então, a Virgem disse: “Tu
és o ladrão malvado. Esta alma é a esposa de meu Filho, que a redimiu com
seu próprio sangue. Tu a corrompeste e a atacaste à força. Portanto, e
posto que meu Filho é o Esposo de sua alma e Senhor sobre ti, retira-te
de sua presença”.
EXPLICAÇÃO
Esta mulher era uma prostituta, que depois de arrepender-se quis voltar
ao mundo porque o demônio a molestava dia e noite, tanto que visivelmente
pressionava seus olhos e, diante de muitos, a arrastava fora de sua cama.
Então, na presença de testemunhas fiéis, a santa dona Brígida disse
abertamente: ”Saia, demônio, tens já vexado bastante a esta criatura de Deus”.
Depois de dizer isso, a mulher se aquietou por meia hora, com os olhos
fixos no solo e, depois se levantou e disse: ”Na verdade eu vi o demônio
em uma forma abominável saindo pela janela e ouvi sua voz que me dizia:
”Mulher, verdadeiramente estás livre”. Desde esse momento, esta mulher,
venceu toda impaciência, cessaram seus sórdidos pensamentos e veio a
descansar em uma boa morte.
Palavras de Cristo à sua esposa comparando um pecador com três coisas:
uma águia, um caçador e um lutador.
Livro 1 - Capítulo 17
Eu sou Jesus Cristo, que está falando contigo. Sou o que esteve no ventre
da Virgem, verdadeiro Deus e homem. Apesar ter estado na Virgem ainda
regia tudo com o Pai. O homem, que é um perverso inimigo meu, se parece
com três coisas. Primeiro, é como uma águia que voa pelos ares enquanto
outras aves voam por baixo; segundo, é como um caçador que entoa doces
melodias com uma flauta recoberta de cola, cujos sons deleitam as aves de
modo que voam até a flauta e ficam presas na cola. Terceiro, é como um
lutador que ganha todos os combates.
É como uma águia porque, em seu orgulho, não pode tolerar que haja
ninguém acima dele e fere a qualquer que esteja a seu alcance com as
unhas de sua malicia. Cortarei as asas de seu poder e de seu orgulho e eliminarei
sua maldade da terra. Colocá-lo-ei em uma inextinguível panela fervente,
que é o sofrimento do inferno, onde será eternamente atormentado, se não
emendar seu caminho. É também como um caçador que atrai todos para si com
a doçura de suas palavras e promessas, mas quem se aproxima dele, fica
preso na perdição sem poder escapar. Por esta razão, as aves do inferno
lhe picarão os olhos para que nunca possam ver minhas glorias, senão
somente a escuridão perpetua do inferno. Cortar-lhe-ão as orelhas para
que não ouça as palavras de minha boca.
Em troca de suas doces palavras lhe darão amargos tormentos desde a
planta de seus pés até o alto de sua cabeça e sofrerá tantas torturas
quantos foram os homens que conduziu à perdição. É também como um lutador
briguento, quem gosta de ser o primeiro em maldade, não querendo ceder
diante de ninguém, e sempre determinado a derrotar a qualquer um. Como
lutador, então, terá o primeiro lugar em cada castigo; seus tormentos se
renovarão constantemente e nunca terminarão. Ainda assim, enquanto sua
alma esteja unida a seu corpo, minha misericórdia permanece quieta
esperando-o.
EXPLICAÇÃO
Este foi um poderosíssimo cavaleiro que odiava muito o clero e costumava
lançar-lhe insultos. A precedente revelação é sobre ele, igual a que
segue: O Filho de Deus disse: “Oh mundano cavaleiro, pergunta a sabedoria
que ocorreu ao soberbo Aman que desprezava minha gente! Não foi a sua uma
morte ignominiosa e uma grande degradação? Da mesma forma este homem
zomba de mim e de meus amigos. Por isto, o mesmo que Israel não chorou
pela morte de Aman, aos meus amigos não doerá a morte deste homem. Terá
uma morte muito amarga se não emenda seu caminho”. E isso foi o que se
passou.
As palavras de Cristo à sua esposa sobre como deveria haver humildade na
casa de Deus, e como essa casa significa pureza de vida e como casas e
esmolas devem ser doadas apenas de bem ganhos honestamente, e sobre como
restaurar bens adquiridos indevidamente.
Livro 1 - Capítulo 18
Na minha casa todos devem ter a humildade que agora é totalmente
rejeitada. Deve haver uma forte parede divisória entre os homens e as
mulheres, porque mesmo que eu seja capaz de defender todos e mantê-los
todos sem uma parede, ainda, por razões de precaução e por causa da
astúcia do diabo, eu quero uma parede que deve separar as duas
residências. Deve ser forte e não muito elevada, mas moderada. As janelas
devem ser muito simples e transparentes, o telhado moderadamente elevado,
pelo que nada pode ser visto lá que não pertença à humildade. Porque
aqueles que agora constroem casas para mim são como mestres construtores
que, quando o senhor ou o mestre da casa entram nelas, agarram-lhe pelos
cabelos e pisam-lhe com os pés; eles elevam o que é sujo para o alto e
pisam o ouro com os pés. Isto é o que muitos fazem para mim agora.
Eles constroem sujeira, ou seja, criam para o céu coisas perecíveis e
mundanas, mas descuidam das almas que são mais preciosas do que todo
ouro. Se eu quero ir até eles através das minhas pregações ou através de
bons pensamentos, eles agarram-me pelos cabelos e pisam-me com seus pés,
o que significa que eles me insultam e consideram minhas palavras e
minhas ações desprezíveis como sujeira. Eles se consideram muito mais
sensatos. Mas se eles quiserem construir coisas para mim e para minha
honra, deveriam primeiro elevar as almas para o reino dos Céus. Os que
querem construir minha casa devem, com a máxima precisão, tomar cuidado
em não deixar ser destinado à construção nenhum centavo que não tenha
sido honesta e justamente adquirido.
Há muitas pessoas que sabem que possuem bens conseguidos ilicitamente e
não se aborrecem por isso, nem tem intenção de restituir e devolver seus
roubos e pilhagens, apesar de que poderiam fazê-lo se quisessem.
Entretanto, como sabem que não podem manter estas coisas para sempre, dão
uma parte de seus bens mal adquiridos às Igrejas, como se me pudessem
aplacar por suas doações. As possessões legítimas reservam aos seus
descendentes. E isto não me agrada nada.
Uma pessoa que deseja agradar-me com suas doações têm que ter antes de
tudo, o desejo de emendar seu caminho e depois fazer todo o bem que
possa. Deve lamentar-se e chorar pelo mal que tenha feito e repará-lo se
puder. Se não puder deve ter a intenção de fazer a restituição de seus bens
fraudulentamente adquiridos. Então, tem que cuidar de não voltar a
cometer os ditos pecados. Se a pessoa a quem tem que restituir seus bens
mal adquiridos já não está viva, então pode fazer a mim a doação que a
todos posso devolver o pago. Se não pode restituí-los, sempre se humilhe
diante de mim, com propósito de emenda e um coração contrito, tenho os
meios de fazer a restituição e agora ou no futuro, restaurar a
propriedade de todos os que tiverem sido fraudados.
Explicar-te-ei o significado da casa que quero construir. A casa é a vida
religiosa. Eu sou o Criador de todas as coisas, através de quem tudo se
fez e existe; Sou seu fundamento. Há quatro paredes nessa casa. A
primeira é a justiça pela qual julgo os que são hostis a esta casa. A
segunda parede é a sabedoria, pela qual ilumino seus habitantes com meu
conhecimento e compreensão. A terceira é o poder mediante o qual os
fortaleço contra as maquinações do demônio. A quarta parede é minha
misericórdia, que acolhe qualquer um que a peça. Nesta parede está a
porta da graça, através da qual todos os que a procuram são bem vindos. O
telhado da casa é a caridade, mediante a qual cubro os pecados daqueles
que me amam, de forma que não sejam sentenciados por suas faltas. A
claraboia do teto por onde entra o sol é representação da minha graça.
Através dela se introduz nos habitantes a transparência da minha
divindade. Que a parede seja grande e forte significa que nada pode
debilitar minhas palavras nem destruí-las. Que deveria ser moderadamente
alta significa que minha sabedoria pode ser entendida e compreendida em
parte, mas nunca completamente. As janelas simples e transparentes
referem que minhas palavras são simples e ainda assim chega ao mundo,
através delas, a luz do conhecimento divino. O telhado moderadamente alto
significa que minhas palavras não devem manifestar-se de maneira
incompreensível e inalcançável, mas em forma compreensível e inteligível.
Palavras do Criador à esposa sobre o esplendor de seu poder, sabedoria,
virtude e sobre como aqueles que agora se dizem sábios são os que mais
pecam contra Ele.
Livro 1 - Capítulo 19
Eu sou o criador do Céu e da Terra. Tenho três qualidades. Sou o mais
poderoso, o mais sábio e o mais virtuoso. Sou tão poderoso que os Anjos
me honram no Céu e, no inferno, os demônios não se atrevem a olhar-me.
Todos os elementos respondem às minhas ordens e chamadas. Sou tão sábio
que ninguém consegue alcançar meu conhecimento. Minha sabedoria é tal que
sei tudo o que tem sido e o que ainda será. Sou tão racional que nem
sequer a mínima coisa, nem um verme nem nenhum outro animal, por informe
que pareça, foi feito sem um motivo. Também sou tão virtuoso que todo o
bem emana de mim como de um manancial abundante e toda a doçura vem de
mim como de uma boa vinha. Sem mim, ninguém pode ser poderoso, ninguém
pode ser sábio, ninguém pode ser virtuoso. Por isso, os homens poderosos
do mundo pecam contra mim em excesso. Dei-lhes força e poder para que
possam honrar-me, mas atribuem a si mesmos a honra como se a tivessem obtido
por si mesmos. Os desgraçados não consideram sua imbecilidade. Se lhes
enviasse a menor enfermidade, seriam imediatamente derrubados e tudo para
eles perderia seu valor. Como, pois, serão capazes de suportar meu poder
e os castigos da eternidade? Mas aqueles que agora se dizem sábios, pecam
ainda mais contra mim. Dei-lhes sentido, entendimento e sabedoria para
que me amassem, mas a única coisa que entendem é seu próprio proveito
temporal. Tem olhos em sua face, mas somente olham para seus próprios
prazeres. Estão cegos, até para dar graças a mim que lhes tenho dado
tudo, pois ninguém, nem bom nem mau, pode perceber ou compreender nada
sem mim, mesmo quando permito aos malvados inclinar sua vontade para
fazer o que desejam. Tampouco, ninguém pode ser virtuoso sem mim. Agora,
poderia usar um provérbio comum: “Todos desprezam o homem paciente”.
Devido a minha paciência, todos creem que sou um pobre tolo e é por isso
que me olham com desprezo. Mas pobres deles quando, depois de tanta
paciência, lhes for dada sua sentença! Diante de mim serão como lama que
desliza para as profundidades e não param até chegar à parte mais baixa
do inferno.
Diálogo de agradecimento entre a Virgem Mãe e o Filho e, entre eles, com
a esposa e sobre como a esposa deverá se preparar para o casamento.
Livro 1 - Capítulo 20
A Mãe apareceu dizendo ao Filho: “És o Rei da Glória, Filho meu, és o
Senhor de todos os senhores, criaste o Céu e a Terra e tudo o que existe
neles. Sejam cumpridos todos os teus desejos, faça-se toda tua vontade!”
O Filho respondeu: “Há um antigo provérbio que diz: ‘O que se aprende na
juventude se preserva até a velhice’. Mãe, desde tua juventude aprendeste
a seguir minha vontade e a submeter todos os seus desejos a mim. Disseste
corretamente: ‘Faça-se tua vontade! ’ És como ouro precioso que se
estende e esmaga sobre a dura bigorna, porque foste golpeada por todo
tipo de tribulação e sofreste em minha Paixão mais que todos os demais.
Quando, pela intensidade de minha dor na cruz meu coração se partiu, isto
feriu teu coração como afiadíssimo espinho. Terias desejado ser cortada
em duas se fosse essa minha vontade. Mesmo se tivesses tido a capacidade
de opor-se a minha paixão e suplicado que me fosse permitido viver, não
terias querido obter isto, de nenhuma maneira, se não fosse de acordo com
minha vontade. Por essa razão, fizeste bem ao dizer: ‘Faça-se tua
vontade!’”
Então, Maria disse à esposa: “Esposa de meu Filho, ame-o porque Ele te
ama. Honra seus Santos que estão em sua presença, são como estrelas incontáveis,
cuja luz e esplendor não se pode comparar com nenhuma luz temporal. Assim
como a luz do mundo é diferente da escuridão, igualmente – mas muito mais
– ocorre com a luz dos santos, que difere da luz deste mundo.
Eu te digo, certamente, que se os Santos fossem vistos claramente como
são, nenhum olho humano poderia suportar sem ver-se privado de sua vista
corporal”. Então, o Filho da Virgem falou com sua esposa dizendo: “Esposa
minha, deves ter quatro qualidades. Primeiro, tens que estar preparada para
a boda de minha divindade, onde não há desejo carnal senão somente o mais
suave prazer espiritual, do tipo que é próprio que Deus tenha com uma
alma casta. Desta forma, nem o amor por teus filhos, nem os bens
temporais, nem o afeto de teus parentes te deve separar do meu amor. Não
permitas que te aconteça como foi com aquelas virgens tolas que não
estavam preparadas quando o Senhor quis convidá-las para a boda e ficaram
de fora.
Segundo, deves ter fé em minhas palavras. Como sou a Verdade, nada, senão
a verdade sai de meus lábios e ninguém pode encontrar em minhas palavras
outra coisa que a verdade. Às vezes, o que digo tem um sentido espiritual
e outras vezes se harmoniza com a letra da palavra em cujo caso minhas
palavras têm que ser entendidas segundo seu sentido literal. Portanto,
ninguém pode acusar-me de mentir. Em terceiro lugar, hás ser obediente
para que não haja nenhum só membro de teu corpo pelo qual faças o mal e
para que não se submeta a correspondente penitência e reparação. Porém,
sou misericordioso, mas não deixo de lado a justiça.
Por isso, obedece humildemente e com prazer àqueles aos quais estás
sujeita a obedecer, de forma que não faças nada que te pareceria útil e
razoável, se isto for contra a obediência. É melhor renunciar a tua própria
vontade pela obediência, mesmo se seu objetivo for bom, e ajustar-se à
obediência de teu diretor sempre e quando não for contra a salvação de
tua alma nem seja irracional. Em quarto lugar, deves ser humilde porque
estás unida em um matrimônio espiritual. Por isso, deves ser humilde e
modesta quando chegar teu marido. Que teu criado seja moderado e contido,
ou seja, que teu corpo pratique a abstinência e seja bem disciplinado,
porque vais portar a semente de um fruto espiritual para o bem de muitos.
Da mesma forma que, ao inserir um broto em um talo seco e o talo começar
a florescer, tu deve portar frutos e florescer por minha graça. E minha
graça te embriagará e toda a Corte Celestial se regozijará pelo doce
vinho que te hei de dar.
Não desconfies de minha bondade. Eu te asseguro que, assim como Zacarias
e Isabel se regozijaram em seus corações com um gozo indescritível pela
promessa de um futuro filho, tu também te regozijarás pela graça que te
quero dar e, por sua vez, outros se alegrarão através de ti. Foi um Anjo
que falou com os dois, Zacarias e Isabel, mas sou Eu, Deus Criador dos
Anjos e de ti, quem te fala agora. Pelo meu bem, eles deram a vida ao meu
mais querido amigo, João. Através de ti, quero que me nasçam muitos
filhos, não de carne, mas do espírito. Em verdade, João foi uma cana
cheia de doçura e mel, pois nada impuro jamais entrou em sua boca nem
jamais transpassou os limites da necessidade para obter o que necessitava
para viver. Nunca saiu sêmen de seu corpo, por esta razão, podemos chamá-lo
de anjo e virgem”.
Palavras do Esposo à sua esposa recorrendo a uma alegoria sobre um
feiticeiro para ilustrar e explicar o que é o demônio.
Livro 1 - Capítulo 21
O Esposo, Jesus, falou a sua esposa em alegorias, empregando o exemplo de
um sapo. Disse: “Certo feiticeiro tinha um ouro finíssimo e reluzente. Um
homem simples e de modestas maneiras veio a ele e quis comprar seu ouro.
O feiticeiro lhe disse: ‘Não conseguirás este ouro a não ser que me dês
um ouro melhor e em maior quantidade’. O homem disse: ‘Desejo tanto teu
ouro que te darei o que queres antes que eu fique sem ele’. Depois de dar
ao feiticeiro um ouro melhor e em maior quantidade, levou o ouro
reluzente que este tinha e o guardou em uma maleta, planejando fazer um
anel. Passado algum tempo, o feiticeiro foi ver o homem e lhe disse: ‘O
ouro que compraste e guardaste em tua maleta não é ouro como crês, e sim
um sapo feio que se alimentou em meus peitos e comeu do meu alimento. E
para comprovar a verdade da questão, abre a maleta e verás como o sapo
saltará ao meu peito onde se alimentava. Quando o homem tomou a maleta
para averiguar, pôde sentir o sapo dentro dela forçando as quatro travas
já a ponto de rompê-las. Ao abrir a fechadura da maleta, o sapo viu o
feiticeiro e saltou em seu peito. Os criados e amigos do homem viram isso
e lhe disseram: ‘Mestre, seu ouro está dentro do sapo e, se o deseja,
facilmente pode conseguir o ouro. ‘Como’? – perguntou – ‘Como poderei’?
Eles disseram: ‘Se alguém usar um bisturi afiado e aquecido e o inserir
no lombo do sapo, o ouro sairá dessa parte do lombo em que há um buraco.
Se não puder encontrar o buraco, então, terá que fazer todo o possível
para inserir o bisturi firmemente nessa parte e, é assim que conseguirás
recuperar o que compraste’.
Quem é o feiticeiro senão o demônio persuadindo as pessoas e lhes
trazendo prazeres e glórias fugazes? Ele assegura que o que é falso é
verdade e faz com que o verdadeiro pareça falso. Ele possui esse ouro
precioso, ou seja, a alma que, mediante meu divino poder, fiz mais
preciosa que todas as estrelas e planetas. Eu a fiz imortal e estável e
mais deliciosa para mim do que todo o resto da criação. Preparei para ela
um eterno lugar de descanso e morada junto a mim. Arrebatei-a do poder do
demônio com um ouro melhor e mais caro ao dar-lhe minha própria carne
imune a todo pecado, resistindo a uma Paixão tão amarga que nenhum membro
de meu corpo ficou ileso. Pus a alma redimida em uma maleta até o momento
em que lhe daria um lugar na corte de minha divina presença. Agora,
entretanto, a alma humana redimida se transformou em um sapo torpe e feio
brincando em sua soberba e vivendo no lodo de sua luxúria.
O ouro, ou seja, minha propriedade por direito, me foi arrebatado. Por
isso, o demônio ainda pode me dizer: ‘O ouro que compraste não é ouro e
sim um sapo alimentado nos peitos dos meus prazeres. Separa o corpo da
alma e verás como este voará direto ao peito de meu deleite onde se
alimentou’. Minha resposta a ele é esta: ‘Visto que o sapo é horrível
para ser olhado, horrível para ser ouvido, venenoso para ser tocado e em
nada me agrada, mas a ti sim, em cujos peitos se alimentou, então podes
ficar com ele, pois tens direito a ele. Assim, quando se abre a
fechadura, ou seja, quando a alma se separa do corpo, essa voará
diretamente a ti para ficar contigo eternamente’. Tal é a alma da pessoa
que te estou descrevendo. É como um sapo maligno, cheio de imundície e
luxúria alimentado nos peitos do demônio.
Agora, falarei da maleta, ou seja, do corpo dessa alma, da morte que lhe
sobrevém. A maleta é fechada por quatro travas que estão a ponto de
romper-se, no sentido de que seu corpo se mantém por quatro coisas que
são: força, beleza, sabedoria e visão, as quais, agora, estão começando a
falhar. Quando a alma se separa do corpo, voará direta ao demônio de cujo
leite se alimentou, ou seja, sua luxuria, porque se esqueceu de meu amor
pelo qual tomei sobre mim os sofrimentos e penas que ela mereceu. Ela não
retribui meu amor com amor, mas, em seu lugar, arrebata a propriedade que
me corresponde. Deve mais a mim do que a qualquer outra pessoa, mas
encontra maior prazer no demônio. O som de sua oração é, para mim, como a
voz de um sapo, seu aspecto me resulta detestável. Seus ouvidos não
escutam meu gozo, seu corrompido sentido de tato nunca sentirá minha
divindade. Todavia, como sou misericordioso, se alguém quiser tocar sua
alma, mesmo que seja impura, e examiná-la para ver se há alguma contrição
ou algum bem em sua vontade, se alguém quiser introduzir em sua mente um
bisturi afiado e aquecido, ou seja, o temor do meu severo juízo, ainda
poderia esta alma obter minha graça sempre e quando ela consentir. Se não
houvesse contrição nem caridade nela, ainda poderia haver alguma
esperança no caso de que alguém a perfurasse com uma aguda correção e a
castigasse fortemente, porque, enquanto a alma vive no corpo, minha
misericórdia está aberta a todos.
Dá-te conta de que Eu morri por amor e ninguém me responde com amor e sim
se apoderam do que, por justiça, é meu. Seria justo que a pessoa
melhorasse sua vida em proporção ao esforço que custou redimi-la.
Entretanto, agora, as pessoas querem viver o pior, em proporção à dor que
sofri redimindo-as. Quanto mais lhes mostro a abominação de seu pecado,
mais ousadamente se lançam a pecar. Olha, pois, e considera que, não sem
motivo, fico irado, porque eles mudaram minha misericórdia em ira. Redimi
todos do pecado e eles se enredam cada vez mais no pecado. Por isso,
esposa minha, dá-me o que estás obrigada a dar-me, ou seja, mantém tua
alma limpa para mim porque eu morri por ela, para que tu pudesses
manter-te pura para mim”.
A amável pergunta da Mãe à Esposa, a humilde resposta da esposa à Mãe, a
útil réplica da Mãe à Esposa e sobre o progresso das pessoas boas entre
os malvados.
Livro 1 - Capítulo 22
A Mãe falou a à esposa de seu Filho dizendo-lhe: “Tu és a esposa de meu
Filho. Diga-me, no que estás pensando e o que desejas?” A esposa
respondeu: “Senhora minha, tu o sabes, porque sabes tudo”. A Virgem
Bendita acrescentou: “Mesmo que eu saiba tudo, gostaria que me dissesses
na presença dessas pessoas que te escutam”. A esposa disse: “Senhora
minha, temo duas coisas. Primeiro – disse – temo não lamentar-me nem
emendar-me por meus pecados tanto quanto desejaria. Segundo, estou triste
porque teu Filho tem muitos inimigos”.
A Virgem Maria respondeu: “Dar-te-ei três remédios para a primeira
preocupação. Em primeiro lugar, pensa em como todos os seres que têm
alma, como as rãs ou qualquer outro animal, de vez em quando têm
problemas, mesmo que suas almas não sejam eternas, e que morrem com seus
corpos. Entretanto, teu espírito e toda a alma humana vive para sempre.
Segundo, pense na misericórdia de Deus, porque não há ninguém que, por
mais pecados que tenha, não seja perdoado se tão somente rezar com
contrição e com a intenção de melhorar. Terceiro, pensa quanta glória
consegue a alma quando vive com Deus e em Deus eternamente.
Vou dar-te também três remédios para sua segunda preocupação, sobre os
muitos inimigos de Deus. Primeiro, considera que teu Deus e Criador, e o
deles, é Juiz sobre eles, e que eles nunca mais irão criticá-lo
novamente, mesmo porque tolerou pacientemente sua maldade durante um
tempo. Segundo, recorda que eles são os filhos da infâmia, e pensa no
duro e insuportável que será para eles arder eternamente. São servos tão
péssimos que ficarão sem herança, enquanto os bons filhos a receberão.
Mas talvez te perguntes: ‘Ninguém, então, há de pregar para eles?’ Claro
que sim! Recorda que muito frequentemente as boas pessoas se misturam com
os perversos e que os filhos adotivos, às vezes, se afastam dos bons como
o filho pródigo que procurou uma terra distante e levou uma vida de
perdição. Mas, às vezes, a pregação reverte sua consciência e eles voltam
ao Pai e eu os aceito como antes de pecar. É assim que se deve pregar
especialmente para eles porque, ainda que um pregador possa encontrar
somente gente perversa ao seu redor, deve pensar em seu interior: ‘Talvez
haja alguns entre eles que se tornarão filhos de meu Senhor. Por isso, pregarei
para eles. Esse pregador será muito premiado’.
Em terceiro lugar, considera que aos malvados se lhes permite continuar
vivendo como prova para os maus para que eles, exasperados pelos hábitos
dos perversos, possam conseguir sua remuneração como fruto de sua
paciência. Isto poderás entender melhor por meio de um exemplo. Uma rosa
desprende um agradável aroma, é bela de se ver e suave para o tato, mas
cresce entre espinhos que espetam se os tocar, são feios de se ver e não
desprendem nenhum bom odor. Igualmente, as pessoas boas e retas, mesmo
que possam ser agradáveis por sua paciência, belas por seu caráter e
suaves por seu bom exemplo, no entanto não podem progredir, nem ser
postas à prova a menos que estejam entre os malvados. O espinho é, às
vezes, a proteção da rosa, de forma que ninguém a arranque em plena
floração. Assim também, os malvados oferecem aos bons a ocasião de não
segui-los no pecado quando, devido à maldade dos outros, os justos se
controlam ante a ruína a que os poderia levar uma imoderada alegria ou
qualquer outro pecado. O vinho não mantém sua qualidade exceto entre
excrementos e tampouco as pessoas boas e justas podem manter-se firmes e
avançar para a virtude sem ser postas à prova mediante tribulações e
sendo perseguidas pelos injustos. Por isso, suporta com alegria os
inimigos de meu Filho. Recorda que Ele é o Juiz e, se a justiça exigir
que Ele os destrua por completo, acabaria com eles em um instante.
Tolera-os, pois, tanto como Ele os tolera!”
Palavras de Cristo à sua esposa descrevendo um homem que não é sincero,
mas sim inimigo de Deus e especialmente sobre sua hipocrisia e suas
características.
Livro 1 - Capítulo 23
As pessoas o veem como um homem bem vestido, forte e digno, ativo na
batalha do Senhor. Entretanto, quando tira a casca, é repugnante de se
olhar e inútil para qualquer trabalho. Seu cérebro aparece nu, tem as
orelhas na frente e os olhos na parte traseira de sua cabeça. Seu nariz
está cortado. Suas bochechas estão fundas como as de um homem morto. Em
seu lado direito, sua “maçã do rosto” e a metade de seus lábios caíram
por completo, ou seja, não há nada na direita exceto sua garganta
descoberta. Seu peito está infestado de vermes; seus braços são como um
par de serpentes.
Um maligno escorpião senta-se em seu coração; suas costas parecem carvão
queimado. Seus intestinos fedem podre como carne cheia de pus, seus pés
estão mortos e são inúteis para caminhar. Agora te direi o que tudo isso
significa. Por fora, é um tipo de homem que parece ornado de bons hábitos
e de sabedoria, ativo no meu serviço, mas não é assim realmente. Porque
se tiramos a casca de sua cabeça, ou seja, se a gente o visse como é,
seria o homem mais feio de todos. Seu cérebro está tão nu, que a vaidade
e a frivolidade de suas maneiras são sinais suficientemente evidentes
para os homens bons, de que é indigno de tanta honra.
Se conhecesse minha sabedoria, perceberia que quanto mais se eleva em sua
honra sobre os demais, ele deveria, muito mais que os outros, cobrir-se
de austeras maneiras. Suas orelhas estão em sua frente porque, em lugar
da humildade, que deveria ter por sua alta categoria e que deveria deixar
brilhar para outros, ele somente quer receber bajulação e glória. Em seu
lugar, ele põe orgulho e é por isso que quer que todos o chamem de grande
e bom. Tem olhos na nuca porque todo seu pensamento está no presente e
não na eternidade. Ele pensa em como agradar os homens e sobre o que se
requer para as necessidades do corpo, mas não em como agradar-me nem no
que é bom para as almas. Seu nariz está cortado, tanto que perdeu a
discrição mediante a qual poderia distinguir entre pecado e virtude,
entre a glória temporal e eterna, entre as riquezas mundanas e eternas,
entre os prazeres breves e os eternos. Suas bochechas estão afundadas, ou
seja, todo seu sentido de vergonha em minha presença, junto com a beleza
das virtudes pelas quais poderia agradar-me, estão mortos por completo ao
menos no que me diz respeito. Tem medo de pecar por medo da vergonha
humana, mas não por medo de mim. Parte de sua “maçã do rosto” e lábios
sumiram, ficando sem nada a não ser a garganta, porque a imitação de meus
trabalhos e a pregação de minhas palavras, junto com a oração sentida
desde o coração, desapareceram nele, por isso nada ficou, salvo sua
garganta glutona. Mas ele encontra, na imitação do depravado e no
envolver-se em assuntos mundanos, algo, a uma só vez, saudável e
atrativo.
Seu peito está cheio de vermes porque nele, onde deveria estar a
recordação de minha Paixão e a memória de minhas obras e mandamentos,
somente há preocupação pelos assuntos temporais e desejos mundanos. Os
vermes corroeram sua consciência de forma que já não pensa em coisas
espirituais. Em seu coração, onde eu gostaria de morar e onde deveria
residir meu amor, reside um maligno escorpião de cauda venenosa e feição
insinuante.
Por isso que de sua boca saem palavras sedutoras e aparentemente
sensíveis, mas seu coração está cheio de injustiça e falsidade, porque
não lhe importa se a Igreja que representa se destrói enquanto ele pode
seguir adiante com sua vontade egoísta. Seus braços são como serpentes
porque, em sua perversidade, alcançam os simples e os atraem para si com
simplicidade, mas quando se acomodam a seus propósitos, os dispensa como
a pobres desgraçados. Como uma serpente, se enrosca sobre si escondendo
sua malícia e iniquidade, de tal forma que dificilmente se pode detectar
seu artifício. A meus olhos, ele é como uma vil serpente, porque como a
serpente é mais odiosa que qualquer outro animal, ele é também para mim o
mais infame de todos na medida em que reduz a nada minha justiça e me
considera como alguém relutante em infligir castigos.
Suas costas são como o carvão negro, ainda que devesse ser como o marfim,
pois suas obras deveriam ser mais corajosas e puras que as dos outros,
para apoiar os fracos com sua paciência e exemplo de vida reta.
Entretanto, é como carvão porque, ele também é fraco para pronunciar uma
só palavra que me glorifique, a menos que o beneficie. Ainda assim, se
crê valente com respeito ao mundo. Em consequência, ainda que ele creia
que se mantém reto, cairá na mesma medida de sua deformidade como o
carvão privado de vida, diante de mim e dos meus santos. Seus intestinos
estão fétidos porque, diante de mim, seus pensamentos e afetos fedem à
carne podre, cujo fedor ninguém pode suportar. Nenhum dos santos o pode
suportar. Ao contrário, todos afastam seu rosto dele e exigem que se lhe
apliquem uma sentença. Seus pés estão mortos porque seus dois pés são
suas duas disposições em relação a mim, ou seja, o desejo de emenda por
seus pecados e o desejo de fazer o bem. Entretanto, esses pés estão
mortos nele porque a essência do amor se consumiu nele e não lhe fica
nada mais do que os ossos endurecidos. É nesta condição que está diante
de mim. Entretanto, enquanto sua alma permanecer em seu corpo poderá
obter minha misericórdia.
EXPLICAÇÃO
São Lourenço apareceu dizendo: “Quando estive no mundo, tinha três
coisas: continência comigo mesmo, misericórdia com meu próximo e caridade
com Deus. Por isso, preguei a palavra de Deus zelosamente, distribuí os
bens da Igreja com prudência, e suportei açoites, fogo e morte com
alegria. Mas este bispo resiste e camufla a incontinência do clero, gasta
livremente os bens da Igreja com os ricos e mostra caridade para consigo
e para o que é seu. Portanto, declaro para ele que uma nuvem luminosa
subiu ao Céu, sombreada por chamas escuras, de tal forma que muitos não a
podem ver. Esta nuvem é a intercessão da Mãe de Deus para a Igreja. As
chamas da avareza e da falta de piedade e de justiça a escurecem de tal
maneira que a amável misericórdia da Mãe de Deus não pode entrar nos
corações dos oprimidos. Por isso, que o arcebispo volte rapidamente à
caridade divina corrigindo-se, aconselhando seus subordinados por
palavras e por obra, e animando-os a melhorar. Se não o fizer, sentirá a
mão do Juiz, e sua Igreja diocesana será purgada a fogo e espada e
afligida pela rapina e a tribulação, e passará muito tempo sem que
ninguém a possa consolar”.
Palavras de Deus Pai à Corte Celeste, e a resposta do Filho, e, a Mãe ao
Pai, solicitando graças para sua Filha, a Igreja.
Livro 1 - Capítulo 24
Falou o Pai enquanto atendia toda a Corte Celeste e disse: “Ante vós
exponho minha queixa porque desposei minha Filha com um homem que a atormenta
terrivelmente, atou seus pés a uma estaca de madeira e toda a sua
essência se esvai”. O Filho lhe respondeu: “Pai, eu a redimi com meu
sangue e a aceitei por Esposa, mas agora ela me foi arrebatada à força”.
Então, a Mãe falou: “És meu Deus e Senhor. Meu corpo carregou os membros
de teu bendito Filho, que é verdadeiro Filho teu e é verdadeiro Filho
meu. Não lhe neguei nada na terra. Por minhas súplicas, tenha
misericórdia de tua Filha!”Depois disso, falaram os Anjos dizendo: “Tu és
nosso Senhor. Em ti possuímos todo o bem e não necessitamos nada mais que
tu. Quando tua esposa saiu de ti, todos nos alegramos, mas agora temos
razões para estarmos tristes, porque foi jogada nas mãos do pior dos
homens, que a ofende com todo o tipo de insultos e abusos. “Por isso,
tende piedade dela por tua grande misericórdia, pois se encontra em uma
extrema miséria, e não há ninguém que possa consolá-la nem libertá-la
exceto tu, Senhor, Deus todo poderoso”. Então, o Pai respondeu ao Filho
dizendo: “Filho, tua angústia é a minha, tua palavra é a minha e tuas
obras são as minhas. Tu estás em mim e eu estou em ti, inseparavelmente.
Faça-se tua vontade!” Depois, disse à Mãe do Filho: “Por não haver-me
negado nada na terra, também não te negarei nada no Céu. Teu desejo deve
ser satisfeito”. Aos anjos disse: “Sois meus amigos e a chama de vosso
amor arde em meu coração. Por vossas orações, terei misericórdia de minha
filha”.
Palavras do Criador à esposa sobre como sua justiça mantém os malvados na
existência por uma tríplice razão.
Livro 1 - Capítulo 25
Eu sou o Criador do Céu e da Terra. Perguntavas-te, esposa minha, porque
sou tão paciente com os malvados. Isso se deve ao fato de que sou
misericordioso. Minha justiça os aguenta e minha misericórdia os mantêm
por uma tríplice razão. Em primeiro lugar, minha justiça os aguenta de
forma que seu tempo se complete até o final. Poderias perguntar a um rei
justo porque tem alguns prisioneiros aos quais não condena à morte e sua
resposta seria: ‘Porque ainda não chegou o tempo da assembleia geral da
corte na qual possam ser ouvidos e onde, aqueles que os ouvem, podem
tomar maior consciência’. De forma parecida, eu tolero os malvados até
que chegue seu tempo, de maneira que sua maldade possa ser conhecida por
outros também. Já não previ a condenação de Saul muito antes que se desse
a conhecer aos homens? O tolerei durante longo tempo para que sua maldade
pudesse ser mostrada a outros. A segunda razão é que os malvados fazem
alguns bons trabalhos pelos quais hão de ser compensados até o último
centavo. Desta forma, nem o mínimo bem que tenham feito por mim ficará
sem recompensa e, consequentemente, receberão seu salário na terra. Em
terceiro lugar, os aguento para que se manifeste assim a glória e a
paciência de Deus. É por isso que tolerei Pilatos, Herodes e Judas,
apesar de que iam ser condenados. E se alguém perguntar por que tolero a
tal ou qual pessoa que se lembrem de Judas e Pilatos.
Minha misericórdia mantém os malvados também por uma tríplice razão.
Primeiro, porque meu amor é enorme e o castigo é eterno e muito grande.
Por isso, devido ao meu grande amor, os tolero até o último momento para
retardar seu castigo o mais possível na extensa prolongação do tempo. Em
segundo lugar, é para permitir que sua natureza seja consumida pelos
vícios, pois experimentariam uma morte temporal mais amarga se tivessem
uma constituição jovem. A juventude padece uma maior e mais amarga agonia
na hora da morte. Em terceiro lugar, pela melhora das boas pessoas e a
conversão de alguns dos maus. Quando as pessoas boas e retas são
atormentadas pelos perversos, isso beneficia os bons e justos, pois lhes
permite resistir ao pecado ou conseguir um maior mérito. Igualmente, os
maus, às vezes, tem um efeito positivo nas outras pessoas perversas.
Quando esses últimos refletem sobre a queda e maldade dos primeiros,
dizem a si mesmos: ‘De que nos serve seguir seus passos?’ E: ‘Se o Senhor
é tão paciente, será melhor que nos arrependamos’. Desta forma, às vezes
voltam a mim porque temem fazer o que fazem os outros e, além disso, sua
consciência lhes diz que não devem fazer esse tipo de coisas. Dizem que,
se uma pessoa foi picada por um escorpião, pode-se curá-la quando se a
unte com azeite no qual haja outro escorpião morto. De forma parecida, às
vezes uma pessoa malvada que vê a outra cair pode ver-se atingida pelo
remorso e curada, ao refletir sobre a maldade e vaidade do outro.
Palavras de louvor a Deus pela Corte Celeste; sobre como teriam nascido
as crianças se nossos primeiros pais não tivessem pecado; sobre como Deus
mostrou seus milagres através de Moisés e, depois, por si mesmo a nós com
sua própria vinda; sobre a perversão do matrimônio corporal nestes tempos
e sobre as condições do matrimônio espiritual.
Livro 1 - Capítulo 26
A Corte Celeste foi vista diante de Deus, e toda a Corte disse: “Louvado
e honrado sejas, Senhor Deus, que és e foste sem fim! Somos teus
servidores e te louvamos e honramos por uma tríplice razão. Primeiro,
porque nos criaste para nos regozijarmos contigo e nos deste uma luz
indescritível na qual nos regozijemos eternamente. Segundo, porque todas
as coisas são criadas e mantidas por tua bondade e constância, e todas as
coisas permanecem de acordo com tua vontade e se submetem à tua palavra.
Terceiro, porque criaste a humanidade e assumiste a natureza humana para
o bem dela; esse assumir a natureza humana é a razão da nossa grande
alegria, e também por vossa castíssima Mãe que foi digna de vos dar à luz
e a quem os Céus não podem conter nem limitar".
Então, vossa honra e benção estão acima de todas as coisas por causa da
dignidade dos anjos que exaltaste grandemente em honra. Que vossa
inesgotável eternidade e constância estejam sobre todas as coisas que são
e podem ser constantes! Possa vosso amor estar sobre toda a humanidade
que criastes! “Oh Senhor Deus, somente Vós sejais temido por vosso grande
poder, só Vós sejais desejado por vosso grande amor, só Vós sejais amado
por vossa constância! Toda honra e gloria sejam dadas a Vós para sempre.
Amém!”
Então nosso Senhor respondeu: “Vocês me honram merecidamente por toda
criação. Mas, digam-me, por que me louvam pela raça humana que me
provocou até à ira, mais do que qualquer outra criatura? Eu a fiz
superior e mais dignificada do que todas as criaturas abaixo do Céu, e
por nenhuma outra sofri tanta indignidade como pelos humanos e nenhuma
foi redimida por tão alto custo. Que criatura não se guia por sua ordem
natural, a não ser o homem? Ele me aflige com mais desgosto que qualquer
outra criatura. Da mesma forma que eu os criei, para que me louvassem e
glorificassem, fiz o homem para que me honrasse. Dei a ele um corpo como
templo espiritual e eu fiz e coloquei nele a alma como um belo Anjo, para
que a alma humana tenha poder e força como um anjo. Neste templo, Eu,
Deus e Criador da raça humana, desejei ser como o terceiro (companheiro)
para que ele se alegrasse e se deleitasse em mim. Então Eu lhe fiz, de
sua costela, um outro templo semelhante a ele”.
Agora, esposa minha, para quem todas as coisas foram ditas e mostradas,
tu podes perguntar como nasceriam filhos deles se não tivessem pecado? Eu
respondo-te: ‘Em verdade, pelo amor de Deus e mutua devoção e união da
carne dentro da qual ambos seriam internamente inflamados, o sangue do
amor teria semeado sua semente no corpo da mulher sem nenhuma luxúria
vergonhosa, e assim a mulher ficaria grávida. Uma vez concebida a criança
sem pecado e desejo luxurioso, Eu mandaria, de minha divindade, uma alma
à criança, e a mulher geraria assim a criança e a daria à luz sem dor.
Quando a criança nascesse, ela teria sido perfeita como Adão quando ele
foi criado. Mas essa honra foi desprezada pelo homem quando ele obedeceu
ao demônio e cobiçou uma maior glória do que eu havia dado a ele. Depois
que a desobediência foi realizada, meu Anjo veio a eles e eles se
envergonharam de sua nudez, e imediatamente experimentaram a
concupiscência e desejo da carne, sofreram fome e sede.
Então, também me perderam, porque quando eles me tinham, não sentiam
nenhuma fome, ou desejo carnal pecaminoso ou vergonha, mas somente Eu era
todo seu bem e prazer e perfeito deleite. Mas quando o demônio se alegrou
por sua perdição e queda, me movi de compaixão por eles e não os
abandonei mas lhes mostrei uma tríplice misericórdia. Assim os vesti
quando ficaram nus e lhes dei pão a partir da terra. E por causa da
luxuria que o demônio excitou neles após a desobediência, Eu dei e criei
almas por suas sementes através da minha divindade.
E todo o mal com que o demônio os tentou, transformei inteiramente em bem
para eles. Desde então, Eu lhes mostrei como viver e me honrar. E Eu lhes
dei permissão para terem relações, porque antes da minha permissão e a
manifestação da minha vontade eles ficaram chocados de medo e temerosos
de unir-se e ter relações. Eu fui também movido de compaixão e os
confortei quando Abel foi morto e estiveram de luto por um longo tempo
mantendo abstinência. E quando eles entenderam minha vontade , começaram
de novo a ter relações e a ter filhos, de cuja família Eu, seu Criador,
prometi que nascessem. Quando a maldade dos filhos de Adão cresceu, Eu
mostrei minha justiça ao pecador e a misericórdia a meu eleito; desses Eu
me agradei tanto que os preservei da destruição e os criei, porque eles
mantiveram meus mandamentos e acreditaram nas minhas promessas.
Quando chegou o tempo da misericórdia, Eu mostrei meus poderosos milagres
e obras através de Moisés e salvei meu povo, de acordo com minha
promessa. Alimentei-os com o maná e caminhei à frente deles em uma coluna
de nuvem e fogo. Eu lhes dei minha Lei e lhes revelei meus segredos e o
futuro através de meus profetas. Desde então, Eu, o Criador de todas as
coisas, escolhi para mim uma virgem nascida de um pai e uma mãe, e dela,
assumi a natureza humana e aceitei nascer dela sem pecado. Do mesmo modo
que a primeira criança teria nascido no paraíso através do divino amor e
no amor mútuo de seu pai e de sua mãe, e com afeto, sem nenhuma luxúria
vergonhosa, minha divindade tomou a natureza humana de uma virgem, sem
nenhuma vergonhosa luxuria e sem dano a sua virgindade.
Eu vim na carne como verdadeiro Deus e homem, e cumpri a Lei e todas as
escrituras, tal como antes havia sido profetizado sobre mim, e Eu iniciei
a Nova Lei, porque a Antiga Lei era estreita e difícil de cumprir e não
foi mais que uma figura das coisas futuras que viriam. Na antiga Lei
havia sido permitido a um homem ter várias mulheres, de forma que o povo
não fosse deixado sem descendência ou tivessem que se casar com os
gentios. Mas na minha Nova Lei, é permitido a um homem ter uma mulher, e é
proibido a ele, durante seu tempo de vida ter varias mulheres. Aqueles
que se unem com amor e temor divinos, para o bem da procriação e para
criar filhos para a honra de Deus, são meu templo espiritual onde eu
desejo morar como o terceiro com eles.
Mas as pessoas nestes tempos se unem em matrimônio por sete razões.
Primeiro, pela beleza facial; segundo, pela riqueza; terceiro, pelo
prazer grosseiro e gozo indecente que conseguem no desejo sexual impuro;
quarto, pelas festas com amigos e glutonaria descontrolada; quinto, por
causa da vaidade no vestir,e comer, na brincadeira, entretenimento e
jogos e em outras futilidades; sexto, pelo bem procriar filhos mas não
criá-los para a honra de Deus ou boas obras, mas para bens materiais e
honra; sétimo, se unem pela luxúria e eles são como bestas grosseiras em
seus desejos luxuriosos.
Eles vêm às portas da minha Igreja em comum acordo e, consentimento, mas
seus desejos e pensamentos são completamente contra mim. Eles preferem
sua própria vontade, que visa agradar o mundo, ao invés da minha vontade.
Se todos os seus pensamentos e vontades fossem dirigidos a mim, e eles
colocassem sua vontade em minhas mãos e se casassem em meu temor, então
eu lhes daria o meu consentimento e seria como o terceiro com eles. Mas,
agora meu consentimento, que seria a coisa mais preciosa para eles, não
lhes foi dado, porque têm mais luxúria em seu coração do que amor por
mim. Desde então, eles sobem ao meu altar onde ouvem que devem ser um só
coração e alma, mas meu coração se aparta deles porque não possuem o
calor de meu coração e não conhecem o sabor de meu corpo.
Eles buscam o calor e prazer sexual que perecem e amam a carne que será
comida pelos vermes . Assim, estas pessoas se unem em matrimônio sem o
laço e união de Deus Pai, sem o amor do Filho e sem o consolo do Espírito
Santo. Quando o casal vai para a cama, meu Espírito o abandona
imediatamente e o espírito de impureza se aproxima em seu lugar porque
eles se unem somente pelo prazer e não conversam entre si. Mas, minha
misericórdia ainda estará com eles desde que se convertam a mim. Devido
ao meu grande amor, Eu coloco uma alma vivente criada por meu poder na
semente deles. Às vezes, permito que os maus pais tenham bons filhos, mas
é mais frequente que nasçam maus filhos de maus pais, pois estes filhos
imitam as más ações e injustiças de seus pais tanto quanto podem e os
imitariam ainda mais se minha paciência permitisse. Um casal assim, nunca
verá meu rosto, a menos que se arrependa, porque não há pecado tão pesado
ou grave que não possa ser limpo pela penitência e o arrependimento.
Por essa razão, desejo voltar ao matrimônio espiritual, o tipo que é
apropriado para Deus ter com uma alma casta e corpo puro. Existem sete
coisas boas nele em oposição aos males mencionados acima. Primeiro, não
há desejo pela beleza da forma ou beleza corporal ou olhares voluptuosos
mas somente olhares e amor de Deus. Segundo, não há desejo de possuir
nada mais do que é necessário para sobreviver, e somente as necessidades
com nada em excesso. Terceiro, eles evitam as conversas vãs e frívolas.
Quarto, eles não se preocupam com ver amigos ou parentes, porque Eu sou o
seu amor e desejo. Quinto, eles desejam manter a humildade interiormente
em suas consciências e exteriormente no modo como se vestem. Sexto, eles
nunca têm nenhuma vontade de conduzir-se pela luxúria. Sétimo, eles geram
filhos e filhas para seu Deus, por meio de seu bom comportamento e bom
exemplo e mediante o uso de palavras espirituais.
Eles preservam sua fé incorrupta quando permanecem fora das portas de
minha igreja onde me dão seu consentimento e Eu lhes dou o meu. Eles
sobem ao meu altar onde desfrutam do gozo espiritual de meu corpo e
sangue, em cujo deleite eles desejam ser um só coração, um só corpo e uma
só vontade comigo, e Eu, verdadeiro Deus e homem, todo poderoso no Céu e
na terra, serei como o terceiro com eles e preencherei seus corações. Os
esposos mundanos começam seu matrimonio em desejos luxuriosos como bestas
brutas, e mesmo pior que bestas brutas! Mas esses esposos espirituais
começam em amor e temor de Deus e não se preocupam em agradar ninguém a
não ser a mim. No casamento mundano o espírito do mal enche e incita ao
deleite carnal onde não há nada mais que podridão, mas esses de casamento
espiritual são cheios do meu Espírito e inflamados com o fogo do meu amor
que nunca lhes faltará.
Eu sou um Deus em três pessoas, e um em divindade com o Pai e o Santo
Espírito. Assim como é impossível para o Pai estar separado do Filho e o
Espírito Santo estar separado de ambos, e assim como é impossível o calor
estar separado do fogo, também é impossível para esses esposos
espirituais estarem separados de mim; Eu sou sempre como o terceiro com
eles. Meu corpo foi ferido uma vez e morreu em tormentos, mas ele nunca
mais será ferido nem morrerá. Da mesma forma, aqueles que são
incorporadas em mim com uma verdadeira fé e vontade perfeita, nunca
morrerão longe de mim; pois onde quer que fiquem, ou sentem ou caminhem,
estarei sempre com eles como seu terceiro.
Palavras da Mãe à esposa sobre três coisas em uma dança; sobre como esta
dança simboliza o mundo e sobre o sofrimento da Mãe na morte de Cristo.
Livro 1 - Capítulo 27
A Mãe de Deus falou à esposa: “Filha minha, quero que saibas que onde há
dança há três coisas: alegria vazia, vozes confusas e trabalhos sem
sentido. Se alguém entra na dança angustiado e triste, então seu amigo
que se encontra em pleno desfrute da dança, mas que vê seu amigo entrando
triste e melancólico, deixa imediatamente sua diversão, abandona a dança e
se compadece de seu amigo angustiado". Esta dança é o mundo, que
sempre se encontra tomado por uma ansiedade vazia que lhes parece gozo,
mas é uma alegria vazia. Neste mundo há três coisas: alegria vazia,
palavreado frívolo e trabalho sem sentido, porque um homem há de deixar
para trás tudo aquilo em que trabalhou. Quem, na plenitude desta dança
mundana, vai considerar minhas fadigas e angústias e vai se compadecer
comigo – que abandone todo gozo mundano – e vá apartar-se do mundo!
Quando meu Filho morreu, eu era uma mulher com o coração transpassado por
cinco espadas. A primeira foi sua vergonhosa e afrontosa nudez. A segunda
espada foi a acusação contra Ele, pois lhe acusaram de traição, de
falsidade e de deslealdade. Ele, quem eu sabia que era justo e honesto e
que nunca ofendeu nem quis ofender a ninguém. A terceira espada foi sua
coroa de espinhos que perfurou sua sagrada cabeça tão selvagemente que o
sangue escorreu até sua boca, sua barba e seus ouvidos. A quarta espada
foi sua voz mortiça na cruz, com a qual gritou ao Pai dizendo: ‘Pai,
porque me abandonaste?’ Era como se dissesse: ‘Pai, ninguém se apieda de
mim, somente tu. A quinta lança que cortou meu coração foi sua amaríssima
morte.
Seu preciosíssimo sangue se derramava por tantas veias quantas espadas
transpassavam meu coração. As veias de suas mãos e pés perfurados e a dor
de seus nervos feridos chegavam sem misericórdia até seu coração e de seu
coração voltavam aos nervos. Seu coração era forte e vigoroso, por ser
dotado de uma boa constituição, isto fazia com que sua vida resistisse
lutando contra a morte e que sua amargura se prolongasse ainda mais no
ápice da sua dor. À medida que sua morte se aproximava e seu coração se
rompia diante de tanta e insuportável dor, de repente todo seu corpo se
convulsionou e sua cabeça, que estava para trás, pareceu erguer-se de uma
alguma maneira. Abriu levemente seus olhos semi-fechados e por vez abriu
sua boca de forma que pude ver sua língua ensanguentada. Seus dedos e
braços, que tinham estado muito contraídos, se esticaram. Nada mais houve
depois disso e, assim, entregou seu Espírito e sua cabeça caiu sobre seu
peito. Suas mãos escorregaram um pouco do lugar das feridas e seus pés
tiveram que suportar a maior parte do peso. Então, minhas mãos se
ressecaram, meus olhos se turvaram em escuridão e meu rosto ficou pálido
como a morte. Meus ouvidos não ouviam nada, meus lábios não podiam
articular palavra alguma, meus pés não me sustentavam e meu corpo caiu ao
solo. Quando me levantei e vi meu Filho com um aspecto pior que um
leproso, lhe entreguei toda minha vontade, sabendo que tudo havia
ocorrido segundo sua vontade e que nada disso teria sucedido se Ele não
tivesse permitido. Dei-lhe graças por tudo e certo júbilo se misturou com
minha tristeza porque vi que Ele, que nunca havia pecado, por seu
grandessíssimo amor, quis sofrer tudo pelos pecadores. Que estes que
estão no mundo contemplem o que passei quando morreu meu Filho e que
sempre o tenham em sua memória!”
Palavras do Senhor à esposa descrevendo como foi julgado um homem ante o
tribunal de Deus e sobre a terrível sentença ditada sobre ele por Deus e
por todos os Santos.
Livro 1 - Capítulo 28
A esposa viu que Deus estava enojado e que disse: “Eu sou sem princípio e
fim. Não há mudança em mim nem de anos nem de dias. Todo o tempo do mundo
é como uma só hora ou momento para mim. Todos aqueles que me veem,
contemplam e entendem tudo o que existe em mim em um instante.
Entretanto, esposa minha, ao estares em um corpo material, não podes
perceber nem conhecer como um espírito conhece. Por isso, para teu bem,
te explicarei o que sucedeu. Eu estava, por assim dizer, sentado no
tribunal para julgar, porque todo juízo me foi dado, e certa pessoa veio
a ser julgada ante o tribunal. A voz do Pai ressoou e lhe disse: ‘Mais te
valeria não ter nascido’. Não era porque Deus se tivesse arrependido de
criá-lo, e sim como qualquer um que sentisse preocupação por outra pessoa
e se compadecesse dela. A voz do Filho interveio: ‘Eu derramei meu sangue
por ti e aceitei uma duríssima penitência, mas tu te afastaste
completamente e isso já não tem nada a ver contigo’. A voz do Espírito
disse: ‘Eu busquei por todos os rincões do seu coração para ver se
poderia encontrar algo de ternura e caridade, mas és tão frio como o gelo
e tão duro como uma pedra. Este homem não me diz respeito.’ Estas três
vozes não se ouviram como se fossem três deuses, mas foram ditas audíveis
para ti, esposa minha, porque de outra forma não terias podido
compreender este mistério.”
As três vozes, do Pai, Filho e Espírito Santo, se transformaram
imediatamente em uma só voz que retumbou e disse: “De nenhuma maneira
merece o reino dos Céus!” A Mãe da misericórdia permaneceu em silêncio e
não moveu sua misericórdia, pois o defendido não era digno dela. Todos os
Santos clamaram a uma voz dizendo: “É justiça divina para ele o ser
perpetuamente exilado de seu Reino e de seu gozo”. Todos no purgatório
disseram: “Não temos uma penitência suficientemente dura para castigar
teus pecados. Terás que suportar maiores tormentos e, portanto, tens que
ser apartado de nós”. Então, o mesmo defendido exclamou com uma voz
horrenda: “Ai, ai da semente que fecundou no ventre de minha mãe e da
qual eu me formei!” Por segunda vez exclamou: “Maldita a hora em que
minha alma se uniu a meu corpo e maldito aquele que me deu um corpo e uma
alma!” Voltou a clamar uma terceira vez: “Maldita a hora em que sai do
ventre de minha mãe!” Então chegaram três vozes horríveis do inferno que
lhe diziam: “Vem conosco, alma maldita, como o líquido que se derrama até
a morte perpétua e vive sem fim!” Por segunda vez, as vozes voltaram a
chamá-lo: “Vem, alma maldita, vazia por sua maldade! Nenhum de nós
deixará de encher-te com seu próprio mal e dor!” Por terceira vez assim
juntaram: “Vem, alma maldita, pesada como uma pedra que se afunda e nunca
alcança o fundo onde descansar! Descerás mais baixo que nós e não pararás
até que não tenha chegado ao mais profundo do abismo”.
Então, o Senhor disse: “Como um homem com várias esposas, que vê cair uma
e se separa dela, se volta para as outras que permanecem firmes e se
alegra com elas, assim Eu separei dele meu rosto e minha misericórdia, e
me volto para os que me servem e me obedecem e me alegro com eles.
Portanto, agora que sabes de sua queda e desgraça, serve-me com maior
sinceridade do que ele, em proporção à maior misericórdia que te
dispenso! Aparta-te do mundo e de seus desejos! Por acaso eu aceitei tão
amarga Paixão pela glória do mundo; ou porque não podia consumá-la em
menos tempo e com mais facilidade? Claro que podia! Contudo, a justiça
exigia isso. Como a humanidade pecou em todos e cada um de seus membros,
tive que fazer cumprir a justiça em todos e cada um dos meus membros. Por
isso, Deus, em sua compaixão pela humanidade e em seu ardente amor para
com a Virgem, recebeu dela uma natureza humana através da qual pude
suportar todo o castigo ao qual estaria fadada a humanidade. Ao haver
tomado Eu sobre mim teu castigo, por amor, permanece firme na verdadeira
humildade, como os meus servos, assim, não terás nada de que
envergonhar-te nem nada que temer mais que a mim! Guarda tuas palavras de
tal forma que, se essa fosse minha vontade, tu não falarias. Não te
entristeças pelas coisas temporais que tão somente são passageiras. Eu
posso fazer, a quem eu quiser, rico ou pobre. Assim, pois, esposa minha,
deposita toda tua esperança em mim!”
EXPLICAÇÃO
Esse homem era um cônego de nobre reputação e subdiácono que, havendo
obtido uma falsa dispensa, quis casar-se com uma rica donzela. Contudo,
foi surpreendido por uma morte repentina e não conseguiu seu objetivo.
Palavras da Virgem à filha sobre duas senhoras, uma que se chamava
“soberba” e a outra “humildade”, simbolizando esta última a mais doce das
Virgens e sobre como a Virgem vem reunir-se com aqueles que a amam na
hora de sua morte.
Livro 1 - Capítulo 29
A Mãe de Deus se dirigiu à esposa de seu Filho dizendo-lhe: “Há duas
senhoras. Uma delas não tem um nome especial, mas não merece nome; a
outra é a humildade e se chama Maria. O demônio é o mestre da primeira
senhora porque tem domínio sobre ela. Um de seus cavaleiros disse a essa
dama: ‘Senhora minha, estou disposto a fazer o que puder por você, se
puder copular contigo ao menos uma vez. Sou poderoso, forte e tenho um
coração valente, não temo nada e estou até disposto a morrer por ti.’ Ela
lhe respondeu: ‘Servo meu, seu amor é grande. Mas, eu estou sentada em um
trono muito alto, e eu tenho somente este trono e há três portas entre
nós. A primeira porta é tão estreita que tudo que um homem está vestindo
sobre seu corpo enroscará e rasgará deixando um buraco. A segunda é tão
afiada que corta até as fibras nervosas. A terceira arde com um fogo tal
que ninguém escapa de seu ardor sem ficar derretido como o cobre.
Ademais, estou sentada tão alto que qualquer um que queira sentar-se
comigo – ao ter eu somente um trono – cairia nas grandes profundidades do
caos debaixo de mim’. O demônio lhe respondeu: ‘Darei minha vida por ti,
pois uma queda não representa nada para mim’.
Esta senhora é a soberba e qualquer um que quiser chegar a ela passará,
por três portas. Pela primeira porta entram aqueles, que dão tudo o que
têm para receber honras humanas por sua soberba, e se não têm nada, mudam
toda sua vontade em viver com orgulho e colher elogios. Pela segunda
porta entra a pessoa que dedica todo seu trabalho e tudo o que faz, todo
seu tempo, todos seus pensamentos e toda sua força para satisfazer sua
soberba. E ainda assim, se tiver que deixar que firam seu corpo para
conseguir honras e riquezas, o faria com gosto. Pela terceira porta entra
a pessoa que nunca se cala e nem se aquieta e sim arde como o fogo com o
pensamento de como conseguir alguma honra mundana ou posição de soberba.
Mas quando obtém o que deseja, não pode permanecer muito tempo no mesmo estado
e termina caindo miseravelmente. Apesar de tudo isso, a soberba ainda
permanece no mundo.
Eu sou– disse Maria – a mais humilde, estou sentada em um trono espaçoso,
sobre mim não há sol, nem lua, nem estrelas e nem sequer nuvens senão um
brilho inconcebível e uma calma maravilhosa da clara beleza da majestade
de Deus. Abaixo de mim não há nem terra nem pedra, somente um
incomparável descanso na bondade de Deus. Perto de mim não há nem
barreiras nem paredes, senão a gloriosa corte dos Anjos e das almas
santas. Ainda que, esteja sentada em um trono sublime, ouço meus amigos
que vivem na Terra, entregando-me diariamente seus suspiros e suas
lágrimas. Vejo suas lutas e sua eficácia, que é maior do que aqueles que
lutam por sua senhora, a soberba. Por isso, os visitarei e os reunirei
comigo em meu trono, porque este é espaçoso e há lugar para todos.
Entretanto, ainda não podem vir e sentar-se comigo porque há ainda dois
muros entre eles e eu, mediante os quais os conduzirei confiadamente para
que possam chegar até meu trono. O primeiro muro é o mundo e é estreito.
Assim, meus servos no mundo receberão consolação de minha parte. O
segundo muro é a morte. Por isso, eu, sua mais querida Senhora e Mãe,
comparecerei para unir-me com eles na morte de maneira que mesmo na morte
possam sentir meu refrigério e consolo. Reuni-los-ei comigo no trono do
gozo celestial de maneira que, na alegria sem fim, possam descansar
eternamente nos braços do amor perpétuo e da glória eterna”.
Amorosas palavras do Senhor à esposa sobre como se multiplica o número de
falsos cristãos até o ponto de estarem voltando a crucificar Cristo e
sobre como Ele ainda estaria disposto a aceitar a morte, uma vez mais,
pela salvação dos pecadores, se fosse possível.
Livro 1 - Capítulo 30
Eu sou Deus. Criei todas as coisas para o benefício da humanidade, para
que tudo lhe servisse e instruísse. Mas, os seres humanos abusam de tudo
que fiz para seu beneficio, até sua própria condenação. Deus não lhes
importa e o amam menos do que às coisas criadas. Os judeus prepararam
três tipos de castigo para mim em minha Paixão: primeiro, a madeira na
qual depois de ter sido açoitado e coroado de espinhos, fui pregado;
segundo, o ferro com o qual cravaram minhas mãos e meus pés; terceiro, o
fel que me deram para beber. Além disso, me lançaram blasfêmias como se
Eu fosse um tolo devido à morte que livremente suportei e me chamaram de
falso devido a meus ensinamentos. O número de pessoas assim tem se
multiplicado agora no mundo; há muito poucos que me consolam. Penduram-me
no madeiro por seu desejo de pecar, açoitam-me com sua impaciência, pois
ninguém suporta nem uma palavra por mim e coroam-me com os espinhos de
sua soberba que faz com que queiram chegar mais alto do que Eu. Cravam
minhas mãos e pés com o ferro de seus corações endurecidos, visto que se
gloriam em pecar e se endurecem tanto que não me temem. Pelo fel,
oferecem-me tribulações e, por haver sofrido minha Paixão com alegria, me
chamam de falso e vaidoso.
Sou suficientemente poderoso para arruiná-los e também o mundo inteiro se
quisesse, por causa de seus pecados. Todavia, se os arruinasse, os que
ficassem me serviriam por medo e isso não seria correto porque as pessoas
devem servir-me por amor. Se viesse pessoalmente e me misturasse com
eles, de uma forma visível, seus olhos não suportariam ver-me, nem seus
ouvidos escutar-me. Como poderia um ser mortal ver um outro imortal?
Ainda assim, voltaria a morrer pela humanidade se fosse possível”.
Então, apareceu a bendita Virgem Maria e seu Filho lhe perguntou: “Que
desejas, minha Mãe, minha eleita?” E ela disse: “Tenha misericórdia de
sua criação, meu Filho, por teu amor!” Ele replicou: “Serei
misericordioso uma vez mais, por ti”. Então, o Senhor falou à sua esposa,
dizendo-lhe: “Eu sou teu Deus, o Senhor dos Anjos. Sou Senhor da vida e
da morte. Eu mesmo desejo habitar em teu coração. Eu te amo tanto! Os
Céus, a Terra e tudo o que há nela não podem me conter, mas ainda assim
desejo habitar em teu coração que não é mais que um pedaço de carne. O
que hás de temer ou o que te há de faltar se tiveres dentro de ti Deus
todo poderoso em quem se encontra toda a bondade? Deve haver três coisas
em um coração para que me sirva de morada: uma cama em que possamos
descansar; um assento onde possamos nos sentar e uma lâmpada que nos dê
luz. Haja, pois, em teu coração uma cama para um sereno repouso onde
possas descansar dos baixos pensamentos e desejos do mundo! Lembra-te
sempre do gozo eterno! O assento há de ser tua intenção de permanecer
comigo, ainda que, às vezes, tenha que sair. Iria contra a natureza se
permanecesse continuamente em pé. A pessoa que está sempre de pé é a que
sempre deseja estar no mundo e nunca vem sentar-se comigo. A luz da
lâmpada há de ser a fé, mediante a qual crês que Eu posso fazer qualquer
coisa, que sou todo poderoso sobre todas as coisas”.
Sobre como a esposa viu a dulcíssima Virgem Maria adornada com uma coroa
e outros adornos de extraordinária beleza e sobre como São João Batista
explicou à esposa o significado da coroa e das demais coisas.
Livro 1 - Capítulo 31
A esposa viu a Rainha dos Céus, a Mãe de Deus, usando uma preciosa e
radiante coroa sobre sua cabeça, com seu cabelo extraordinariamente belo
e solto sobre seus ombros, uma túnica dourada com lampejos de um brilho
indescritível e um manto azul de um Céu claro e calmo. Estando a esposa
tomada de amor ante esta maravilhosa visão e mantendo-se em seu
encantamento como sobressaltada de gozo interior, apareceu-lhe o bendito
São João Batista e lhe disse: “Preste muita atenção ao que tudo isso
significa. A coroa representa que ela é a Rainha, Senhora e Mãe do Reino
dos Anjos. Seu cabelo solto indica que é uma virgem pura e imaculada. O
manto da cor do céu quer dizer que ela está morta a tudo o que é
temporal. A túnica dourada significa que ela esteve ardente e inflamada
no amor de Deus, tanto internamente como em seu exterior.
Seu Filho colocou sete lírios em sua coroa e, entre eles, sete pedras
preciosas. O primeiro lírio é sua humildade; o segundo, o temor; o
terceiro, a obediência; o quarto, a paciência; o quinto, a firmeza; o
sexto, a mansidão, pois ela amavelmente dá a todos o que lhe pedem; o
sétimo é sua misericórdia nas necessidades, pois, em qualquer
contrariedade em que se encontre um ser humano, se a invocar com todo seu
coração, será resgatado. Entre estes lírios resplandecentes, seu Filho
colocou sete pedras preciosas. A primeira é sua extraordinária virtude,
pois não existe virtude em nenhum outro espírito nem em nenhum outro
corpo que ela não possua com maior excelência. A segunda pedra preciosa é
sua perfeita pureza, pois a Rainha dos Céus é tão pura que nem uma só
mancha de pecado nunca foi encontrada nela desde o princípio quando veio
ao mundo pela primeira vez até o dia de sua morte. Todos os demônios
juntos não poderiam encontrar nela nem a mínima impureza que coubesse na
cabeça de um alfinete. Ela foi verdadeiramente pura, pois o Rei da Glória
não poderia ter estado senão na mais pura e limpa, no vaso mais seleto
entre os seres humanos. A terceira pedra preciosa foi sua beleza, para
que Deus seja constantemente louvado pela beleza de sua Mãe. Sua beleza
enche de gozo os Santos Anjos e todas as almas santas. A quarta pedra
preciosa da coroa da Virgem Mãe é sua sabedoria, pois ela foi agraciada
com toda a divina sabedoria em Deus e, graças a ela, toda sabedoria se
completa e se aperfeiçoa. A quinta pedra é o poder, pois ela é tão
poderosa diante de Deus que pode esmagar qualquer coisa que foi feita ou
criada. A sexta pedra preciosa é sua radiante claridade, pois ela resplandece
tão clara que projeta luz sobre os Anjos, cujos olhos brilham mais claros
que a luz e os demônios não se atrevem nem a olhar o brilho de sua
claridade. A sétima pedra preciosa é a plenitude de todo deleite e doçura
espiritual, porque sua plenitude é tal que não há gozo que nela não seja
incrementado, nem deleite que não se faça mais pleno e perfeito por ela e
pela bendita visão que alguém possa ter dela, pois está cheia e repleta
de graças, mais que todos os santos. Ela é o vaso puro onde descansa o
pão dos Anjos e é nele que se encontra toda doçura e beleza. Estas são as
sete pedras preciosas que seu Filho colocou entre os sete lírios de sua
coroa. Por isso, como esposa de seu Filho, dá-lhe honra e louvores com
todo teu coração, pois Ela é verdadeiramente digna de toda honra e
louvor!”
Sobre como, atrás do conselho de Deus, a esposa elege a pobreza para si e
renuncia às riquezas e desejos carnais; sobre a verdade das coisas
reveladas a ela e sobre três pessoas notáveis mostradas por Cristo.
Livro 1 - Capítulo 32
Tu serás como alguém que se desprende do mundo e, no tempo certo,
colherás. Tens que te desapegar das riquezas e colher virtudes, deixar
aquilo que passará e acumular bens eternos, abandonar as coisas visíveis
e se apossar do invisível. Ao contrário do prazer do corpo, dar-te-ei a
exultação de tua alma; ao contrário das alegrias do mundo, dar-te-ei as
do Céu; em vez da honra mundana, a honra dos anjos; em vez da presença da
família, a presença de Deus; em vez de possuir bens, dar-te-ei a mim
mesmo, doador e Criador de todas as coisas. Responda, por favor, às três
perguntas que formularei: Primeiro, diga-me se queres ser rica ou pobre
neste mundo”. Ela respondeu: “Senhor, prefiro ser pobre, pois as riquezas
me criam ansiedade e me distraem ao servi-lo”. Diga-me, em segundo lugar,
se encontraste algo repreensível para tua alma ou falso nas palavras que
ouves de minha boca”. E ela disse: “Não Senhor, tudo é razoável”.
Terceiro, diz-me se o prazer dos sentidos que tu experimentaste antes te
agrada mais que os gozos espirituais que agora tens. E ela respondeu: “Em
meu coração envergonho-me de pensar em meus deleites anteriores e agora
parecem veneno, mais amargos quanto era meu desejo por eles. Prefiro
morrer antes de voltar a eles; não se podem comparar com o deleite
espiritual”.
“Portanto, disse ele, se podes comprovar que todas as coisas que te disse
são certas, por que, então, tens medo ou estás preocupada com o fato de
eu atrasar tudo o que já disse que se fará? Tome em conta os Profetas,
considere os Apóstolos e os Santos Doutores da Igreja! Eles descobriram
algo em mim que não foi a verdade? É por isso que, para eles, não
importaram nem o mundo nem seus desejos. Ou, por que crês que os profetas
predisseram acontecimentos futuros com tanta antecipação se não foi pela
vontade de Deus que eles dessem a conhecer as palavras antes dos fatos
para que os ignorantes fossem instruídos na fé? Todos os mistérios de
minha encarnação foram revelados com antecedência aos Profetas, inclusive
a estrela que guiou os Magos. Eles creram nas palavras do Profeta e
mereceram ver aquilo que haviam crido e lhes dei certeza no momento em
que viram a estrela. Da mesma forma agora, minhas palavras deverão ser
anunciadas, depois verão os fatos e se crerá neles com maior evidência.
Mostrar-te-ei três pessoas. Primeiro, um homem cuja consciência está
manchada com um pecado manifesto e, demonstrado por sinais evidentes. Por
quê? Não poderia tê-lo destruído pessoalmente? Não poderia tê-lo
expulsado para o abismo em um segundo se eu, assim o quisesse? Claro que
sim. Mas o suporto ainda para a instrução dos outros e em prova de minhas
palavras, mostrando como sou justo e paciente e quão infeliz é esse homem
que é governado pelo demônio.
O poder do demônio sobre ele aumentou por sua intenção de permanecer no
pecado e por seu prazer nele, com o resultado de que nem minhas palavras
amáveis nem as duras ameaças ou o medo da Gehenna (do inferno) podem
recuperá-lo. E, também, em justiça, porque ele teve uma constante intenção
de pecar, ainda que não o colocasse em prática, por isso, merece ser
enviado ao demônio por toda a eternidade. O mínimo pecado é suficiente
para condenar a quem se deleita nele e não se arrepende.
Mostrar-te-ei agora os outros dois. O demônio atormentou o corpo de um
deles, mas não chegou a entrar em sua alma. Escureceu sua consciência
mediante suas maquinações, mas não pôde entrar em sua alma nem adquirir
poder sobre ele. Tu podes perguntar: ‘Acaso não é a consciência o mesmo
que a alma? Não está ele na alma quando está na consciência?’ Por certo
que não. O corpo possui dois olhos para ver, mas, mesmo perdendo o poder
da vista, o corpo pode manter-se são. Acontece o mesmo com a alma. Ainda
que o intelecto e a consciência, às vezes, se perturbem na confusão como
meio de penitência, ainda assim, a alma nem sempre fica manchada de
maneira que incorra na culpa. Assim, pois, o demônio dominou a
consciência de um homem, mas não sua alma.
Mostrar-te-ei ainda um terceiro homem cujo corpo e alma estão completamente
sujeitos ao demônio. A menos que o coaja com meu poder e graça especiais,
nunca poderá ser expulso nem sair dele. O demônio sai de algumas pessoas
por vontade e disposição próprias, mas de outras sai tão somente pela
resistência e sob coação. Entretanto entra em algumas pessoas, devido ao
pecado de seus pais ou por algum desígnio oculto de Deus – como, por
exemplo, em crianças ou naqueles que carecem de inteligência – em outros
entra por sua infidelidade e pelo pecado alheio.
Desses últimos, o demônio sai voluntariamente quando é expulso por
pessoas que conhecem exorcismo ou a arte de expulsar demônios, sempre que
o façam sem vã glória ou por algum tipo de benefício temporal, pois o
demônio tem poder para entrar naquele que o expulsa ou para voltar de
novo para a mesma pessoa da qual tenha sido expulso, se não houver amor
de Deus em nenhum deles. Nunca sai do corpo ou da alma daqueles que os
possuem completamente, exceto mediante meu poder.
Como o vinagre que, quando se mistura com o vinho doce, infecta a doçura
do vinho e já não pode mais ser separado dele, igualmente o demônio não
sai da alma de ninguém a quem possua, exceto mediante meu poder. Quem é
este vinho senão a alma humana, que foi mais doce para mim que nenhum
outro ser criado, e tão querida por mim que inclusive deixei que minha
carne fosse cortada e meu corpo machucado até as costelas por sua
salvação? Antes que perdê-la, aceitei morrer por ela.
Este vinho foi conservado entre resíduos, da mesma forma que coloquei a
alma em um corpo, onde foi guardada por minha vontade, como em uma urna
selada. Todavia, o pior vinagre se misturou com este vinho doce, me
refiro ao demônio, cuja maldade é mais azeda e abominável para mim que o
vinagre. Por meu poder, este vinagre será eliminado da pessoa cujo nome
te direi, de maneira que Eu possa revelar assim minha misericórdia e
sabedoria através dele, mas mostrarei meu juízo e minha justiça através
do homem anterior.
EXPLICAÇÃO
O primeiro homem foi um nobre e soberbo cantor, que foi a Jerusalém sem a
permissão do Papa e foi atacado pelo demônio. (Fala-se também algo deste
endemoniado no Livro III, revelação 31 e no Livro IV, revelação 115). O
segundo endemoniado foi um monge cisterciense. O demônio o atormentou
tanto que podia apenas ser dominado por quatro homens. Sua língua
aumentada assemelhava-se a de uma vaca. Os grilhões de suas mãos foram
feitos em pedaços de forma invisível. Este homem foi salvo pelas palavras
do Espírito Santo através da Senhora Brígida ao cabo de um mês e dois
dias. O terceiro endemoniado era um político de Östergötland (Suécia).
Quando se lhe recomendou que fizesse penitência, disse a quem o
aconselhou: “Não pode o dono de uma casa sentar-se onde quiser? Se o
demônio possui meu coração e minha língua como posso fazer penitência?”
Maldizendo os Santos de Deus, morreu naquela mesma noite sem os
sacramentos ou confissão.
Advertências do Senhor à esposa em relação com a verdadeira e falsa
sabedoria e sobre como os bons anjos assistem aos bons aprendizes,
enquanto que os demônios assistem aos maus aprendizes.
Livro 1 - Capítulo 33
Alguns dos meus amigos são como estudantes com três características: uma
inteligência para discernir, maior do que é natural ao cérebro; segunda,
uma sabedoria sem ajuda humana, tanta quanto eu lhes ensino
interiormente; terceira, estão sempre cheios de doçura e amor divino com
os quais derrotam o demônio. Mas hoje em dia, as pessoas abordam seus
estudos de outra maneira. Primeiro, buscam o conhecimento com arrogância
para serem considerados bons alunos. Segundo, buscam o conhecimento para
manter e obter riquezas. Terceiro, buscam o conhecimento para alcançar
honras e privilégios. Por isso, quando comparecem em suas escolas e
entram ali, apartar-me-ei deles, pois estudam por orgulho mesmo Eu lhes ensinando
a humildade.
Entram por cobiça, quando Eu não tive nem onde repousar a cabeça. Entram
para obter privilégios, invejosos de que outros estejam situados em
lugares mais altos do que eles, enquanto que Eu fui sentenciado por
Pilatos e enganado por Herodes. É por isso que os abandono, porque não
estudam meus ensinamentos. Todavia, como sou bondoso e amável, dou a cada
um o que pedem. Se me pedem pão, dou-lhes pão e se me pedem palha
dou-lhes palha.
Meus amigos pedem pão, porque buscam e estudam a divina sabedoria, onde
se pode encontrar meu amor. Outros, ao contrário, pedem palha, ou seja,
sabedoria mundana. Como a palha, não serve para nada e é o alimento dos
animais irracionais, da mesma forma, não há nenhum uso na sabedoria do
mundo que sirva de alimento para a alma. Não há nada mais que uma pequena
reputação e esforço sem sentido, pois quando um homem morre, todo seu
conhecimento se apaga da existência e aquilo que empregaram para se
exaltarem já não o podem ver. Eu sou um grande Senhor com muitos servos
que, por meio de seu Senhor, distribuem às pessoas o que necessitam.
Desta forma, os anjos bons e os maus permanecem debaixo de minha
autoridade. Os anjos bons ajudam as pessoas que estudam meu conhecimento,
ou seja, aqueles que me servem, nutrindo-os de consolações e do proveito
de seu trabalho. Os anjos maus assistem os sábios do mundo. Inspiram-lhes
o que eles querem e os formam segundo seus desejos, inspirando-lhes
especulações junto com grande quantidade de trabalho. Ainda assim, se
voltam seus olhos para mim, poderia dar-lhes o pão que não tiveram por
seu esforço e bastante do mundo como para saciá-los do que nunca se podem
saciar, pois eles mesmos convertem o doce em amargo.
Mas você, esposa minha, deve ser como um queijo e seu corpo como o molde,
no qual o queijo se molda até que fica na forma do molde. Desta forma,
sua alma, que é para mim tão deliciosa e saborosa como o queijo, deve ser
provada e purificada no corpo o tempo suficiente para que o corpo e a
alma se ponham de acordo e para que ambos mantenham a mesma forma de
continência, de maneira que a carne obedeça ao espírito e o espírito guie
a carne até a virtude.
Instruções de Cristo à esposa sobre a forma de viver. Também sobre como o
demônio admite diante de Cristo que a esposa ama a Cristo sobre todas as
coisas; sobre a pergunta que o demônio fez a Cristo do porque a ama tanto
e sobre a caridade que Cristo tem para com a esposa, e como descobre o
diabo.
Livro 1 - Capítulo 34
“Sou o Criador do Céu e da terra e nas entranhas da Virgem Maria fui
verdadeiro Deus e homem, que morri ressuscitei e subi aos Céus. Tu, minha
nova esposa, chegaste a um lugar desconhecido e, por isso, tens de
aprender quatro coisas: Primeira, o idioma do lugar; segunda, como te
vestir adequadamente; terceira como organizar teus dias e teu tempo
segundo os hábitos do lugar; quarta; acostumar-te a uma nova alimentação.
Como vieste da instabilidade do mundo para a estabilidade, deves aprender
um novo idioma, ou seja, como abster-te de palavras inúteis e ainda das
mais legítimas, devido à importância do silêncio e da quietude.
Deves vestir-te de humildade interior e exterior, de forma que, nem te
exaltes interiormente por crer-te mais santa do que outros, nem
exteriormente te sintas envergonhada de atuar publicamente com humildade.
Terceiro, teu tempo deve ser regulado de maneira que, da mesma forma que
frequentemente costumavas dedicar tempo às necessidades do corpo, agora
tenhas tempo para a alma e nunca queiras pecar contra mim. Quarto, sua
nova alimentação é a prudente abstinência da gula e dos manjares tanto
quanto possa suportar tua constituição natural. Os atos de abstinência
que excedem a capacidade da natureza não me agradam, pois Eu exijo
racionalidade e submissão dos desejos.”
Neste momento apareceu o demônio. O Senhor lhe disse: “Tu foste criado
por mim e viste em mim toda justiça. Diga-me se esta nova esposa é
legitimamente minha por direito demonstrado! Eu te permito que vejas e
entendas seu coração para que saiba como me contestar! Ama ela algo mais
que a mim ou me trocaria por algo?” O demônio lhe respondeu: “Ela não ama
nada como a ti. Antes que perder-te, se submeteria a qualquer tormento,
sempre que tu lhe deres a virtude da paciência. Vejo, como um veículo de
fogo, descendo de ti até ela, que amarra tanto seu coração a ti que ela
não pensa nem ama nada mais que a ti”.
Então, o Senhor disse ao demônio: “Dize-me o que sente teu coração e se
gostas do grande amor que sinto por ela”. O demônio respondeu: “Tenho
dois olhos, um corporal – mesmo que não sou corpóreo – por meio do qual
percebo as coisas temporais tão claramente que não há nada escondido nem
tão escuro que se possa esconder de mim. O segundo olho é espiritual, e
com ele vejo toda dor, mesmo que seja muito leve, e posso entender a que
pecado pertence. Não há pecado, por mais tênue e leve que seja, que eu
não possa ver, a menos que tenha sido purgado pela penitência. Apesar de
que não há órgãos mais sensíveis que os olhos, deixaria que duas tochas
ardentes penetrassem meus olhos em troca de que ela não visse com os
olhos do espírito. Também tenho dois ouvidos. Um deles é corporal, e
ninguém fala tão privadamente que eu não o possa ouvir e saber graças a
este ouvido. O segundo é o ouvido espiritual, e nem os pensamentos nem os
desejos de pecar se me podem ocultar, a menos que tenham sido apagados
com a penitência. Há certo castigo no inferno que é como uma torrente
fervendo que jorra de um terrível fogo. Eu o sofreria dentro e fora dos
meus ouvidos, sem cessar, em troca de ela deixar de ouvir com os ouvidos
de seu espírito. Também tenho um coração espiritual. Desejaria que o
cortassem interminavelmente em pedaços, e que se renovasse continuamente
para ser cortado de novo, se assim seu coração esfriasse em seu amor por
ti. Mas, agora, como és justo, quero fazer-te uma pergunta para que me a
respondas: Diga-me, por que a amas tanto e por que não elegeu alguém de
maior santidade, riqueza e beleza para ti?”
O Senhor respondeu: “Porque isto é o que a justiça demanda. Tu foste
criado por mim e viste em mim toda justiça. Agora que ela escuta,
diga-me, por que foi justo que tu caísses tão baixo e em que pensavas
quando caíste?” O demônio respondeu: “Eu vi três coisas em ti: Vi tua
glória e honra sobre todas as coisas e pensei em minha própria glória. Em
minha soberba, estava disposto não só a igualar-te, mas ser ainda mais
que ti. Segundo, vi que era o mais poderoso de todos e eu quis ser mais
poderoso do que ti. Terceiro, vi o que havia de ser no futuro, e como tua
glória e honra não tem nem princípio nem fim, invejei-te, e pensei que
com gosto seria torturado eternamente com todo o tipo de castigos, se
assim, te fizesse morrer. Com tais pensamentos caí e, assim, se criou o
inferno”.
O Senhor acrescentou: “Perguntaste-me por que amo tanto esta mulher.
Asseguro-te, é porque Eu transformo em bondade toda tua maldade. Ao te
tornares tão soberbo e não quererdes ter a mim, teu Criador, como a um
igual, humilhando-me de todas as maneiras, reúno os pecadores comigo e me
faço seu igual compartilhando minha glória com eles. Segundo, por este
desejo tão baixo de querer ser mais poderoso que Eu, faço os pecadores
mais poderosos que tu e compartilho com eles meu poder. Terceiro, pela
inveja que me tens, estou tão cheio de amor que me ofereço a todos. Agora,
pois, demônio – continuou o Senhor – teu coração de escuridão saiu da
luz. Diz-me, enquanto ela escuta, quanto a amo”. E o demônio disse: “Se
fosse possível, estarias disposto a sofrer em todos e cada um de teus
membros a mesma dor que sofreste na cruz em vez de perdê-la”. Então o
Senhor replicou: “Se sou tão misericordioso que não recuso perdoar a
ninguém que me peça humildemente, pede-me tu mesmo misericórdia e Eu a
darei”. O demônio lhe respondeu: “Isso não farei de nenhuma maneira! No
momento de minha queda foi estabelecido um castigo para cada pecado, para
cada pensamento ou palavra indigna. Cada um dos espíritos que caiu terá
seu castigo. Mas antes de dobrar meu joelho ante ti, buscaria todos os
castigos para mim enquanto minha boca possa abrir e fechar no castigo e o
renovaria eternamente para ser castigado de novo”. Então, o Senhor disse
à sua esposa: “Veja que endurecido está o príncipe do mundo e que
poderoso é contra minhas graças, a minha oculta justiça! Tenha certeza de
que poderia destruí-lo em um segundo por meio do meu poder, mas não lhe
faço mais dano assim como a um bom anjo do Céu. Quando chegar seu tempo,
e já está se aproximando, o julgarei e também a seus seguidores. Por
isso, esposa minha, persevera nas boas obras! Ama-me com todo teu coração!
Não temas a nada mais que a mim! Pois Eu sou o Senhor que está acima do
demônio e de tudo que existe”.
Palavras da Virgem à esposa, explicando sua dor na paixão de Cristo, e
sobre como o mundo foi vendido por Adão e Eva e recuperado mediante Cristo
e sua Mãe, a Virgem.
Livro 1 - Capítulo 35
Falou Maria: “Considera, filha, a Paixão de meu Filho. Senti como se os
membros de seu corpo e seu coração fossem os meus. Da mesma forma como as
outras crianças são normalmente geradas no útero de sua mãe, aconteceu em
mim. Todavia, Ele foi concebido pelo ardor do amor de Deus, enquanto que
outros são concebidos pela concupiscência da carne. Assim, seu primo João
disse corretamente: ‘O verbo se fez carne’. Ele veio e esteve em mim por
amor. O verbo e o amor o criaram em mim. Ele foi para mim como meu
próprio coração e, por isso, quando dei à luz, senti que a metade de meu
coração havia nascido e saído de mim. Quando Ele sofria, eu sentia como
se sofresse meu próprio coração. Quando algo está metade fora e metade
dentro, se a parte de fora está ferida, a parte de dentro sente uma dor
parecida. Da mesma maneira, quando meu Filho foi açoitado e ferido, era
como se meu próprio coração estivesse sendo açoitado e ferido. Eu era a
pessoa mais próxima a Ele em sua Paixão e nunca me separei dele. Estive
ao lado de sua cruz e, como quem está mais próximo da dor a sofre mais,
assim sua dor foi pior para mim que para os demais. Quando ele me olhou
da cruz e eu o olhei, minhas lágrimas brotaram de meus olhos como sangue
das veias. Quando Ele me viu assoberbada de dor, se sentiu tão angustiado
por minha dor que toda a dor de suas próprias feridas se atenuou ao ver a
dor em mim. Por isso, posso dizer que sua dor era minha dor e que seu
coração era meu coração. Da mesma forma como Adão e Eva venderam o mundo
por um simples fruto, podemos dizer que meu Filho e Eu recuperamos o
mundo com um só coração. Assim, Filha minha, pensa em como estava Eu
quando morreu meu Filho e, com isso, não será difícil para você renunciar
ao mundo”.
Resposta do Senhor a um Anjo que estava rezando, de que à esposa se
dariam padecimentos no corpo e na alma e sobre como às almas mais
perfeitas se dão maiores moléstias.
Livro 1 - Capítulo 36
O Senhor disse a um Anjo que rezava pela esposa de seu Senhor: “És como
um soldado do Senhor que nunca abandona seu posto por causa do tédio e
que nunca aparta seus olhos da batalha por medo. És tão firme como uma
montanha e ardes como uma chama. És tão limpo que não há mancha em ti.
Pedes-me que tenha misericórdia de minha esposa. Mesmo que conheças e
vejas tudo em mim, diga-me, enquanto ela escuta, que tipo de misericórdia
estás pedindo para ela? Em resumo, a misericórdia é tripla.
Existe a misericórdia, pela qual o corpo é castigado e a alma preservada,
como ocorreu com meu servo Jó, cuja carne foi sujeita a todo tipo de
dores, mas cuja alma se salvou. O segundo tipo de misericórdia é aquela
mediante a qual o corpo e a alma são preservados como foi o caso do rei
que viveu com todo tipo de luxos e não sentiu dores nem em seu corpo nem
em sua alma enquanto esteve no mundo. O terceiro tipo de misericórdia é a
que faz com que corpo e alma, sejam castigados resultando que ambos
experimentam angústias em seu corpo e dor em seu coração, como é o caso
de Pedro, Paulo e outros Santos.
Há três estados para os seres humanos no mundo. O primeiro estado é
daqueles que caem em pecado e se levantam de novo. Algumas vezes, permito
que estas pessoas experimentem angústias em seu corpo para que se salvem.
O segundo estado é o daqueles que vivem sempre com o objetivo de pecar.
Todos os seus desejos se dirigem ao mundo. Se fazem algo por mim, muito
de vez em quando, o fazem com a esperança de conseguir benefícios
temporais de engrandecimento e prosperidade.
A estas pessoas não se lhes dão muitas dores de corpo nem do coração.
Permito que sigam com seu poder e desejos, porque eles receberão aqui sua
recompensa até pelo mínimo bem que tenham feito por mim, pois lhes espera
um castigo eterno, tanto como eterna é sua vontade de pecar. O terceiro
estado é o daqueles que têm mais medo de pecar contra mim e de contrariar
minha vontade do que do castigo em si. Antes, prefeririam o insuportável
castigo eterno a provocar conscientemente minha ira. A estas pessoas, se
lhes dão tribulações no corpo e no coração, como é o caso de Pedro, de
Paulo e de outros Santos, de forma que corrijam suas transgressões neste
mundo. Também são castigados, durante certo tempo, para merecerem uma
glória maior, ou como exemplo para outros. Expliquei esta tríplice
misericórdia aplicada a três pessoas deste reino cujos nomes tu conheces.
Assim, pois, Anjo e servo meu, que tipo de misericórdia pedes para minha
esposa?”E ele disse: “Misericórdia de corpo e alma, para que ela possa
emendar suas transgressões neste mundo e nenhum de seus pecados se
submeta a teu juízo”. O Senhor respondeu: “Faça-se segundo tua vontade!”
Então, dirigiu-se à esposa: “És minha e farei contigo o que eu quiser.
Não ames a nada mais do que a mim! Purifica-te constantemente do pecado
em todo momento, segundo o conselho daqueles a quem te encomendei. Não
ocultes nenhum pecado! Não deixes que fique nada sem examinar, não penses
que nenhum pecado seja leve ou sem importância! Qualquer coisa que passe
por despercebido, Eu te a recordarei e julgarei. Nenhum pecado teu será
julgado por mim se for expiado nessa vida mediante tua penitência.
Aqueles pecados pelos quais não se tenha feito penitência serão purgados,
ou no purgatório ou por meio de algum dos meus juízos secretos, se caso
ainda não tiver sido reparado aqui na Terra”.
Palavras da Mãe à esposa descrevendo a excelência de seu Filho; sobre
como Cristo é agora mais duramente crucificado por seus inimigos, os maus
cristãos do que pelos judeus e sobre como, em consequência, essas pessoas
receberão um castigo mais duro e amargo.
Livro 1 - Capítulo 37
A Mãe disse: “Meu Filho teve três qualidades. A primeira foi que ninguém
jamais teve um corpo tão perfeito como Ele ao ter duas naturezas
perfeitas, uma divina e outra humana. Ele foi tão puro como não se pode
encontrar nenhum cisco em um olho cristalino; nenhuma só deformidade
podia encontrar-se em seu corpo. A segunda qualidade foi que Ele nunca
pecou. Outras crianças, às vezes, carregam os pecados de seus pais, além
de seus próprios. Este menino, que nunca pecou, carregou o pecado de
todos. A terceira qualidade foi que, enquanto algumas pessoas morrem por
Deus e por uma maior recompensa, Ele morreu tanto por seus inimigos
quanto por mim e seus amigos.
Quando seus inimigos o crucificaram, fizeram-lhe quatro coisas. Em
primeiro lugar, o coroaram de espinhos. Em segundo, cravaram suas mãos e
pés. Terceiro, deram-lhe fel para beber e quarto transpassaram seu lado.
Mas minha dor é que seus inimigos, que agora estão no mundo, crucificam
meu Filho mais duramente do que fizeram os judeus. Mesmo assim, poderias
dizer que Ele não pode sofrer e morrer agora, por isso o crucificam
através de seus vícios. Um homem pode lançar insultos e injúrias sobre a
imagem de um inimigo seu e, mesmo que a imagem não sentisse o dano, o
perpetrador seria acusado e sentenciado por sua maliciosa intenção de
injuriar.
Igualmente, os vícios pelos quais crucificam meu Filho, em um sentido
espiritual, são mais abomináveis e mais sérios para Ele que os vícios de
quem o crucificou no corpo. Mas você pode perguntar ‘Como o crucificam?’
Bem, primeiro o colocam sobre a cruz que prepararam para Ele, isto é,
quando não têm em conta os preceitos de seu Criador e Senhor. Depois o
desonram quando Ele os adverte através de seus servos, desprezando as
advertências e fazem o que lhes apetece. Crucificam sua mão direita
confundindo justiça e injustiça ao dizer: ‘O pecado não é tão grave nem
odioso para Deus como se diz, nem Deus castiga ninguém para sempre, mas
suas ameaças são para assustar-nos.
Por que haveria de redimir-nos se quisesse que morrêssemos?’ Eles não
consideram que até o mínimo pecado no qual uma pessoa se deleita é
suficiente para entregar ele ou ela ao castigo eterno. Posto que Deus não
deixa que nem o mínimo pecado fique sem castigo, nem o mínimo bem sem
recompensa, eles serão castigados sempre que mantenham a intenção
constante de pecar e meu Filho, que vê seus corações, conta isso como um
ato. Pois, se meu Filho o permitisse, eles realizariam obras segundo suas
intenções.
Crucificam sua mão esquerda convertendo a virtude em vício. Querem
continuar pecando até o fim, dizendo: ‘Se, ao final, uma única vez
dissermos: ”Deus tem misericórdia de mim”, a misericórdia de Deus é tão
grande, que Ele nos perdoará’. O querer pecar sem emendar-se, querer a
recompensa sem lutar por ela, não é virtude, a menos que haja algo de
contrição em seu coração, ou ao menos que a pessoa deseje realmente
emendar seu caminho, sempre que não o impeça uma enfermidade ou qualquer
outra condição.
Crucificam seus pés comprazendo-se no pecado, sem pensar, uma única vez,
no amaríssimo castigo de meu Filho, nem dar-lhe graças de coração,
dizendo: ‘Senhor, quão amargamente sofreste! Louvado sejas por tua
morte!’ Tais palavras nunca saem de seus lábios. Coroam-no com uma coroa
de escárnios ao zombar de seus servos e considerar inútil seu serviço.
Dão a ele fel para beber quando se deleitam e se comprazem em pecar.
Nunca sentem no coração quão sério e multifacetado é o pecado.
Transpassam seu lado quando têm a intenção de perseverar no pecado.
Digo-te, em verdade, e se o podes dizer a meus amigos, que para meu Filho
essas pessoas são mais injustas que aquelas que o sentenciaram, piores
inimigos que aqueles que o crucificaram, mais sem vergonha que aqueles
que o venderam. A eles os espera maior castigo que aos outros. De fato,
Pilatos supôs muito bem que meu Filho não tinha pecado e que não merecia
a morte. Entretanto, por medo de perder o poder temporal e pela
insistência dos judeus, ainda relutante, teve que sentenciar meu Filho à
morte. Que temeriam estas pessoas que o serviram? Ou que honra ou
privilégio perderiam se o honrassem?
Eles receberão, pois, uma sentença mais dura por ser piores que Pilatos
na consideração de meu Filho. Pilatos o sentenciou por medo,
submetendo-se ao pedido e intenções de outros. Estas pessoas o sentenciam
por seu próprio benefício e sem medo algum, desonrando-o pelo pecado do
qual poderiam abster-se, se assim o quisessem. Mas eles não se abstêm de
pecar nem se envergonham de terem cometido pecados, pois não percebem que
não merecem nem a mínima consideração daquele a quem eles não servem. São
piores que Judas, pois Judas, depois de ter traído o Senhor, reconheceu
que Jesus era mesmo Deus e que havia pecado gravemente contra Ele.
Desesperou-se, entretanto, e se precipitou ao inferno pensando que já não
merecia viver. Mas estas pessoas reconhecem seu pecado e, ainda assim,
perseveram nele, sem arrependimento em seus corações. No entanto, desejam
arrebatar a Deus o Reino dos Céus por uma espécie de força e violência,
crendo que o possam conseguir, não por seus feitos, mas por sua vã
esperança, vã porque não se o dará a ninguém mais, que aos que trabalham
e fazem algum sacrifício para o Senhor. São piores que os que o
crucificaram. Quando viram as boas obras de meu Filho, como a
ressurreição da morte ou a cura de leprosos, pensaram em seu interior:
‘Este opera maravilhas inauditas e inusitadas, superando facilmente a
todos com uma só palavra, conhecendo nossos pensamentos, fazendo tudo o
que deseja.
Se continuar assim, teremos que nos submeter a seu poder e ser seus
servos’. Por isso, em lugar de submeter-se a Ele, o crucificam com sua
inveja. Mas se soubessem que Ele é o Rei da Glória, nunca o teriam
crucificado. Por outro lado, essas pessoas veem cada dia suas grandes
obras e milagres e se aproveitam de sua bondade. Escutam como têm que
servi-lo e se acercam Dele, mas em seu interior pensam: ‘Seria duro e
insuportável renunciar a nossos bens temporais para fazer sua vontade e
não a nossa’. Por isso, desprezam a vontade Dele, colocam acima seus
desejos egoístas e crucificam meu Filho por sua teimosia, acumulando
pecado sobre pecado contra suas próprias consciências. São piores que
seus carrascos, pois os judeus agiram por inveja e não sabiam que Ele era
Deus. Estes, porem, sabem que é Deus e, por maldade, presunção e cobiça,
o crucificam, em um sentido espiritual, mais duramente que os que
crucificaram fisicamente seu corpo, pois estas pessoas já foram redimidas
e aquelas ainda não eram. Assim, pois, esposa, obedece e teme a meu
Filho, pois tudo o que Ele tem de misericordioso Ele tem também de
justo!”
Agradável diálogo de Deus Pai com o Filho sobre como o Pai deu ao Filho
uma nova esposa; sobre como o Filho a tomou carinhosamente para si e
sobre como o Esposo ensina à esposa a paciência e a simplicidade mediante
uma parábola.
Livro 1 - Capítulo 38
O Pai disse ao Filho: “Acudi com amor a Virgem e recebi Dela teu
verdadeiro corpo. Tu, portanto, estás em mim e Eu em ti. Assim como o
fogo e o calor nunca estão separados, também é impossível separar tua
natureza divina e humana”. O Filho respondeu: “Glória e honra a ti, Pai!
Faça-se tua vontade em mim e a minha em ti!” O Pai, por sua vez,
acrescentou: “Olha, Filho meu, confio-lhe esta nova esposa como um
cordeiro que deve ser guiado e alimentado. Como um pastor, então, deves
procurar queijo para comer, leite para beber e lã para vestir. Quanto a
você, esposa, tens que obedecer-lhe. Tens três deveres: deves ser
paciente, obediente e alegre”.
Então, o Filho disse ao Pai: “Tua vontade vem com poder, teu poder com
humildade, tua humildade com sabedoria, tua sabedoria com misericórdia.
Que tua vontade, que é e sempre será sem princípio nem fim, se faça em
mim! A ela, abrirei as portas de meu amor em teu poder e na inspiração do
Espírito Santo, pois somos, não três, mas um só Deus”. Então, o Filho
disse à sua esposa: “Ouviste como o Pai te confiou a mim como um
cordeiro. Por isso, deves ser simples e paciente como um cordeiro e
produzir alimento e vestido.
Há três grupos de pessoas no mundo. O primeiro está completamente nu, o
segundo sedento e o terceiro faminto. Os primeiros equivalem a fé de
minha Igreja, que está nua porque todos se envergonham de falar sobre a
fé e meus mandamentos. E se alguém fala, é desprezado e chamado de
mentiroso. Minhas palavras, procedentes de minha boca, hão de vestir esta
fé como a lã. Assim como a lã cresce no corpo da ovelha mediante o calor,
também minhas palavras hão de entrar em teu coração através do calor de
minhas naturezas divina e humana. Elas vestirão minha santa fé em um
testemunho de verdade e sabedoria e demonstrarão que, o que agora é
considerado insignificante, é verdadeiro. Como resultado, as pessoas que
até agora têm sido tíbias sobre o vestir sua fé em obras de amor, se
converterão quando ouvirem minhas palavras de amor e serão reanimadas
para falar com fé e atuar com coragem.
O segundo grupo equivale a aqueles amigos meus que possuem um sedento
desejo de ver minha honra reposta e se entristecem quando sou desonrado.
A doçura que sentem com minhas palavras os embriagará com um maior amor
por mim e, junto a eles, outros, que agora estão mortos, se reinflamarão
no meu amor, quando ouvirem sobre a misericórdia que tenho demonstrado
com os pecadores. O terceiro grupo de pessoas são aqueles que, em seu
coração, pensam assim: ‘Se ao menos soubéssemos – dizem – a vontade de
Deus e de que maneira temos que viver e se ao menos nos ensinasse a forma
correta de viver, com muito gosto faríamos o que pudéssemos’. Estas
pessoas estão famintas de conhecer meu caminho, mas ninguém as satisfaz,
pois ninguém lhes mostra exatamente o que devem fazer. Mesmo se alguém o
mostra, ninguém vive de acordo com ele. Portanto, as palavras parecem
estar como mortas para elas, pois ninguém vive de acordo com elas. Por
isso, Eu lhes mostrarei diretamente o que devem fazer e as encherei com
minha doçura.
As coisas temporais, que parecem as mais desejadas por todos agora, não
podem satisfazer a natureza humana a não ser melhor avivar o desejo de
buscar mais e mais coisas. Minhas palavras e meu amor, entretanto,
satisfazem os homens e os enchem de abundante consolação. Por isso,
esposa minha, que és uma das minhas ovelhas, cuida-te de manter a
paciência e a obediência. És minha por direito e, por isso, deves seguir
minha vontade. Uma pessoa que deseja seguir a vontade de outra faz três
coisas: primeiro, tem o mesmo pensamento que a outra, segundo, age de
forma similar, terceiro, se mantém longe dos inimigos da outra. Quem são meus
inimigos senão o orgulho e cada um dos pecados? Por isso, mantem-te longe
deles se desejas seguir minha vontade”.
Sobre como a fé a esperança e a caridade se acharam perfeitamente em
Cristo no momento de sua morte e deficientemente em nós.
Livro 1 - Capítulo 39
Eu tive três virtudes em minha morte. Primeiro, fé, quando dobrei meus
joelhos e rezei, sabendo que o Pai podia livrar-me de meus sofrimentos.
Segundo, esperança, quando perseverei resolutamente dizendo: ‘Não se faça
a minha vontade’. Terceiro, caridade, quando disse: ‘Faça-se tua
vontade!’ Também padeci agonia física devido ao temor natural de sofrer e
um suor de sangue emanou do meu corpo. Por isso, para que meus amigos não
temam ser abandonados quando lhes chegar o momento da prova, Eu lhes
demonstrei em mim que a débil carne sempre trata de escapar da dor.
Poderias perguntar, talvez, como foi que meu corpo segregou um suor de
sangue. Bem, da mesma forma em que o sangue de uma pessoa enferma se
resseca e se consome em suas veias, meu sangue se consumiu pela angústia
natural da morte. Querendo mostrar a maneira em que o Céu se abriria e
como as pessoas poderiam entrar nele depois de seu exílio, o Pai
amorosamente entregou-me à minha Paixão para que meu corpo fosse
glorificado, uma vez que a paixão se tinha consumado. Porque minha
natureza humana não podia simplesmente entrar em sua glória sem sofrer,
apesar de que Eu fui capaz de fazê-lo mediante o poder de minha natureza
divina.
Por que, então, as pessoas com pouca fé, vãs esperanças e sem amor,
mereceriam entrar em minha glória? Se tivessem fé no gozo eterno e no
terrível castigo, não desejariam nada mais que a mim. Se elas realmente
cressem que Eu vejo todas as coisas e tenho poder sobre todas as coisas e
que exijo um juízo para cada uma, o mundo lhes resultaria repugnante e
não ousariam pecar na minha presença por temor a mim e não pela opinião
humana. Se tivessem uma firme esperança, todo seu pensamento e
entendimento se dirigiriam até mim. Se tivessem amor divino, suas mentes
pensariam, ao menos, sobre o que fiz por eles, os esforços que fiz ao
ensinar, a dor que padeci em minha Paixão, o grande amor que tive ao
morrer, tanto que preferi morrer antes que perdê-los.
Mas sua fé é débil e vacilante, apontando a uma queda fulminante, porque
estão dispostos a crer quando estão ausentes dos impulsos da tentação,
mas perdem confiança quando se veem de frente com a adversidade. Sua
esperança é vã, porque esperam que seu pecado seja perdoado sem um juízo
e sem uma correta sentença. Confiam que podem conseguir o Reino dos Céus
gratuitamente. Desejam receber minha misericórdia sem a atuação da
justiça. Seu amor para comigo é frio, pois nunca se põem a buscar-me
ardentemente a menos que se sintam forçados pela tribulação.
Como vou compadecer-me das pessoas que nem sustentam uma fé reta nem uma
firme esperança nem uma fervente caridade por mim? Por isso, quando me
implorarem e disserem: ‘Senhor, tem piedade de mim!’, não merecerão ser
ouvidas nem entrar na minha glória. Se não querem acompanhar o seu Senhor
no sofrimento não o acompanharão na glória. Nenhum soldado pode agradara
a seu Senhor e ser bem recebido de novo, depois de um deslize, a menos
que primeiro se humilhe para reparar sua ofensa.
Palavras nas quais o Criador apresenta três perguntas de Graça à sua
esposa: a primeiro sobre a servidão do marido e a dominação da mulher; a
segunda sobre o trabalho do esposo e o gasto da esposa; a terceira sobre
o Senhor desprezado e o servo exaltado.
Livro 1 - Capítulo 40
Eu sou teu Criador e Senhor. Responde-me a três perguntas que te vou
apresentar. Qual é a situação em uma casa em que a esposa está vestida
como uma grande senhora e o esposo como um servo? É correto isso?” Ela
respondeu interiormente em sua consciência: “Não, meu Senhor, isso não
está bem”. E o Senhor disse: “Eu sou o Senhor de todas as coisas e o Rei
dos Anjos. Eu me vesti de servo, ou seja, a minha natureza humana, tão
somente visando à utilidade e a necessidade. Não desejei nada do mundo, a
não ser um mero alimento e roupa. Tu, entretanto, que és minha esposa,
queres igualar-te a uma grande senhora, com riquezas e honras, ser
exaltada. Qual é o benefício de tudo isso? Todas as coisas são vaidades e
todas as coisas devem ser abandonadas. A humanidade não foi criada para
essa frivolidade, senão para possuir o que necessita a natureza.
O orgulho inventou o supérfluo que agora se mantém e se deseja como o
normal. Em segundo lugar, diga-me, é correto que o marido trabalhe desde
a manhã até a noite enquanto a mulher gasta em uma hora tudo o que ele
conseguiu com seu esforço?” Ela respondeu: “Não, não é correto. Ao
contrário, a esposa deve viver e atuar seguindo a vontade de seu esposo”.
E o Senhor disse: “Eu trabalhei como o homem que trabalha de manhã até a
noite. Trabalhei desde minha juventude até o momento de meu sofrimento,
mostrando o caminho para o Céu, pregando e pondo em prática o que
pregava.
A esposa, ou seja, a alma humana que deveria ser como minha mulher, gasta
todo meu salário em viver luxuosamente. Como consequência, de nada do que
fiz se pode beneficiar, nem encontro nela virtude alguma em que
deleitar-me. Terceiro, diga-me, não é errado e detestável para o senhor
do lar ser desprezado sendo o servo exaltado”? E ela disse: “Sim, é
verdade”. E o Senhor disse: “Eu sou o Senhor de todas as coisas. Meu lar
é o mundo. Todos os membros da humanidade deveriam estar a meu serviço.
Entretanto, Eu, o Senhor, agora sou desprezado no mundo, enquanto que a
humanidade é exaltada. Portanto, tu, a quem Eu elegi, cuide de cumprir minha
vontade, porque tudo no mundo não é mais que uma brisa do mar e um falso
sonho!”
Palavras do Criador na presença da Corte Celeste e de sua esposa, nas
quais que se queixa dos cinco homens que representam o Papa e seus
clérigos, os leigos corruptos, os judeus e os pagãos. Também sobre a
ajuda enviada aos seus amigos que representam toda a humanidade e sobre a
dura condenação de seus inimigos.
Livro 1 - Capítulo 41
Eu sou o Criador de todas as coisas. Nasci do Pai antes que existisse
Lúcifer. Existo inseparavelmente no Pai e o Pai em mim e há um Espírito
em ambos. Por conseguinte, há um Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – e
não três Deuses. Eu sou Aquele que fiz a promessa da herança eterna a
Abraão e conduzi meu povo para fora do Egito através de Moisés. Eu sou o
que falei através dos Profetas. O Pai me colocou no ventre da Virgem sem
se separar de mim, permanecendo comigo inseparavelmente para que a
humanidade, que abandonou Deus, possa retornar a Deus através do meu
amor.
Agora, entretanto, em vossa presença, Corte Celeste, apesar de que vedes
e sabeis tudo de mim, pelo bem do conhecimento e a instrução desta
desposada minha que não pode perceber o espiritual se não por meio do
físico, Eu declaro meu pesar ante vós em relação aos cinco homens aqui
presentes, por serem eles ofensivos para mim de muitas maneiras.
Da mesma forma que Eu, em uma ocasião, incluí todo o povo israelita no
nome de Israel, na Lei, agora mediante estes cinco homens, me refiro a
todos no mundo. O primeiro homem representa o líder da Igreja e seus
sacerdotes; o segundo, os leigos corruptos; o terceiro, os judeus, o
quarto os pagãos e o quinto, meus amigos. E o que diz respeito a ti,
judeu, tenho feito uma exceção com todos os judeus que são cristãos em
segredo e que me servem em caridade sincera, conforme a fé e em seus
trabalhos perfeitos em segredo. Em relação a você, pagão, tenho feito uma
exceção com todos aqueles que com gosto caminhariam pelas sendas de meus
mandamentos se tão somente soubessem como e se fossem instruídos, os que
tratam de pôr em prática tudo o que podem e do que são capazes. Estes,
não serão, de nenhuma maneira, sentenciados convosco.
Agora declaro meu desgosto para contigo, cabeça de minha Igreja, tu que
te sentas em minha cátedra. Concedi este cargo a Pedro e a seus
sucessores para que se sentassem com uma tripla dignidade e autoridade:
primeiro, para que pudessem ter o poder de ligar e desligar as almas do
pecado; segundo, para que pudessem abrir o Céu aos penitentes; terceiro,
para que fechassem o Céu aos condenados e àqueles que me desprezam. Mas
tu, que deverias estar absolvendo almas e me as oferecendo, és realmente
um assassino das minhas almas. Designei Pedro como pastor e servo de
minhas ovelhas, mas tu as dispersas e as feres, és pior que Lúcifer.
Ele tinha inveja de mim e não perseguiu para matar ninguém mais que a
mim, de forma que pudesse governar em meu lugar. Mas tu és o pior, porque
não só me matas ao apartar-me de ti por teu mau trabalho senão que,
também, matas as almas devido ao teu mau exemplo. Eu redimi almas com meu
sangue e te as recomendei como a um amigo fiel. Mas tu as devolves ao
inimigo do quais eu as resgatei, és mais injusto que Pilatos. Ele tão
somente me condenou à morte. Mas tu não somente me condenas como se Eu
fosse um pobre homem indigno, como também condenas as almas de meus
eleitos e deixas livres os culpados. Mereces menos misericórdia que
Judas. Ele tão somente me vendeu, mas tu, não só me vendes como também
vendes as almas de meus eleitos com base em teu próprio proveito e vã
reputação. Tu és mais abominável que os judeus. Eles tão somente
crucificaram meu corpo, mas tu crucificaste e castigaste as almas de meus
eleitos para quem tua maldade e transgressão são mais afiadas que uma
espada.
Assim, posto que és como Lúcifer, mais injusto que Pilatos, menos digno
de misericórdia que Judas e mais abominável que os judeus, meu
aborrecimento contigo está justificado. O Senhor disse ao segundo homem,
ou seja, o que representa os leigos: “Eu criei todas as coisas para teu uso.
Tu me deste teu consentimento e Eu a ti. Prometeste-me tua fé e me
juraste que me servirias. Agora, entretanto, te separaste de mim como
alguém que não conhece a Deus. Referes-te às minhas palavras como
mentiras e a meus trabalhos como carentes de sentido. Dizes que minha
vontade e meus mandamentos são muito duros. Tens violado a fé que me
prometeste. Destruíste teu juramento e abandonaste meu Nome.
Tens te afastado a ti mesmo da companhia de meus Santos e te integraste
na companhia dos demônios fazendo-te sócio deles. Tu não crês que ninguém
mereça louvor e honra a não ser tu mesmo. Consideras difícil tudo o que
tem a ver comigo e o que estás obrigado a fazer por mim, enquanto que as
coisas que gostas de fazer são fáceis para ti. É por isso que meu aborrecimento
contigo está justificado, porque quebraste a fé que me prometeste no
batismo e depois dele. Alem disso, me acusas de mentir sobre o amor que
te mostrei por palavra e através de fatos. Disseste que eu era um louco
por sofrer”.
Ao terceiro homem, ou seja, o representante dos judeus, digo-te: “Eu
comecei meu amoroso idílio contigo. Eu te elegi como meu povo,
libertei-te da escravidão, dei-te minha Lei e conduzi-te até a Terra que
havia prometido a teus pais e te enviei profetas que te consolaram.
Depois, elegi uma Virgem dentre vós e tomei dela, a natureza humana. Meu
desgosto contigo é que ainda recusas crer em mim dizendo: “Cristo não
veio, mas, ainda virá”.
O Senhor disse ao quarto homem, ou seja, aos pagãos: “Eu te criei e o te
redimi para que fosses cristão. Fiz para ti todo o bem. Mas tu és como
alguém que está fora de seus sentidos, porque não sabes o que fazes. És
como um cego, porque não sabes para onde vais. Adoras as criaturas em
lugar do Criador, a falsidade em lugar da verdade. Ajoelhas diante das
coisas que são inferiores a ti. Esta é a causa do meu desgosto em relação
a ti”. Ao quinto homem, disse: “Aproxima-te mais, amigo!” E se dirigiu
diretamente à Corte Celestial: “Queridos amigos, este amigo meu
representa meus muitos amigos. Ele é como um homem cercado por corruptos
e mantido em um duro cativeiro. Quando diz a verdade, atiram pedras em
sua boca. Quando faz algo bom, cravam uma lança em seu peito. Ai! Meus
amigos e santos! Como posso suportar essas pessoas e quanto tempo suportarei
semelhante desprezo?”
São João Batista respondeu: “És como um espelho imaculado. Vemos e
sabemos todas as coisas em ti como em um espelho, sem necessidade de
palavras. És a doçura incomparável na qual saboreamos todo o bem. É como
a mais afiada das espadas e um Justo Juiz”. O Senhor lhe respondeu:
“Amigo meu, o que disse é certo. Meus eleitos veem toda a bondade e
justiça em mim. Os espíritos diabólicos ainda o fazem, mesmo que não na
luz mas em sua própria consciência. Como um homem na prisão, que aprendeu
as letras e ainda as conhece quando as encontra na escuridão e não as vê;
os demônios, apesar de não verem minha justiça à luz da caridade, ainda
assim, conhecem e veem em sua consciência. Eu sou como uma espada que
corta em dois. Eu dou a cada pessoa o que ele ou ela merecem. Então, o
Senhor acrescentou, falando ao Bem-Aventurado Pedro: “Tu és o fundador da
fé e da minha Igreja. Enquanto o escuta meu exército, declara a sentença
desses cinco homens!”
Pedro respondeu: “Glória e honra a Ti, Senhor, pelo amor que tens
demonstrado à Terra! Que toda tua Corte te bendiga, porque tu nos fazes
ver e saber em Ti tudo o que é e o que será! Vemos e sabemos tudo em Ti.
É verdadeiramente justo que o primeiro homem, o que se senta em tua
cátedra e realiza os feitos de Lúcifer, vergonhosamente deva renunciar a
esse lugar no qual presumiu sentar-se e compartilhar o castigo de
Lúcifer. A sentença do segundo homem é que aquele que abandonou a fé deve
descer ao inferno com a cabeça para baixo e os pés para cima, por ter
desprezado a Ti, que deveria ser sua cabeça e por ter amado a si mesmo.
A sentença do terceiro é que não verá teu rosto e será condenado por sua
perversidade e avareza, posto que os que não creem não merecem contemplar
a tua visão. A sentença do quarto é que deveria ser encerrado e confinado
na escuridão como um homem fora de seus sentidos. A sentença do quinto é
que deverá receber ajuda”. Quando o Senhor ouviu isto, respondeu:
“Prometo por Deus, o Pai, cuja voz ouviu João Batista no Jordão, que farei
justiça a esses cinco”.
Depois, o Senhor continuou e dizendo ao primeiro dos cinco homens: “A
espada de minha severidade atravessará teu corpo, entrando desde o alto
de sua cabeça e penetrando tão profundo e firmemente que nunca poderá ser
retirada. Tua cadeira se afundará como uma pedra pesada e não parará até
que alcance a parte mais baixa das profundezas. Teus dedos, ou seja, teus
conselheiros arderão em um fogo sulfuroso e inextinguível.
Teus braços, ou seja, teus vigários, que deveriam ter conseguido o
benefício das almas, mas que em seu lugar conseguiram proveitos mundanos
e honras, serão sentenciados ao castigo de que fala Davi: ‘Que seus
filhos fiquem órfãos e sua mulher viúva, que os estranhos arrebatem sua
propriedade’. Que significa ‘sua mulher’ senão a alma que foi separada da
glória do Céu e que ficará viúva de Deus? ‘Seus filhos’, ou seja, as
virtudes que aparentaram possuir e minha gente simples, aqueles que se
submeteram, serão separados deles. Sua classe e propriedade cairão nas
mãos de outros e eles herdarão a eterna vergonha em lugar de sua posição
privilegiada.
Suas mitras afundarão no barro do inferno e eles mesmos nunca se
levantarão dali. Por isso, a honra e o orgulho que alcançaram sobre
outros aqui na terra os afundarão no inferno tão profundamente, mais que
os demais e será impossível levantar-se. Suas extremidades, ou seja,
todos os sacerdotes aduladores que os assessoram, serão separados deles e
ilhados, como uma parede que se derruba, na qual não ficará pedra sobre
pedra e o cimento já não irá aderir às pedras. A misericórdia nunca lhes
chegará, porque meu amor nunca lhes aquecerá nem lhes recolocará na
eterna Mansão Celestial. Em seu lugar, despojados de todo bem, serão
eternamente atormentados junto aos seus líderes.
Ao segundo homem, Eu lhe digo: Dado que tu não queres manter-te na fé que
me prometeste nem manifestar amor para comigo, te enviarei um animal que
procederá da torrente impetuosa para devorar-te. E, como uma torrente que
sempre corre para baixo, o animal te levará às partes mais baixas do
inferno. Tão impossível como é para ti viajar corrente acima contra uma
torrente impetuosa, igualmente será difícil para ti subir do inferno.
Ao terceiro homem, eu digo: ‘Já que tu, judeu, não queres crer que Eu já
vim, quando eu voltar para o segundo juízo, não me verás em minha glória
senão em tua consciência e comprovarás que tudo o que lhe disse era
verdade. Então, te será aplicado o castigo como mereces’. Ao quarto
homem, digo: ‘Como tu não te ocupaste de crer nem quiseste saber, tua
própria escuridão será tua luz e teu coração será iluminado para que
compreendas que meus juízos são verdadeiros, mas, entretanto, tu não
alcançarás a luz’.
Ao quinto homem, lhe digo: ‘Farei três coisas por ti. Primeiro, te
encherei internamente com meu calor. Segundo, farei com que tua boca seja
mais forte e mais firme que qualquer pedra, de modo que as pedras que te
sejam arremessadas voltem a quem as atirou. Terceiro, te armarei com
minhas armas, de forma que, nenhuma lança te ferirá senão que tudo cederá
diante de ti como a cera frente ao fogo.
Portanto, permaneça forte e resista como um homem! Como um soldado que,
na guerra, espera a ajuda de seu Senhor e luta enquanto tiver fluido de
vida, assim também tu mantenhas-te firme e luta! O Senhor, teu Deus,
aquele a quem ninguém pode resistir, te ajudará. E, como sois poucos em
número, vos honrarei e vos converterei em muitos. Vejam, amigos meus,
vejam estas coisas e as reconheçam em Mim e, por isso, mantenham-se
diante Mim’. As palavras que agora pronunciei se cumprirão. Aqueles
homens nunca entrarão em meu Reino enquanto eu for o Rei, a menos que
emendem seus caminhos. Porque o Céu não será senão para aqueles que se
humilham e fazem penitência”. Então, toda a Corte respondeu: “Glória a
Ti, Senhor Deus, que não tens princípio nem fim”!
Palavras da Virgem Maria aconselhando a esposa como deve amar a seu Filho
sobre todas as coisas e sobre como cada virtude e graça está contida na
Virgem Gloriosa.
Livro 1 - Capítulo 42
A Mãe falou: “Eu tinha três virtudes pelas quais agradei meu Filho. Tinha
tanta humildade que nenhuma criatura, Anjo ou ser humano, era mais
humilde que Eu. Em segundo lugar, eu tinha obediência pela qual me
esforcei em obedecer a meu Filho em todas as coisas. Em terceiro lugar,
tinha uma grande caridade. Por esta razão, recebi honras tríplice de meu
Filho. Primeiro, se me deu mais honra que aos Anjos e aos Homens, de
forma que não há virtude em Deus que não se irradie de mim, apesar de que
Ele é a fonte e o Criador de todas as coisas. Mas eu sou a criatura a
qual Ele garantiu a Graça principal em comparação com as demais.
Segundo, em razão da minha obediência, recebi tal poder que, não há
pecador, por manchado que esteja, que não receba o perdão se voltar-se a
mim com o propósito de emenda e coração contrito. Terceiro, em razão de
minha caridade, Deus se aproximou tanto de mim que, qualquer um que veja
Deus, vê a mim e, qualquer um que me veja pode ver a natureza divina e
humana em mim e eu em Deus como se fosse um espelho. Porque quem vê a
Deus vê três pessoas nele, e quem me vê, vê como se fosse três pessoas.
Porque Deus me aproximou em alma e corpo de Si Mesmo e me cumulou de toda
virtude, de maneira que não há virtude em Deus que não brilhe em mim,
apesar de que Deus é o Pai e o doador de todas as virtudes. Como se
tratasse de dois corpos conjugados – um recebe o que recebe o outro –
assim fez Deus comigo. Não existe doçura que não esteja em mim.
É como alguém que tem uma noz e compartilha um pedaço com outra pessoa.
Minha alma e corpo são mais puros que o sol e mais limpos que um espelho.
Por isso, assim como as Três Pessoas se veriam em um espelho se se
situassem frente a ele, assim o Pai e o Filho e o Espírito Santo podem
ver-se em minha pureza. Uma vez tive meu Filho em meu ventre e junto à
sua natureza divina. Agora, Ele há de se ver em mim com suas duas
naturezas, Divina e Humana, como em um espelho, porque eu fui
glorificada. Por isso, esposa de meu Filho, procure imitar minha
humildade e não ames nada mais que meu Filho”.
Palavras do Filho à esposa sobre como as pessoas se elevam de um pequeno
bem ao bem perfeito e se afundam de um pequeno mal ao maior castigo.
Livro 1 - Capítulo 43
O Filho disse: “Às vezes, surge um grande benefício a partir de um
pequeno bem. A palmeira possui um odor maravilhoso e dentro de seu fruto,
a tâmara, há como uma pedra. Se esta semente for plantada em um solo
fértil, brotará e florescerá, crescendo até converter-se em uma altíssima
árvore. Mas se plantar em solo estéril, secará. O solo que se deleita no
pecado é absolutamente estéril, carente de bens. Se semeamos aí a semente
das virtudes, elas não poderão nascer. Rico é o solo da mente que conhece
seu pecado e se lamenta de tê-lo cometido. Se a ‘pedra’ da tâmara, ou
seja, o pensamento de meu severo juízo e poder, se semear aí, surgirão
três raízes na mente.
A primeira raiz é o dar-se conta de que uma pessoa não pode fazer nada
sem minha ajuda. Isto lhe fará abrir a boca para pedir-me. A segunda raiz
é começar a encomendar-me a algumas almas pequenas pelo bem do meu Nome.
A terceira raiz é retirar-se dos próprios assuntos para servir-me. A
pessoa, então, começa a praticar a abstinência, o jejum e a negação de si
mesma: isso é o tronco da árvore. Depois, vão crescendo os ramos da caridade
à medida que um conduz ao bem todos os que podem. Posteriormente, cresce
o fruto quando instrui a outros segundo seu conhecimento e, piedosamente,
trata de ensinar maneiras de dar-me uma maior glória. Esse tipo de fruto
é o mais prazeroso para mim. Desta forma, a partir de um pequeno começo,
um se eleva até a perfeição. Enquanto a semente forma a raiz no princípio
mediante a piedade, o corpo cresce por meio da abstinência, os ramos se
multiplicam por meio da caridade e o fruto cresce através da oração.
E, de igual maneira, uma pessoa se afunda a partir de um leve mal que a
leva à condenação e ao castigo. Sabes qual é a carga mais pesada que
impede que as coisas cresçam? Com certeza é a carga de um menino que está
a ponto de nascer, mas que não pode sair e morre no ventre da mãe, e a
mãe sofre uma hérnia da qual morre, e o pai a leva ao túmulo com a
criança dentro e a enterra com a matéria putrefata. Isto é o que faz o
demônio com a alma. A alma imoral é como a esposa do demônio que se
submete à sua vontade em tudo. Ela concebe o filho pelo demônio ao obter
prazer no pecado e regozijar-se nele. Assim como uma mãe concebe e gera o
fruto mediante uma pequena semente que é quase insignificante,
igualmente, deleitando-se no pecado, a alma dá muito fruto ao demônio.
Posteriormente, a força e os membros do corpo se vão formando à medida
que se junta pecado sobre pecado, e aumenta cada dia. A mãe se incha com
o aumento dos pecados, quer dar a luz, mas não pode, porque sua natureza
se consumiu pelo pecado e se cansou da vida. Ela teria preferido
continuar pecando, mas não pode, e Deus não o permite. Então, o medo se
faz presente porque ela não pode realizar seu desejo. A força e a alegria
acabam e ela se vê rodeada de preocupações e pesares. Então, seu ventre
arrebenta e ela perde a esperança de fazer o bem. Morre enquanto blasfema
e renega a justiça divina. E, assim, é conduzida pelo pai, o demônio, até
o sepulcro do inferno onde ela permanece enterrada para sempre com a
podridão de seu pecado e com o filho de seu depravado deleite. Vês assim,
como um pecado pequeno de início, chega a aumentar e crescer até a
condenação”.
Palavras do Criador à esposa sobre como Ele é agora desprezado e
ultrajado por pessoas que não prestam atenção ao que fez por amor, ao aconselhar-lhes
mediante os profetas e mediante seu próprio sofrimento para sua salvação.
Também sobre como ignoram o castigo que Ele dirigiu aos obstinados,
corrigindo-lhes severamente.
Livro 1 - Capítulo 44
Eu sou o Criador e Senhor de todas as coisas. Eu fiz o mundo e o mundo me
evita. Ouço no mundo um ruído parecido ao das abelhas que acumulam mel
sobre a terra. Quando a abelha está voando e começa a pousar emite um
zumbido. Agora, ouço como uma voz que zumbe no mundo e que diz: ‘Não me
importa!’ De fato, a humanidade não presta atenção nem se preocupa com o
que fiz por amor, aconselhando-se mediante os profetas, pelo meu próprio
ensinamento e mediante meu sofrimento por eles. Não lhes importa o que
fiz em minha ira, ao corrigir os malvados e desobedientes. Só veem que
são mortais e se sentem inseguros sobre a morte, mas não os preocupa.
Ouvem e veem a justiça que infligi ao Faraó e a Sodoma devido ao pecado e
ao que se aplicou sobre outros reis e princesas, permitindo-a diariamente
mediante a espada e outras desgraças, mas parece que estão cegos diante
de tudo isso. Assim como as abelhas, voam por onde querem. De fato, às
vezes, voam como se disparassem para o alto, quando se exaltam a si
mesmos pelo orgulho, mas, em seguida, caem de novo rapidamente quando
voltam a sua luxúria e a sua gula.
Reúnem mel da terra para si mesmos, fatigando-se e acumulando para si,
premidas pela necessidade do corpo, mas não para a alma. Buscam o terreno
mais que a honra eterna. Convertem o que é passageiro em um auto-castigo,
o inútil em tormento eterno. Entretanto, pela intercessão de minha Mãe,
enviarei minha voz clara a essas abelhas, exceto a meus amigos que se
encontram no mundo somente em corpo, e isso requererá misericórdia. Se me
atenderem, se salvarão.
Resposta da Mãe, dos Anjos, dos Profetas, dos Apóstolos e dos demônios a
Deus, na presença da esposa, testemunhando sua grandeza na Criação,
Encarnação e Redenção; sobre como as pessoas contradizem hoje todas estas
coisas e também acerca de seu severo juízo sobre eles.
Livro 1 - Capítulo 45
A Mãe de Deus disse: “Esposa de meu Filho, veste-te e permanece firme
porque meu Filho se acerca de ti. Saiba que sua carne foi espremida como
a uva em um lagar, pois, como o homem pecou com todos os membros do seu
corpo, meu Filho realizou a expiação em todos os membros de seu Corpo. Os
cabelos Dele foram arrancados, seus tendões distendidos, suas
articulações desencaixadas, seus ossos deslocados, suas mãos e pés
completamente perfurados. Sua mente foi agitada, seu coração afligido
pela dor, seu estômago absorvido até as costas e tudo isso porque a
humanidade havia pecado com cada membro de seu corpo”.
Então, o Filho, na presença da Corte Celeste disse: “Ainda que todos
saibam, falo para esta esposa minha que está aqui. A vós me dirijo,
Anjos, dizei-me: Quem é que não teve princípio nem terá fim? E quem é que
criou todas as coisas e não foi criado por ninguém? Falem e deem
testemunho”. Responderam os Anjos todos a uma voz: “Senhor, esse és Tu e
damos testemunho de três coisas: Primeiro, de que és nosso Criador e de
tudo o que há no Céu e na Terra. Segundo, de que eras e será sem
princípio, teu domínio é sem fim e teu poder eterno. Nada foi feito sem
ti e sem ti nada pode existir. Em terceiro lugar, testemunhamos que vemos
em ti toda justiça além de tudo o que foi e será. Todas as coisas são
presentes para ti, sem princípio nem fim”.
Depois, disse aos Profetas e Patriarcas: “Quem os conduziu da escravidão
à liberdade? Quem dividiu as águas diante de vós? Quem vos deu a Lei?
Profetas, quem vos deu a inspiração para falar?” Eles responderam: “Tu,
Senhor. Tu nos tiraste da escravidão. Tu nos deste a Lei. Tu inspiraste
nosso espírito para falar”.
Depois, disse à sua Mãe: “Dá verdadeiro testemunho de tudo o que sabes de
mim!” Ela respondeu: “Antes que o Anjo que me enviaste viesse a mim, eu
estava só em corpo e alma. Quando foram pronunciadas as palavras do Anjo,
teu corpo esteve dentro de mim em suas naturezas, divina e humana, e
senti teu Corpo em meu corpo. Gerei-Te sem dor. Dei-Te à luz sem
angústia. Envolvi-Te em panos e Te alimentei com meu leite. Estive
contigo desde o teu nascimento até a tua morte”.
Então, o Senhor disse aos Apóstolos: “Dizei a quem vistes, ouvistes e
percebestes com vossos sentidos!” Eles lhe responderam: “Ouvimos estas
palavras e as escrevemos. Ouvimos tuas palavras prodigiosas quando nos
deste a Nova Lei, quando, com uma palavra, deste ordem aos demônios e
eles saíram, quando, com uma palavra, ressuscitaste os mortos e curaste
os enfermos. Vimos-Te em um corpo humano. Vimos teus milagres e a glória
divina de tua natureza humana. Nós Te vimos sendo preso por teus inimigos
e pregado em uma Cruz.
Nós Te vimos sofrer da maneira mais amarga e, depois, ser colocado em um
sepulcro. Nós te percebemos com nossos sentidos quando ressuscitaste.
Tocamos teu cabelo e teu rosto. Tocamos teus membros e tuas partes
chagadas. Tu comeste conosco e compartilhaste nossa conversa. Tu és
verdadeiramente o Filho de Deus e o Filho da Virgem. Também Te percebemos
com nossos sentidos quando subiste, em tua natureza humana, à direita do
Pai, onde estás eternamente”.
Depois, disse Deus aos espíritos imundos: “Ainda que, em vossas
consciências ocultais a verdade, ordeno que digais quem foi que diminuiu
vosso poder”. Eles lhe responderam: “Como ladrões que não dizem a
verdade, a menos que tenham os pés presos em um duríssimo madeiro, nós
não diríamos a verdade se não fôssemos forçados por Teu tremendo e divino
poder. Tu és quem desceu ao inferno com toda tua força. Tu diminuíste
nosso poder no mundo. Levaste do inferno o que te correspondia por
próprio direito”. Então o Senhor disse: “Deem conta, todos os que têm um
espírito e não estão envolvidos por um corpo, declaro seu testemunho da
verdade diante de mim. Mas aqueles que têm um espírito e um corpo, ou
seja, os seres humanos me contradizem. Alguns deles conhecem a verdade,
mas não se importam. Outros não a conhecem e por isso dizem que não lhes
importa e afirmam que tudo é falso”.
Ele disse novamente aos Anjos: “Os seres humanos dizem que vosso
testemunho é falso, que eu não sou o Criador e que nem todas as coisas se
conhecem em mim. Portanto, amam mais a criação do que a mim”. Ele disse
aos Profetas: “Os homens vos contradizem e dizem que a Lei não tem
sentido, que vós ganhastes liberdade graças a vossa própria coragem e
capacidade, que o Espírito era falso e que vós faláveis por própria
vontade”. À sua Mãe, disse: “Alguns dizem que Tu não és Virgem, outros
que Eu não me encarnei em ti, outros conhecem a Verdade, mas não se importam
com ela”.
Aos Apóstolos, lhes disse: “Os contradizem dizendo que sois mentirosos,
que a Nova Lei é inútil e irracional. Há outros que creem que é
verdadeira, mas não se importam com ela. Agora, pois, Eu pergunto: Quem
será seu juiz?” Todos eles responderam: “Tu, Deus, que és sem princípio
nem fim. Tu, Jesus Cristo, que és um com o Pai. O Pai Te outorgou todo o
poder de julgar, Tu és seu Juiz”. O Senhor respondeu: “Eu fui seu
acusador e agora sou seu Juiz. Entretanto, apesar de tudo saber e tudo poder,
dá-me vosso veredito sobre eles”.
Eles, responderam: “Assim como o mundo inteiro pereceu em seus inícios
com as águas do dilúvio, igualmente agora o mundo merece ser consumido
pelo fogo, pois a iniquidade e a injustiça são agora mais abundantes que
outrora”. O Senhor respondeu: “Como sou justo e misericordioso e não faço
juízo sem misericórdia e nem misericórdia sem justiça, uma vez mais
enviarei minha misericórdia ao mundo pela intercessão de minha Mãe e dos
meus Santos. Se os seres humanos não querem escutar, os seguirá uma
justiça que será a mais severa”.
Palavras mútuas de louvor que, na presença de Santa Brígida, se dão Jesus
e Maria, e sobre como as pessoas veem agora a Cristo como desleal,
desgraçado e indigno dizendo que Ele é assim e também sobre a eterna
condenação dessas pessoas.
Livro 1 - Capítulo 46
Maria falou a seu Filho dizendo: “Bendito seja Tu, que é sem princípio
nem fim! Tu tiveste o corpo mais nobre e belo;Tu foste o mais valente e
virtuoso dos homens, o mais digno do seres”. O Filho respondeu: “As
palavras que saem de teus lábios são doces e deleitam o mais profundo do
meu coração como a mais doce das bebidas. Tu és para mim a mais doce das
criaturas. Da maneira que uma pessoa pode ver distintos rostos em um
espelho, mas nenhum lhe agrada mais que o seu próprio, assim, mesmo
amando meus Santos, a amo com particular amor, porque nasci de tua carne.
Tu és como um incenso seleto cujo odor subiu até a divindade e a atraiu
para seu corpo. Esta mesma fragrância elevou teu corpo e tua alma até
Deus, onde estás agora com todo teu ser. Bendita sejas, porque os Anjos
se regozijam em tua formosura e todos os que te invocam, com o coração
sincero, ficam libertos graças ao teu poder. Todos os demônios tremem
diante de tua luz e não se atrevem a permanecer em teu esplendor porque
eles sempre querem estar nas trevas.
Tu me louvaste por três qualidades. Disseste que Eu tive o corpo mais
nobre, depois afirmaste que Eu era o mais valente dos homens e, em
terceiro, disseste que fui a mais digna das criaturas. Estas qualidades
são contestadas, agora, por aqueles que possuem um corpo e uma alma.
Dizem que Eu possuo um corpo ignóbil, que sou o homem mais desgraçado e a
mais indigna das criaturas. O que é mais ignóbil do que arrastar o outro
para o pecado? Isso é o que dizem de meu corpo: que conduz ao pecado.
Dizem, literalmente, que o pecado não é tão repugnante nem desgosta a
Deus tanto como Eu lhes havia dito. ‘Porque – segundo eles – nada existe
a menos que Deus queira e nada foi criado sem Ele. Por que, então, não
poderíamos usar tudo o que foi criado como nós quisermos? Nossa natural
fragilidade assim o exige e esta é a forma com a qual todos temos vivido
antes e ainda vivemos’.
Assim é como, agora, as pessoas se dirigem a mim. Minha natureza humana,
com a qual apareci entre os homens como Deus verdadeiro, é, efetivamente,
considerada por eles como desprezível, apesar do quanto Eu apartei a
humanidade do pecado e lhe mostrei a gravidade disso, como se Eu tivesse
incentivado a fazer algo inútil e torpe. Dizem, literalmente, que nada é
nobre exceto o pecado e tudo aquilo que satisfaça seus caprichos. Também
dizem que eu sou o mais desgraçado dos homens. Quem é mais desgraçado que
alguém que, quando diz a verdade, vê sua boca ferida pelas pedras que lhe
arremessam e é golpeado na face e, além de tudo isso, escuta as censuras
das pessoas dizendo-lhe: ‘Se fosse um homem se vingaria’? Isso é o que
fazem comigo.
Falo com eles através de sábios doutores e das Sagradas Escrituras, mas
eles dizem que Eu minto. Ferem minha boca com pedras e com socos
cometendo adultério, matando e mentindo. Dizem: ‘Se fosse um grande
homem, se fosse o mais poderoso Deus, se vingaria dessas transgressões’.
Todavia, Eu sofro em minha paciência. Cada dia, ouço-os afirmar que o
castigo nem é eterno nem tão severo como se falou e minhas palavras são
consideradas mentiras.
Por último, me veem como a mais indigna das criaturas. O que é mais
desprezível em uma casa do que um cachorro ou um gato que alguém estaria
mais que contente em trocar por um cavalo, se pudesse? Mas as pessoas
afirmam que Eu sou pior que um cachorro. Não me acolheriam se, para isso,
tivessem que se desapegar do cachorro, e antes ainda, me recusariam e me
negariam se tivessem que ficar sem a casinha do cachorro. Existe algo tão
insignificante para a mente humana, que não seja considerado de maior
valor ou que seja mais desejado que Eu? Se me tivessem em maior estima
que as demais criaturas, me amariam mais que tudo. Mas não possuem nada
tão insignificante que não o amem mais que a mim.
Apiedam-se de qualquer coisa mais que de mim. Desgostam-se por suas
próprias perdas e pelas de seus amigos. Afligem-se por uma única palavra
ofensiva. Entristecem-se por ofender as pessoas de maior classe que eles,
mas não se importam em ofender a, Mim, o Criador de todas as coisas. Quem
há, que seja tão desprezado que não seja ouvido quando pede algo ou que
não seja compensado quando tenha dado algo? Eu sou totalmente indigno e
desprezível a seus olhos, tanto que não me consideram merecedor de nenhum
bem, apesar de Eu lhes ter dado todo o bem.
Mãe minha, tu saboreaste mais de minha sabedoria que os demais e nada
mais que a verdade saiu de teus lábios. Tampouco, dos meus lábios, pode
sair outra coisa mais que a verdade. Em presença de todos os Santos, Eu
me justificarei a mim mesmo ante o primeiro homem, o que disse que Eu
tinha um corpo indigno. Demonstrarei que, de fato, possuo o corpo mais
nobre, sem deformidade nem pecado, e esse homem cairá na eterna censura
para que todos o vejam. Já para aquele que disse que minhas palavras eram
mentiras e que não sabia se Eu era ou não Deus, demonstrar-lhe-ei que sou
verdadeiramente Deus e ele deslizará como o barro até o inferno. E ao
terceiro, ao que sustentava que eu era indigno, o condenarei ao castigo
eterno, de maneira que nunca veja minha glória nem sinta meu gozo”.
Então, disse à esposa: “Mantenha-te firme no meu serviço! Tu te vês
rodeada por um muro, como dissemos, do qual não podes escapar nem escavar
seus fundamentos. Assume voluntariamente esta pequena tribulação e
chegarás a experimentar o eterno descanso em meus braços! Tu conheces a
vontade do Pai, escutas as palavras do Filho e conheces meu Espírito.
Obtenha alegria e consolo nos diálogos com minha Mãe e meus Santos. Por
isso, mantenha-te firme! Do contrário, chegarás a conhecer essa minha
justiça pela qual se verás forçada a fazer o que, agora amavelmente, eu a
estou incentivando que faças.
Palavras do Senhor à esposa sobre a adesão à Nova Lei; sobre como essa
mesma Lei é agora rejeitada e desdenhada pelo mundo, sobre como os maus
sacerdotes não são sacerdotes de Deus e sim traidores de Deus e sobre a
sua maldição e condenação.
Livro 1 - Capítulo 47
Eu sou o Deus que em um tempo fui chamado de o Deus de Abraão, o Deus de
Isaac e o Deus de Jacó. Eu sou o Deus que deu a Lei a Moisés. Esta Lei
era como uma vestimenta. Assim como uma gestante prepara o enxoval de seu
bebê, Deus também preparou a Lei, que foi como a vestimenta, sombra e
sinal das coisas por vir. Eu me vesti e me envolvi a mim mesmo com as
vestes da nova Lei. À medida que um menino cresce, suas roupas são
substituídas por outras novas.
Da mesma forma, quando as vestimentas da Lei Antiga estavam a ponto de
serem abandonadas, Eu me vesti com a nova roupa, ou seja, com a Nova Lei
e a dei a todos que quisessem ter a mim e ás minhas vestes. Esta roupa
não é muito apertada, nem difícil de vestir, mas é bem proporcionada em
todas as partes. Não obriga as pessoas a jejuar ou a trabalhar demais,
nem a matar-se, nem a fazer nada que esteja além dos limites de suas
possibilidades, mas ela é benéfica para a alma e conduz à moderação e
mortificação do corpo. Pois, quando o corpo adere demais ao pecado, o
pecado o consome.
Duas coisas podem ser encontradas na Nova Lei. Primeira, uma prudente
temperança e o reto uso dos bens físicos e espirituais. Segunda, uma
grande facilidade para manter-se na Lei, pelo fato de que, uma pessoa que
não pode manter-se em um estado, pode permanecer em outro. Nela, pode-se
ver que a pessoa que não conseguia viver o celibato, podia porém, viver
um matrimônio honrado, podia levantar outra vez e prosseguir. Entretanto,
agora, Minha Lei é rejeitada e menosprezada.
As pessoas dizem que a Lei é muito rígida, pesada e sem atrativos. Eles a
chamam de rígida, porque nos ordena a nos contentarmos somente com aquilo
que é necessário e evitar o que é supérfluo. Porém, eles querem ter tudo
além do razoável e mais do que o corpo pode suportar, como se fossem
animais. É por isso que ela lhes parece ser muito rígida ou rigorosa. Em
segundo lugar, eles dizem que é pesada, pois a Lei diz que a pessoa deve
ser indulgente com os desejos de prazer submetendo-os à razão e em
determinados momentos. Mas, querem ceder aos seus prazeres mais do que
lhes convém e além dos limites. Terceiro, dizem que ela não é atrativa,
pois a lei ordena que eles amem a humildade e atribuam todo bem a Deus.
Querem ser orgulhosos e exaltarem-se a si mesmos pelos presentes bons que
Deus lhes deu. É por isso que ela não é atraente para eles.
Veja como eles depreciam as vestes que lhes dei! Eu acabei com as formas
antigas e introduzi as novas para durarem até que Eu venha para o Juízo,
pois os velhos caminhos eram muito difíceis. Porém, eles, afrontosamente
descartaram as vestimentas com as quais Eu cobri a alma, ou seja, uma fé
ortodoxa. Além de tudo isso somaram pecado sobre pecado, porque também
querem me trair. Davi não disse no salmo: ‘Aquele que comeu de meu pão
tramou a traição contra mim?’ Quero que percebas duas coisas nessas
palavras. Primeiro, ele não diz “trama”, mas “tramou”, como se fosse algo
já passado. Segundo, ele aponta somente para um homem como traidor. Da
mesma forma, Eu digo que são aqueles que no presente me traem, não
aqueles que foram ou serão, mas aqueles que ainda estão vivos. Também
digo que não se trata de apenas uma pessoa, mas de muitas. Mas tu deves
me perguntar: ‘Não há dois tipos de pão, aquele invisível e espiritual,
do qual os Anjos e os Santos vivem e o outro que pertence a Terra, pelo
qual os homens se alimentam? Mas se os Anjos e os Santos não desejam nada
que não esteja de acordo com a Tua vontade, e os homens não podem fazer
nada que Tu não aceites, como, então, podem Te trair?
Na presença de minha Corte Celestial que sabe e vê todas as coisas em
mim, Eu respondo por teu bem, de forma que possas compreender: De fato,
há dois tipos de pão. Um é aquele dos Anjos, que comem meu pão no meu
Reino e são preenchidos com a minha glória indescritível. Eles não me
traem, pois não querem nada que não seja aquilo que Eu quero. Mas aqueles
que comem meu pão no altar me traem. Eu Sou verdadeiramente esse Pão. É
possível perceber três coisas nesse Pão: a forma, o sabor e a
circularidade. De fato, Eu sou esse Pão e, como tal, tenho três coisas em
mim: sabor, forma e circularidade. Sabor, porque tudo é insípido,
insubstancial e carente de sentido sem mim, assim como uma refeição sem
pão não tem sabor e não é nutritiva. Eu também tenho a forma do pão
enquanto me considero da terra.
Vim da Mãe Virgem, minha Mãe é a de Adão, Adão é da Terra. Também tenho
circularidade onde não há princípio nem fim, porque Eu não tenho
princípio nem fim. Ninguém pode encontrar um fim ou um princípio na minha
sabedoria, no meu poder e na minha caridade. Eu estou em todas as coisas,
sobre todas as coisas e além de todas as coisas. Mesmo se alguém voasse
perpetuamente como uma flecha, sem parar, nunca encontraria um final ou
um limite ao meu poder e à minha força. Através dessas coisas, sabor,
forma e circularidade, Eu sou o Pão que parece e tem sabor de pão no
altar, mas que se transforma em meu corpo que foi crucificado. Do mesmo
modo que qualquer madeira facilmente inflamável é rapidamente consumida
quando se coloca no fogo, e não resta nada da forma da madeira, pois toda
se converte em fogo, assim também acontece quando estas palavras são
ditas: ‘Este é o meu Corpo…,’ o que antes era pão imediatamente se torna
meu corpo. Faz-se uma chama, não como o fogo com a madeira, mas pela
minha divindade. Por isso, aqueles que comem meu pão me traem. Que tipo
de crime pode ser mais horrível do que quando alguém se mata a si mesmo?
Ou que traição poderia ser pior do que quando duas pessoas unidas por um
vínculo indissolúvel, como um casal, um trai o outro? O que um dos dois
faz para trair o outro? Ele diz a ela enganando: ‘Vamos a tal e tal lugar
de forma que eu passe meu futuro contigo!’
Ela vai com ele com toda simplicidade, pronta para satisfazer qualquer
desejo de seu marido. Mas, quando ele encontra a oportunidade e o lugar,
lança contra ela três armas traiçoeiras. Ou utiliza algo suficientemente
pesado para matá-la com um único golpe, ou afiado o suficiente para
cortar exatamente seus órgãos vitais, ou, algo asfixiante que sufoca
diretamente nela o espírito de vida. Então, quando ela morre, o traidor
pensa consigo mesmo: ‘Agora eu fiz mal. Se meu crime for descoberto e
tornar-se público, serei condenado à morte’ Então, ele leva o corpo da
mulher em um lugar escondido, de forma que seu pecado não seja
descoberto.
Esta é a forma com que sou tratado pelos meus sacerdotes, que são meus
traidores. Pois eles e Eu estamos ligados por uma só vinculo quando eles
tomam o pão, e, pronunciando as palavras, o transformam em meu verdadeiro
Corpo, que recebi da Virgem. Nenhum dos Anjos pode fazer isto. Eu dei
somente aos sacerdotes essa dignidade e os selecionei dentre as mais
altas ordens. Mas eles me tratam como traidores. Fazem uma cara feliz e
complacente para mim e me levam a um local escondido onde possam me
trair. Estes sacerdotes fazem cara de felicidade aparentando ser bons e
simples. Eles me levam a uma câmara escondida quando se aproximam do
altar. Ali Eu sou como a noiva ou a recém casada, disposta a realizar
todos os seus desejos e, em vez disso, eles me atraiçoam.
Primeiro, me batem com algo pesado quando o Ofício Divino, que recitam
para mim, se torna triste e pesado para eles. De bom grado diriam cem
palavras para o bem do mundo do que uma só em minha honra. Antes dariam
cem lingotes de ouro para o bem do mundo do que um só centavo em Minha honra.
Trabalhariam cem vezes por seu próprio benefício do que uma só vez em
minha honra. Eles me pressionam tanto com este pesado fardo que é como se
eu estivesse morto em seus corações. Em segundo lugar, me transpassam com
uma lâmina afiada que penetra em meus órgãos vitais cada vez que um
sacerdote sobe ao altar, sabendo que pecou e arrependeu-se, mas está
firmemente decidido a voltar a pecar, uma vez que tenha terminado seu
Oficio. Este diz consigo mesmo: Eu de fato me arrependo do meu pecado,
mas não penso deixar a mulher com a qual pequei, até que já não possa
mais pecar.’ Isto me corta como a mais afiada das lâminas.
Terceiro, é como se eles asfixiassem meu Espírito quando pensam: ‘É bom e
prazeroso estar no mundo, é bom ser indulgente com os desejos e não me
posso conter. Farei isto enquanto for jovem e quando me fizer mais velho,
irei me abster e emendarei meus caminhos.’ E, através desse perverso
pensamento, eles sufocam o espírito da vida. Mas como isso acontece? Pois
bem, o coração destes se torna tão frio e tíbio em relação a mim e a cada
virtude que nunca mais pode ser estimulado ou renascer no meu amor.
Assim como o gelo não pega fogo, mesmo quando mantido sobre uma chama,
mas apenas derrete, da mesma maneira mesmo que Eu lhes dê a minha graça e
eles ouçam palavras de advertência, não melhoram no modo de vida, mas
apenas crescem estéreis e frouxos a respeito de cada uma das virtudes. E
assim me traem, naquilo que fingem ser simples quando na realidade não o
são, e ficam tristes e desgostosos na hora de dar-me a glória em vez de
regozijar-se e também naquilo que pretendem pecar e continuam pecando até
o final.
Eles também me escondem, por assim dizer, e me colocam em um local oculto
quando pensam: ‘Sei que pequei. Mas se me abstiver de realizar o Oficio,
ficarei envergonhado e todos irão me condenar.’ Assim que,
imprudentemente, sobem ao altar e tocam a mim, verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Fico como se estivesse em um lugar escondido, uma vez
que ninguém sabe nem se dá conta de quão corruptos e sem vergonha são.
Eu, Deus, permaneço ali, diante deles, como em uma dissimulação, porque,
mesmo quando o sacerdote é o pior dos pecadores e pronuncia estas
palavras “Este é o meu corpo”, ele ainda consagra meu Verdadeiro Corpo, e
Eu, verdadeiro Deus e Homem, permaneço ali diante dele. Quando me põe em
sua boca, entretanto, Eu já não estou presente para ele na graça das
minhas naturezas divina e humana - só resta para ele a forma e o sabor do
pão - não porque Eu não esteja realmente presente para os maus como para
os bons devido à instituição do sacramento, mas porque os bons e os maus
não o recebem com o mesmo efeito.
Olhe, estes sacerdotes não são meus sacerdotes, e sim na realidade, meus
traidores! Eles também me vendem e me traem como Judas. Olho para os
pagãos e judeus, mas não vejo ninguém pior que estes sacerdotes, já que
caíram no pecado de Lúcifer. Agora, deixe-me dizer-te sua sentença e a
quem se assemelham. Sua sentença é a condenação. Davi condenou aqueles
que desobedeciam a Deus, não por ira, ou má vontade nem por impaciência,
senão devido à justiça divina, pois ele era um honrado profeta e rei. Eu,
também, que sou maior que Davi, condeno estes sacerdotes, não pela ira
nem pela má vontade, mas pela justiça.
Maldito seja tudo o que retiram da Terra para seu próprio proveito, pois
eles não louvam seu Deus e Criador que lhes deu estas coisas. Maldito
seja o alimento e a bebida que entra em suas bocas e que alimenta seus
corpos para que se convertam em alimento dos vermes e destinem suas almas
ao inferno. Malditos sejam seus corpos que se levantarão novamente no
inferno para ser queimados eternamente. Malditos sejam os anos de suas
vidas inúteis. Maldita seja sua primeira hora no inferno, que nunca
terminará. Malditos sejam por seus olhos que viram a luz do Céu.
Malditos sejam por seus ouvidos que ouviram minhas palavras e
permaneceram indiferentes. Malditos sejam por seu paladar, pelo qual
experimentaram meus manjares. Malditos sejam por seu tato, pelo qual me
tocaram. Malditos sejam, por seu olfato, pelo qual sentiram aromas
agradáveis e se descuidaram de mim, que Sou o mais agradável de todos.
Agora, como são, exatamente amaldiçoados? Pois bem, sua visão está
amaldiçoada porque não desfrutará da visão de Deus em si, mas apenas
verão sombras e os castigos do inferno. Seus ouvidos estão amaldiçoados
porque não ouvirão minhas palavras, senão somente o clamor e os horrores
do inferno. Seu paladar está amaldiçoado porque não experimentarão os
bens e o gozo eternos, mas sim a amargura eterna. Seu tato está
amaldiçoado porque não conseguirão tocar-me , senão somente o fogo
perpétuo.
Seu olfato está amaldiçoado, porque não sentirão esse doce perfume do meu
Reino, que supera todas as essências, mas terão apenas o fedor do inferno
que é mais amargo do que a bílis e pior que o enxofre. Sejam malditos
pela Terra e o Céu e por todas as bestas. Essas criaturas obedecem e
glorificam a Deus, enquanto que eles o evitaram. Por isto eu prometo pela
verdade, Eu que sou a Verdade, que se eles morrem assim, com essa
disposição, nem meu amor nem minha virtude os cobrirá. Ao contrário,
serão condenados para sempre.
Sobre como, na presença da Corte Celestial e da esposa, a divina natureza
fala à natureza humana contra os Cristãos, assim como Deus falou a Moisés
contra o povo, sobre os sacerdotes condenáveis que amam o mundo e
desprezam a Cristo e sobre seu castigo e maldição.
Livro 1 - Capítulo 48
A Corte Celestial foi vista no Céu e Deus lhe disse: ‘Observe, pelo bem
desta minha esposa aqui presente, que me dirijo a vós, amigos meus que me
estais ouvindo, vós que sabeis, compreendeis e vedes tudo em mim. Como se
alguém falasse consigo mesmo, minha natureza humana irá falar à minha
natureza divina. Moisés esteve com o Senhor na montanha por quarenta dias
e quarenta noites. Quando o povo viu que já fazia tempo que ele havia
partido, pegaram ouro, fundiram-no no fogo e criaram com ele um bezerro,
a que chamaram seu deus. Então, Deus disse a Moisés: ‘O povo pecou.
Eliminá-lo-ei como se apagam as letras de um livro.’ Moisés respondeu:
‘Não o faças, Senhor! Lembra-te de como os guiaste desde o Mar Vermelho e
fizeste maravilhas por eles. Se os eliminas, onde ficará então tua
promessa? Não o faças, eu te rogo, pois teus inimigos dirão: O Deus de
Israel é malvado, conduziu o povo até o mar e o matou no deserto.’ E Deus
se aplacou com estas palavras.
Eu sou Moisés, figurativamente falando. Minha natureza divina fala à
minha natureza, como fiz com Moisés, dizendo-lhe: ‘Olha o que o fez teu
povo, veja como me desprezaram! Todos os cristãos morrerão e sua fé
ficará apagada.’ Minha natureza humana responde: ‘Não, Senhor. Lembra-te
como conduzi o povo através do mar por meu sangue, quando fui espancado
desde a planta dos meus pés até a o alto da minha cabeça! Eu lhes prometi
a vida eterna. Tem misericórdia deles, por minha Paixão!’ Quando a
natureza divina ouviu isto, se apiedou dele e lhe disse: ‘Assim seja,
pois te foi dado todo juízo!’ Vejam que amor, meu amigos!
Mas agora, em vossa presença, meus amigos espirituais, meus anjos e
santos, e na presença dos meus amigos corpóreos, que estão no mundo,
ainda que só em seu corpo, lamento o fato de que meu povo esteja
acumulando lenha, acendendo uma fogueira e jogando ouro nela, da qual
emerge um bezerro para que eles o adorem como a um deus. Assim como um
bezerro, se sustenta em quatro patas, tem uma cabeça, uma garganta e um
rabo.
Quando Moisés se demorou na montanha, o povo dizia: ‘Não sabemos o que
lhe aconteceu.’ Lamentaram-se de que lhes houvesse guiado para sair de
seu cativeiro e disseram: ‘Vamos fazer outro deus que nos dirija!’ É
assim que estes malditos sacerdotes estão me tratando agora. Eles dizem:
‘Porque vivemos uma vida mais austera que os demais? Qual é nossa
recompensa? Estaríamos melhor se vivêssemos sem preocupações, na
abundancia., Vamos pois amar o mundo do qual temos certeza! Apesar de
tudo, não estamos seguros de sua promessa.’ Assim juntam lenha, ou seja,
aplicam todos os seus sentidos para amar o mundo. Eles acendem uma
fogueira quando todo seu desejo é para o mundo, e ardem à medida que
cresce sua cobiça em sua mente e acaba resultando em obras.
Depois, lhe jogam ouro, que significa que todo o amor e respeito que
deveriam demonstrar por mim, o dedicam a obter o respeito do mundo.
Então, emerge o bezerro, ou seja, o amor total do mundo, com suas quatro
patas de preguiça, impaciência, alegria supérflua e avareza. Esses
sacerdotes, que deveriam ser meus, sentem preguiça na hora de me honrar,
impaciência diante do sofrimento, se excedem em alegrias vãs e nunca se
contentam com o que conseguem. Este bezerro também tem uma cabeça e uma
garganta, ou seja, um desejo de comilança que nunca se aplaca, nem mesmo
se tragasse o mar inteiro.
O rabo do bezerro é sua malícia, pois não deixam que ninguém mantenha sua
propriedade, extorquem sempre que podem. Por seu exemplo imoral e seu
desprezo, ferem e pervertem os que me servem. Assim é o amor ao bezerro
que há em seus corações, e nele se regozijam e deleitam. Pensam em mim do
mesmo modo que aqueles fizeram com Moises: ‘Ele se foi há muito tempo’,
dizem. ‘Suas palavras parecem sem sentido e trabalhar para Ele é muito
pesado. Façamos o que nos dê vontade, deixemos que nossas forças e
prazeres sejam nosso deus! Também não se contentam parando aí e
esquecendo-me por completo, mas alem disso me tratam como um ídolo!
Os pagãos costumavam adorar pedaços de madeira, pedras e pessoas mortas,
entre outros, adoravam um deus cujo nome era Belzebu. Seus sacerdotes lhe
ofereciam incenso, genuflexões e gritos de louvor. Tudo que era inútil em
sua oferta de sacrifícios se jogava no chão e as aves e moscas o comiam.
Mas os sacerdotes podiam ficar com tudo aquilo que pudesse lhes ser útil.
Então trancavam a porta de seu ídolo e guardavam a chave pessoalmente,
para que ninguém pudesse entrar.
É assim que os meus sacerdotes me tratam atualmente. Oferecem-me incenso,
ou seja, falam e pregam belas palavras às pessoas para conseguir respeito
para si mesmos e benefícios temporais, mas não por amor a mim. Da mesma
forma que não se pode prender o aroma do incenso, ainda que o sintas e o
vejas, também suas palavras não têm nenhum efeito nas almas, para criar
raízes e manter-se em seus corações, mas são palavras que só se ouvem e
agradam passageiramente.
Oferecem orações, mas nem todas me agradam. Como quem grita louvores com
seus lábios, mas mantem seu coração calado, ficam perto de mim rezando
com os lábios mas no coração vagueiam pelo mundo. Entretanto, quando
falam com uma pessoa da projeção, mantêm sua mente no que dizem para não
cometer erros que poderiam ser observados pelos outros. Na minha
presença, entretanto, os sacerdotes são como homens confusos que dizem
uma coisa com a boca e tem outra no coração. As pessoas que os escutam
não podem ter certeza sobre eles. Dobram seus joelhos diante de mim, ou
seja, prometem humildade e obediência, mas, na verdade são tão humildes
quanto Lúcifer. Obedecem seus próprios desejos, não a Mim.
Eles também me trancam e guardam a chave pessoalmente. Abrem-se a mim e
me oferecem louvores quando dizem: ‘Faça-se tua vontade na Terra, como no
Céu!’ Mas, depois, trancam-me novamente ao por em pratica seus próprios
desejos, enquanto os meus se tornam como os de um preso e impotente
porque não posso ser visto nem ouvido. Eles guardam a chave pessoalmente,
no sentido de que por seu exemplo, também conduzem ao extravio os que
querem fazer a minha vontade, e, se pudessem, evitariam que se fizesse
minha vontade e se a cumprisse, exceto quando esta se ajustasse a seu
próprio desejo.
Mantêm para si tudo o que nas ofertas de sacrifício seja útil para eles e
exigem todos os seus direitos e privilégios. De qualquer forma, parecem
considerar inúteis os corpos das pessoas que caem no chão e morrem. Para
eles estão obrigados a oferecer o sacrifício mais importante, mas os
deixam aí às moscas, ou seja, para os vermes. Não se preocupam nem se
importam com os direitos das pessoas ou com a salvação das almas.
O que foi dito a Moisés? ‘Mata os que fizeram este ídolo!’ Alguns foram
eliminados, mas não todos. Consequentemente, minhas palavras virão agora
e os matarão, a alguns em corpo e alma através da condenação eterna; a
outros em vida para que se convertam e vivam; outros ainda pela morte
repentina ao tratar-se de sacerdotes que me são totalmente odiosos. Com
que vou compará-los? De fato, eles são como os frutos das urzes, que por
fora são bonitos e vermelhos, mas por dentro estão cheios de impurezas e
espinhos.
Da mesma forma, estes homens vêm até mim cheios de caridade e perante as
pessoas parecem puros, mas por dentro estão cheios de sujeira. Se estes
frutos se colocam no solo, deles saem e crescem mais brotos de urze.
Assim, estes homens escondem seu pecado e maldade de coração, como no
solo, e se tornam tão enraizados na maldade que nem sequer se envergonham
de mostrar-se em público e gabar-se de seu pecado. Por isso, outras
pessoas não só encontram ocasião de pecar, mas ficam seriamente manchadas
em sua alma, pensando consigo mesmo: ‘Se os sacerdotes fazem isto, mais
lícito será que o façamos nós.’
Acontece, assim, que não só se assemelham com o fruto da urze, mas também
com seus espinhos. Pensam que não há ninguém mais sábio que eles e que
podem fazer o que quiserem. Portanto, juro por minhas naturezas, divina e
humana, na audiência de todos os anjos, que atravessarei a porta que eles
fecharam para a minha vontade. Minha vontade se cumprirá e a deles será
aniquilada e trancada em um castigo sem fim. Então, assim como foi dito
antigamente, meu juízo começará com meu clero e no meu próprio altar.”
Palavras de Cristo à esposa sobre como Cristo é figurativamente comparado
com Moisés dirigindo o povo fora do Egito, e sobre como os condenáveis
sacerdotes que Ele tinha escolhido no lugar dos profetas como seus
melhores amigos gritam agora: “Afasta-te de nós!”
Livro 1 - Capítulo 49
O Filho falou: “Antes fui comparado figurativamente com Moisés. Quando
ele guiava o povo, a água se colocou como uma parede à esquerda e à
direita. De fato, Eu sou Moisés, figurativamente falando. Eu conduzi o
povo Cristão, ou seja, abri o Céu para eles e lhes mostrei o caminho. Mas
agora escolhi outros amigos para mim, mais especiais e íntimos que os
profetas, na realidade, meus sacerdotes. Estes não só ouvem e veem minhas
palavras quando veem a mim, mas até me tocam com as suas mãos, o que nenhum
dos profetas ou Anjos puderam fazer.
Estes sacerdotes, que escolhi como amigos no lugar dos profetas, me
aclamam, mas não com desejo e amor como fizeram os profetas, mas me
aclamam com duas vozes opostas. Não me aclamam como fizeram os profetas:
‘Vem, Senhor, porque és bom!’ Em vez disso os sacerdotes me gritam:
‘Afaste-se de nós, pois tuas palavras são amargas, e tuas obras são
pesadas e um escândalo para nós’. Olhe o que dizem estes sacerdotes
condenáveis!
Estou diante deles como a mais mansa das ovelhas, eles obtém de mim lã
para suas vestes e leite para seu alimento e, ainda assim, me odeiam por
amá-los tanto. Estou diante deles como um visitante que diz: ‘Amigo,
dá-me o necessário que não o tenho, e receberás a máxima recompensa de
Deus!’ Mas em troca de minha mansa simplicidade, me lançam fora como se
fosse um lobo mentiroso, a espera da ovelha principal. Em vez de dar-me
sua acolhida, me tratam como a um traidor indigno de hospitalidade e se
recusam a alojar-me.
O que fará então o visitante rejeitado? Armar-se-á contra o anfitrião que
o deixa fora de sua casa? De forma alguma. Isto não seria justo, pois o
proprietário pode dar ou negar a sua propriedade a quem ele queira. O que
fará, pois, o visitante? Certamente haverá de dizer a quem o rejeita:
‘Amigo, se tu não queres me receber, irei a outro que tenha pena de mim.’
E, indo a outro lugar poderá ouvir de um novo anfitrião: ‘Seja bem-vindo,
senhor, tudo o que tenho é teu. Seja tu agora o dono! Eu serei teu servo
e teu convidado.’
Estes são os tipos de casa onde gosto de estar, onde escuto essas
palavras. Eu sou como visitante rejeitado pelos homens. Embora possa
entrar em qualquer lugar em virtude do meu poder, ainda assim, sob o
mandato da justiça tão somente entro onde as pessoas me recebem de boa
vontade como a seu verdadeiro Senhor, não como a um hóspede, e confiam
sua própria vontade em minhas mãos”.
Palavras de mútuo louvor da Mãe e do Filho, sobre a graça concedida pelo
Filho à sua Mãe para as almas no purgatório e os que ainda estão neste
mundo.
Livro 1 - Capítulo 50
Maria falou a seu Filho, dizendo: ”Bendito seja teu nome, meu Filho,
bendita e eterna seja tua divina natureza que não tem principio nem fim!
Em tua natureza divina há três atributos maravilhosos de poder, sabedoria,
e virtude. Teu poder é como a mais ardente das chamas na qual, qualquer
coisa firme e forte, assim também como a palha seca, passará pelo fogo.
Tua sabedoria é como o mar, que nunca se pode esvaziar devido a sua
abundancia e que cobre vales e montanhas quando aumenta e as inunda. É
igualmente impossível compreender e penetrar tua sabedoria. Quão
sabiamente criaste a humanidade e a estabeleceste sobre toda tua criação!
Quão sabiamente ordenastes as aves no ar, os animais na terra e aos
peixes no mar, dando a cada um, seu próprio tempo e lugar! Quão
maravilhosamente a tudo dás ou tiras a vida! Quão sabiamente dás
conhecimento aos pequeninos e o tiras dos soberbos! Tua virtude é como a
luz do sol, que brilha no céu e enche a terra com seu resplendor. Tua virtude,
desse modo, satisfaz de alto a baixo e preenche todas as coisas. Por
isso, bendito sejas, meu Filho, que és meu Deus e meu Senhor!”
O Filho assim respondeu: “Minha querida Mãe, tuas palavras me soam doces
pois procedem de tua alma. És como a aurora que avança serenamente. Tu
iluminas os Céus; tua luz e tua serenidade ultrapassam a de todos os
anjos. Por tua serenidade, atraíste a ti o verdadeiro sol, ou seja, a
minha natureza divina, tanto que o sol da minha divindade veio até a ti
se instalou em ti. Por tua pureza tu recebeste a pureza do meu amor mais
que todos, e por teu esplendor foste iluminada em minha sabedoria, mais
do que todos. As trevas foram lançadas fora da terra e todos os Céus
foram iluminados através de ti.
Em verdade Eu digo que tua pureza, mais agradável para mim do que a de
todos os anjos, atraiu tanto a minha divindade para Ti, que foste
inflamada pelo calor do Espírito. Nele, Tu geraste o Verdadeiro Deus e
Homem, resguardado em teu ventre, pelo qual a humanidade foi iluminada e
os anjos cheios de alegria. Assim, bendita sejas por Teu bendito Filho! E
por isso nenhum pedido teu chegará a mim sem ser ouvido. Qualquer um que
peça misericórdia através de ti, e tenha a intenção de emendar seus
caminhos, conseguirá graça. Como o calor vem do sol, igualmente,toda a
misericórdia será dada através de ti. És como um abundante manancial do
qual mana toda misericórdia para os infelizes”.
Por sua vez, a Mãe respondeu ao Filho: ”Teus sejam todo poder e glória,
meu Filho! És meu Deus, um Deus de misericórdia. Todo o bem que tenho vem
de ti. És como uma semente que, mesmo sem ser semeada cresceu e deu
centenas e milhares de frutos. Toda misericórdia emana de ti, e ainda que
sendo incontável e indizível, pode ser simbolizada pelo número cem, que
representa a perfeição, pois todo o perfeito e a perfeição se devem a
ti”.
O Filho, respondeu à Mãe: ”Mãe, me comparaste corretamente a uma semente
que nunca foi semeada e, mesmo assim cresceu, pois em minha natureza
divina eu vim a ti e minha natureza humana não foi semeada por
inseminação alguma, e mesmo assim cresci em ti, e a misericórdia emanou
de ti para todos. Tens falado corretamente. Agora, pois, porque extrais
de minha misericórdia pela doçura de tuas palavras, pede-me o que desejas
e se te dará”
A Mãe acrescentou: ”Meu Filho, por haver conseguido a misericórdia,
peço-te que tenhas misericórdia dos infelizes e os ajudes. Afinal de
contas, há quatro lugares. O primeiro é o Céu, onde os Anjos e a alma dos
Santos não precisam de mais nada além de ti, e te têm pois possuem todo o
bem em ti. O segundo lugar é o inferno, e aqueles que estão lá, estão
repletos de maldade e por isso, excluídos de qualquer piedade. Assim,
nada bom pode entrar neles nunca mais. O terceiro é o lugar daqueles que
são purificados. Estes precisam de uma tripla misericórdia, pois estão
triplamente afligidos. Sofrem em sua audição, pois não ouvem nada mais
que lamentos, dor e miséria. São afligidos em sua visão pois não veem
mais que sua própria miséria. São afligidos em seu tato, pois somente
sentem o calor insuportável do fogo terrível de seu angustioso
sofrimento. Assegura-lhes tuas misericórdias, Senhor meu, Filho meu, por
meus rogos!”
Jesus assim respondeu: ”Com gosto lhes garantirei uma tríplice
misericórdia por ti. Em primeiro lugar, sua audição será aliviada, sua
vista será mitigada, e seu castigo será reduzido e suavizado. Além disso,
a partir deste momento, aqueles que se encontram no maior dos castigos do
purgatório, passarão para a fase intermediaria, e os que estejam na fase
intermediaria, avançarão para a punição mais leve. Os que estejam na
punição mais leve, cruzarão para o descanso.” A Mãe respondeu: ”Louvor e
honra a ti meu Senhor!” E de imediato acrescentou: ”O quarto lugar é o
mundo. Seus habitantes precisam de três coisas: primeiro, contrição por
seus pecados; segundo, reparação; terceiro, força para fazer o bem.”
O Filho respondeu: ”A todo o que invoque meu nome e tenha esperança em
Ti, junto com o propósito de emenda por seus pecados, serão dadas estas três
coisas, alem do Reino dos Céus. Tuas palavras são tão doces para mim, que
não posso negar-te nada do que me peças, pois tu não queres nada mais do
que o que Eu quero. És como uma chama brilhante e ardente, pela qual as
tochas apagadas se reacendem, e uma vez acesas, crescem em força. Graças
a teu amor, que se elevou até meu coração e me atraiu a ti; aqueles que
estão mortos pelo pecado reviverão e os que estejam tíbios e escurecidos
como a fumaça negra, se fortalecerão em meu amor”.
Palavras da Mãe de louvor ao Filho e sobre como o Filho glorioso compara
sua doce Mãe com um lírio do campo
Livro 1 - Capítulo 51
A Mãe falou a seu Filho, dizendo: “Bendito seja teu nome, meu Filho,
Jesus Cristo! Louvores à tua natureza humana, que supera toda a criação!
Glória a tua natureza divina acima de toda a bondade! Tua natureza divina
e a humana são um único Deus.” O Filho respondeu: “Minha Mãe, és como uma
flor que cresceu em um vale em cujo redor há cinco montanhas." A
flor brotou de três raízes, tendo uma haste perfeita sem nós. Esta flor
tem cinco pétalas suavíssimas. O vale e sua flor ultrapassam as cinco
montanhas e as pétalas da flor se estendem sobre cada altura do céu, e
sobre todos os coros de anjos.
Tu, minha querida Mãe, és esse vale em virtude da grande humildade que
possuis em comparação com os demais. Este, ultrapassou as cinco
montanhas. A primeira montanha foi Moisés, devido ao seu poder, pois
manteve o poder sobre meu povo através da Lei, como se o sustentasse
firme com seu pulso. Porém, tu mantiveste o Senhor de toda Lei em teu
ventre e, por isso tu és mais alta que essa montanha. A segunda montanha
foi Elias, tão santo que seu corpo e sua alma ascenderam ao lugar
sagrado. Tu, porém querida Mãe foste assunta em alma ao trono de Deus
sobre todos os coros dos anjos e teu puríssimo corpo está ali junto à tua
alma. Tu, portanto, minha querida Mãe, és mais alta que Elias.
A terceira montanha foi a grande força que possuía Sansão em comparação
com outros homens. Contudo, o diabo derrotou-o através da astúcia. Mas tu
venceste o demônio por tua força. Portanto, és mais forte que Sansão. A
quarta montanha foi Davi, um homem de acordo com meu coração e vontade,
que, apesar disso, caiu em pecado. Mas tu , minha Mãe, te submeteste
completamente à minha vontade e nunca pecaste. A quinta montanha foi
Salomão, que estava cheio de sabedoria mas se tornou tolo. Tu ao
contrário, Mãe, estavas cheia de toda sabedoria e nunca foste ignorante
nem enganada. És, pois, mais alta que Salomão. A flor brotou de três raízes
no sentido de que possuíste três qualidades: obediência, caridade e
conhecimento divino. Destas três raízes brotou a haste mais perfeita, sem
um único nó, ou seja, sua vontade nunca se desviou para nada além da
minha vontade. A flor também tinha cinco pétalas mais altas que todos os
coros dos anjos. Tu, minha Mãe, és de fato a flor com estas cinco
pétalas. A primeira pétala é sua nobreza, que é tão grande, que meus
Anjos, que são nobres em minha presença, ao observar tua nobreza, a veem
acima deles e mais exaltada que sua própria santidade e nobreza. Tu és,
portanto, mais alta que os Anjos.
A segunda pétala é a tua misericórdia, que foi tão grande que, quando
viste a miséria das almas, te compadeceste delas e sofreste enormemente a
dor da minha morte. Os Anjos estão cheios de misericórdia, contudo nunca
sofrem dor. Tu, entretanto, amada Mãe, tiveste piedade dos miseráveis uma
vez que experimentaste toda a dor de minha morte e, por essa misericórdia
preferiste sofrer a dor do que livrar-te dela. É por isso que a tua
misericórdia ultrapassa a de todos os anjos.
A terceira pétala é tua doce amabilidade. Os Anjos são doces e amáveis,
desejam o bem para todos mas tu, minha muito querida Mãe, tiveste tão boa
vontade como um anjo, em tua alma e em teu corpo antes de tua morte, e
fizeste o bem para todos. E agora não recusas atender a ninguém que reze
razoavelmente para seu próprio bem. Assim, tua amabilidade é mais
perfeita que a dos Anjos. A quarta pétala é a sua pureza. Cada um dos
anjos admira a pureza dos demais e eles admiram a pureza de todas as
almas e de todos os corpos. Entretanto, eles veem que a pureza da tua
alma está acima do resto da criação e que a nobreza do teu corpo supera a
de todos os seres humanos que foram criados.
Assim, tua pureza ultrapassa a de todos os anjos e toda a criação. A
quinta pétala é teu gozo divino, pois, nada te deleitou mais que Deus,
assim como nada deleita os anjos mais que Deus. Cada um deles conhece e
conheceu seu próprio gozo dentro de si. Mas quando viram teu gozo em Deus
dentro de ti, lhes pareceu a cada um em sua consciência que sua alegria
resplandecia neles como uma luz no amor de Deus. Perceberam teu gozo como
uma grandíssima fogueira, ardendo com o mais aceso dos fogos com
labaredas tão altas que chegavam perto da minha divindade. Por isso,
dulcíssima Mãe, tua divina alegria ardeu muito acima dos coros dos Anjos.
Esta flor, com estas cinco pétalas de nobreza, misericórdia, amabilidade,
pureza e supremo gozo, era dulcíssima em todos os sentidos. Quem queira
provar sua doçura deve se aproximar dela e recebê-la dentro de si. Isto
foi o que tu fizeste, boa Mãe. Porque foste tão doce com meu Pai que ele
recebeu todo teu ser no seu Espírito e tua doçura o deleitou mais que
nenhuma outra. Pelo calor e energia do sol, a flor também gera uma
semente e dela cresce um fruto. Abençoado seja este sol, ou seja, minha
divina natureza que adotou a natureza humana do teu ventre virginal! Como
uma semente faz brotar as mesmas flores em qualquer lugar que sejam
semeadas, assim os membros de meu corpo são como os teus em forma e
aspecto, embora eu tenha sido homem e tu mulher virgem. "Este vale,
com sua flor, foi elevado sobre todas as montanhas quando o teu corpo,
junto a tua santíssima alma, foi elevado sobre todos os coros dos Anjos”.
Palavras de louvor e orações da Mãe a seu Filho para que suas palavras se
difundam por todo o mundo e deixem raízes nos corações de seus amigos.
Sobre como a própria Virgem é maravilhosamente comparada a uma flor que
cresce em um jardim, e sobre as palavras de Cristo dirigidas através da
esposa ao Papa e a outros prelados da Igreja.
Livro 1 - Capítulo 52
A bendita Virgem falou ao Filho dizendo-lhe: “Bendito sejas Filho meu e
Deus meu, Senhor dos anjos e Rei de glória! Rogo que as palavras que
pronunciaste deixem raízes nos corações de teus amigos e se fixem em suas
mentes como o breu com o qual foi untada a arca de Noé, que nem as
tempestades nem os ventos puderam dissolver. Que se espalhem pelo mundo
como ramos e doces flores, cuja essência se impregna por toda a parte.
Que também deem frutos e cresçam doces como a tâmara cuja doçura deleita
a alma sem medida.”
O Filho respondeu: ”Bendita sejas tu, minha muito querida Mãe!" Meu
anjo Gabriel te disse: 'Bendita sejas Maria sobre todas as mulheres!' Eu
te dou testemunho de que és bendita e mais santa que todos os coros dos
anjos. És como uma flor de jardim rodeada de outras flores perfumadas,
mas que a todas supera em perfume, pureza e virtude. Estas flores
representam todos os eleitos, desde Adão até o fim do mundo.
Foram plantadas no jardim do mundo, e floresceram em diversas virtudes,
mas entre todos os que foram e que ainda serão, tu foste a mais excelente
em fragrância de uma vida santa e humilde, na pureza de uma gratíssima
virgindade e na virtude da abstinência. Dou testemunho de que foste mais
que um mártir em minha Paixão, mais que um confessor em tua abstinência,
mais que um anjo em tua misericórdia e boa vontade. Por ti, eu fixarei
minhas palavras, com o mais forte dos breus nos corações de meus amigos.
Eles se espalharão como flores perfumadas e darão os frutos como a mais
doce e deliciosa das palmeiras”.
Então, o Senhor falou à esposa: ”Diz a teu amigo que deve procurar
repetir estas palavras quando escrever a teu pai, cujo coração está de
acordo com o meu e, ele as dirigirá ao arcebispo e depois a outro bispo.
Quando estes estiverem completamente informados, ele há de enviá-las a um
terceiro bispo". Dize-lhe de minha parte: 'Eu sou teu Criador e o
Redentor de almas. Eu sou Deus a quem tu amas e honras sobre tudo.
Observa e considera como as almas que redimi com meu sangue são como as
almas daqueles que não conhecem a Deus, como foram presas do demônio de
forma tão espantosa, que ele as castiga em cada membro de seu corpo como
se as passassem por uma prensa de uvas.
Portanto, se em algo sentes minhas feridas em tua alma, se meus açoites e
sofrimento significam algo para ti, então mostre, com obras, o quanto me
amas! Faça que as palavras da minha boca sejam conhecidas publicamente e traga-as
pessoalmente até a cabeça da Igreja! Eu te darei meu Espírito, de forma
que, onde quer que haja diferenças entre duas pessoas, tu as possas unir
em meu nome e através do poder que se te dá se elas acreditarem. Como
evidência adicional de minhas palavras, apresentarás ao Pontífice os
testemunhos daquelas pessoas que provam e se deleitam com elas. Pois
minhas palavras são como gordura que se derrete mais rapidamente quanto
mais quente esteja em seu interior. Lá, onde não há calor, são rejeitadas
e não chegam ao interior das pessoas.
As minhas palavras são assim, porque quanto mais as ingere e as mastiga
uma pessoa com caridade fervente por mim, mais se alimenta com a doçura
do desejo do Céu e de amor interior e mais arde por meu amor. Mas aqueles
que não gostam de minhas palavras são como se tivesses gordura em sua
boca. Quando a provam, cospem-na e a pisoteiam no chão. Algumas pessoas
desprezam assim minhas palavras, porque não possuem gosto algum pela
doçura das coisas espirituais. "O dono da terra, a quem escolhi como
um dos meus membros e o fiz verdadeiramente meu, te auxiliará
cavalheirescamente e te abastecerá das provisões necessárias para tua
viagem, com meios corretamente adquiridos”.
Palavras de mútuas bênção e louvor da Mãe e do Filho, e sobre como a
Virgem é comparada à arca onde foram guardados o cajado, o maná e as
tabuas da Lei. Muitos detalhes maravilhosos estão presentes nesta imagem.
Livro 1 - Capítulo 53
Maria falou ao Filho: “Bendito és, Filho meu, meu Deus e Senhor dos anjos"!
És aquele cuja voz ouviram os Profetas, e cujo corpo viram os Apóstolos,
aquele a quem perceberam os judeus e teus inimigos. Com tua divindade e
humanidade e com o Espírito Santo, És um em Deus. Os Profetas ouviram o
Espírito, os Apóstolos viram a glória da tua divindade e os judeus
crucificaram tua humanidade. Portanto, bendito sejas, sem principio nem
fim! O Filho respondeu: “Bendita sejas tu, pois és Virgem e Mãe”! És a
arca do Antigo Testamento, na qual havia estas três coisas: o cajado, o
maná e as tabuas.
Três coisas foram feitas pelo cajado: primeiro, se transformou em
serpente sem veneno. Segundo, o mar foi dividido por ele. Terceiro, fez
com que a água brotasse da pedra. Este cajado é um símbolo meu, que
repousei em teu ventre e assumi de ti a natureza humana. Primeiro, sou
tão assustador para meus inimigos como o foi a serpente para Moisés. Eles
fogem de mim assim como de uma serpente; aterrorizam-se ao ver-me e
detestam-me como a uma serpente, embora eu não tenha veneno de maldade e
seja cheio de misericórdia. Permito que se apoiem em mim, se desejarem.
Voltarei a eles, se me pedirem. Correrei para eles, se me chamarem, como
uma mãe que corre para seu filho perdido e encontrado. Se clamarem, eu
lhes mostrarei minha misericórdia e perdoarei os seus pecados. Faço tudo
isso por eles, e ainda me rejeitam como a uma serpente.
Em segundo lugar, o mar foi dividido por este cajado, no sentindo de que
o caminho para o Céu, que se havia fechado pelo pecado, foi aberto por
meu sangue e minha dor. O mar foi, de fato, aberto, e o que havia sido
inacessível se converteu em caminho quando a dor em todos os meus membros
alcançou meu coração que se partiu pela violência da dor. Então, quando o
povo foi conduzido para o mar, Moisés não o levou diretamente para a
terra prometida, mas sim para o deserto, onde podiam ser testados e
instruídos.
Agora, também, uma vez que a pessoa tenha aceitado a fé e meu comando,
não são levados diretamente ao Céu, mas, é necessário que os seres
humanos sejam testados no deserto, ou seja, no mundo, para ver até que
ponto amam a Deus. Além disso, o povo provocou Deus no deserto por três
coisas: primeiro, porque fizeram um ídolo para si mesmos e o adoraram;
segundo, pelo desejo de comer carne que haviam tido no Egito; terceiro,
por soberba, quando quiseram subir e lutar contra seus inimigos sem a
aprovação de Deus. Ainda agora, as pessoas no mundo pecam contra mim da
mesma maneira.
Primeiro, adoram um ídolo, porque amam o mundo e tudo o que há nele mais
que a mim, que sou o Criador de tudo. De fato, Seu deus é o mundo, e não
Eu. Como disse em meu Evangelho: ‘Ali onde está o tesouro de um homem,
está seu coração.’ Seu tesouro é o mundo porque tem aí seu coração e não
em mim. Portanto, da mesma forma que aqueles pereceram no deserto pela
espada, que atravessou seu corpo, igualmente estes cairão pela espada do
castigo eterno atravessando sua alma e viverão em eterna condenação.
Segundo, pecaram por concupiscência da carne.
Dei à humanidade tudo que precisa para uma vida honesta e moderada, mas
eles desejam possuir tudo sem moderação nem discrição. Se sua
constituição física suportasse, estariam, continuamente tendo relações
sexuais, bebendo sem restrição, cobiçando sem medida e, tão rápido quanto
pudessem pecar, nunca desistiriam de fazê-lo. Por esta razão, a estes
ocorrerá o mesmo que àqueles do deserto: morrerão repentinamente. O que é
o tempo desta vida comparado ao da eternidade se não um só instante?
Portanto, devido à brevidade desta vida, eles terão uma rápida morte
física, mas viverão eternamente em dor espiritual. Terceiro, pecaram no
deserto por orgulho, porque desejaram lançar-se na batalha sem a
aprovação de Deus.
As pessoas desejam ir ao Céu por seu próprio orgulho. Não confiam em mim,
apenas nelas mesmas, fazendo o que querem e abandonando-me. Portanto, da
mesma forma que aqueles outros foram mortos por seus inimigos, assim
também estes serão mortos em sua alma, pelos demônios e seu tormento será
interminável. Assim, me odeiam como a uma serpente, adoram um ídolo em
meu lugar e amam seu próprio orgulho em lugar de minha humildade.
Entretanto, sou tão piedoso que se voltarem-se para mim com contrição, me
voltarei para eles como um pai dedicado e lhes abrirei os braços.
Em terceiro lugar, a rocha verteu água por meio deste cajado. Esta rocha
é o endurecido coração humano. Quando é perfurado por meu temor e amor,
fluem em seguida as lágrimas de contrição e a penitência. Ninguém é tão
indigno nem tão mau que seu rosto não se inunde de lágrimas nem se agitem
todos os seus membros com a devoção, quando regressa a mim, quando
reflete minha Paixão em seu coração, quando recobra a consciência do meu
poder, quando pensa em como minha bondade faz com que a terra e as
árvores deem frutos.
Na arca de Moises, em segundo lugar se conservou o maná. Assim também em
ti, minha Mãe e Virgem, se conserva o Pão dos anjos, das almas santas e
dos justos, aqui na Terra, a quem nada agrada mais que a minha doçura,
para quem tudo no mundo está morto, e quem, se fosse minha vontade, com
gosto viveriam sem nutrição física. Na arca, em terceiro lugar, estavam
as tabuas da Lei. Também em ti encontra-se o Senhor de todas as Leis. Por
isso, bendita sejas sobre todas as criaturas no Céu e na Terra!
Então, se dirigiu à esposa, dizendo: “Diga três coisas aos meus amigos.
Quando habitei fisicamente no mundo, temperei minhas palavras de tal
forma que fortaleceram os bons e os tornaram mais fervorosos. Também os
maus se fizeram melhores, como foi claramente o caso de Maria Madalena,
Mateus e muitos outros. De novo, temperei minhas palavras de tal forma
que meus inimigos não foram capazes de diminuir sua força. Por isso, que
aqueles aos quais são enviadas minhas palavras trabalhem com fervor, de
modo que os bons se tornem mais ardentes em sua bondade por minhas palavras,
os maus se arrependam de sua maldade; que evitem que meus inimigos
obstruam minhas palavras.".
Não faço mais dano ao demônio do que aos anjos do Céu. Pois, se quisesse,
poderia muito bem pronunciar minhas palavras de modo que todo mundo as
ouvisse. Sou capaz de abrir o inferno para que todos vejam seus castigos.
Entretanto, isso não seria justo, pois as pessoas então me serviriam por
medo, quando devem me servir por amor. Pois só a pessoa que ama pode
entrar no Reino dos Céus. Além disso, eu estaria prejudicando o diabo, se
levasse comigo os escravos que ele adquiriu vazios de boas obras. Também
prejudicaria os anjos do Céu, se o espírito de uma pessoa imunda se
pusesse no mesmo nível de outra que está pura e fervorosa no amor.
Consequentemente, ninguém entrará no Céu, exceto aqueles que tenham sido
provados como ouro no fogo do purgatório ou aqueles que tenham provado a
si mesmo ao longo do tempo, fazendo boas obras na Terra, de tal modo que
não fique neles mancha alguma pendente de ser purificada. Se tu não sabes
a quem hão de dirigir-se minhas palavras, vou te dizer. Àquele que deseja
obter méritos através das boas obras para vir ao Reino dos Céus ou quem
já o mereceu por boas obras do passado. Minhas palavras hão de ser
entregues aos que são assim e hão de penetrar neles. Àqueles que sentem
um gosto por minhas palavras e esperam humildemente que seus nomes sejam
inscritos no livro da vida, conservam minhas palavras. Aqueles que não a
saboreiam, no princípio as consideram, mas depois, as rejeitam e as
vomitam imediatamente.
As palavras de um Anjo à esposa sobre se o espírito de seus pensamentos é
bom ou ruim, sobre como há dois espíritos, um não criado e um criado e
sobre suas características.
Livro 1 - Capítulo 54
Um anjo falou à esposa dizendo: “Há dois espíritos, um não criado e um
criado. O não criado possui três características. Em primeiro lugar, é
quente, em segundo lugar, doce e em terceiro lugar, puro. Primeiro, emite
calor não das coisas criadas, mas de si mesmo, pois, junto com o Pai e o
Filho, ele é o Criador de todas as coisas e o todo poderoso. Ele emite
calor sempre que a alma inteira se inflama pelo amor de Deus. Segundo, é
doce, quando nada agrada e deleita a alma mais que Deus e o conjunto de
suas obras. Terceiro, é puro e nele não se pode achar pecado nem
deformidade, nem corrupção ou mutabilidade".
Ele não emite calor como fogo material ou como o sol visível, que faz as
coisas derreterem. Seu calor é o amor interno e o desejo da alma, que a
plenifica e a engrandece em Deus. Ele é doce para a alma, não da mesma
forma que é o vinho ou o prazer sensual ou algo que seja doce no mundo. A
doçura do Espírito não se pode comparar com nenhuma doçura temporal e é
inimaginável para aqueles que não a tenham experimentado. Terceiro, o
Espírito Santo é tão puro quanto os raios do sol, onde nenhuma impureza
pode ser encontrada.
O outro, o espírito criado, também possui três características. Ele é
ardente, amargo, e sujo. Primeiro, queima e consome como o fogo, pois
incendeia a alma que possui, com o fogo da luxúria e o desejo depravado,
de forma que a alma não pode nem pensar nem desejar outra coisa além de
satisfazer seu desejo, até ao ponto de que, como resultado disso, sua
vida temporal às vezes perde a honra e a dignidade. Segundo, é tão amargo
como o fel, pois, ao inflamar a alma com sua luxúria, os outros prazeres
se lhe parecem insossos e os gozos eternos lhe parecem tolices.
Tudo o que tem a ver com Deus e que a alma haveria de fazer por Ele, se
torna amargo e tão abominável como um vômito de bílis. Terceiro, é
imundo, uma vez que deixa a alma tão vil e propensa ao pecado, que não se
envergonha de pecar nem desistiria de fazê-lo se não fosse porque teme
ver-se envergonhada diante de outras pessoas, mais que diante de Deus.
É por isso que este espírito arde como fogo, pois queima pela iniquidade
e incendeia a outros juntamente com ele. Também é por isso que este
espírito é amargo, porque todo o bom se lhe parece amargo e deseja tornar
o bem em amargura para os outros como faz consigo mesmo. Também é por
isso que é imundo, porque se deleita na corrupção e busca tornar os
outros como a si próprio.
Agora, tu podes me perguntar e dizer: “Acaso não és também tu um espírito
criado assim como esse? Por que, não és igual?" Eu responderei:
Claro que sou criado pelo mesmo Deus que também criou o outro espírito,
pois há somente um Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, e estes não são
três deuses mas um só Deus. Ambos fomos perfeitos e criados por Deus,
porque Deus tão somente criou o bem. Mas eu sou como uma estrela, pois
tenho me mantido fiel na bondade e no amor de Deus, em quem fui criado e
ele é como o carvão porque abandonou o amor de Deus. Por isso, assim como
uma estrela tem brilho e esplendor e o carvão é negro, um Santo Anjo, que
é como uma estrela, tem seu esplendor, ou seja, o Espírito Santo. Pois
tudo o que tem, o tem de Deus, do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Cresce inflamado no amor de Deus, brilha em seu esplendor se adere a Ele
e se conforma com sua vontade sem querer nada mais do que Deus quer. É
por isso que ele arde como uma labareda, é por isso que é puro.
O demônio é como um carvão feio, mais feio do que qualquer outra
criatura, pois, só pelo fato de ter sido o mais belo dos Anjos, tornou-se
o mais feio entre todos, justamente por opor-se ao seu Criador. Assim
como o anjo de Deus brilha com a luz de Deus e se inflama incessantemente
em seu amor, assim o demônio está sempre se queimando na angústia de sua
maldade. Sua maldade é insaciável, assim como a graça e a bondade do
Espírito Santo são indescritíveis. Não há ninguém no mundo tão arraigado
ao demônio, que o bom Espírito não o visite alguma vez e mova seu
coração. Da mesma forma, não há ninguém tão bom que o demônio não tente
tocá-lo com a tentação. Muitas pessoas boas e justas são tentadas pelo
demônio com a permissão de Deus. Isto não é por maldade alguma de sua
parte, mas para a sua maior glória.
O Filho de Deus, uno em divindade com o Pai e com o Espírito Santo, foi
tentado na natureza humana que tomou. Quanto mais seus eleitos são postos
à prova para uma recompensa maior! Novamente, muitas pessoas boas, às
vezes, caem no pecado e sua consciência se escurece pela falsidade do
demônio, mas elas voltam a se levantar robustecidas e se mantêm mais
fortes do que antes pelo poder do Espírito Santo. Entretanto, não há
ninguém que não perceba em sua consciência, se a sugestão do demônio
conduz à deformidade do pecado ou ao bem, se somente pensassem nisso e
examinassem cuidadosamente. E assim, esposa do meu Senhor, tu não hás de
duvidar se o espírito de seus pensamentos é bom ou mau. Pois a tua
consciência te diz quais coisas hás de ignorar e quais escolher.
O que há de fazer uma pessoa que está cheia do demônio se, por esta
razão, o Espírito bom não pode entrar nela? Ela deve fazer três coisas.
Há de fazer uma confissão clara e completa de seus pecados, na qual,
mesmo se ela não estiver totalmente arrependida, devido à dureza de
coração, mesmo assim se beneficie disso, na medida em que –devido a sua
confissão- o demônio lhe dê certa trégua e saia do caminho do Espírito
Santo. Segundo, há de ser humilde, decidir reparar os pecados cometidos e
fazer todo o bem que possa e então o demônio começará a abandoná-la.
Terceiro, para conseguir que volte a ela o bom Espírito, deve suplicar a
Deus, em humilde oração, e com verdadeiro amor, arrepender-se dos pecados
cometidos, já que o amor de Deus mata o demônio. O demônio é tão invejoso
e malicioso que preferiria morrer cem vezes a ver alguém fazer uma boa
ação por pequena que seja, por amor a Deus”.
Então, a bendita Virgem falou à esposa dizendo: “Nova esposa de meu
Filho, arruma-te, coloque seu broche, ou seja, a Paixão de meu Filho!”
Ela lhe respondeu: “Minha Senhora, coloque-o tu mesma!” E ela disse:
“Claro que o farei. Também quero que saibas como meu Filho estava
disposto e por que os pais o almejaram tanto. Ele estava, como se
disséssemos, entre duas cidades. Uma voz, da primeira cidade lhe chamou
dizendo: "Tu, que estás aí, entre as cidades, és um homem sábio,
pois sabes como proteger-te dos perigos iminentes". Também és forte
o bastante para resistir aos males ameaçadores. Além disso és valente,
porque nada temes. Temos estado desejando-te e esperando-te! Abra nossa
porta! Os inimigos a estão bloqueando para que não possa ser
aberta!"
Uma voz da segunda cidade foi ouvida dizendo: ‘Tu, homem humaníssimo e
fortíssimo escute nossas queixas e gemidos! Considera nossa miséria e
nossa penúria! Estamos sendo podados como a erva cortada por uma foice.
Estamos enfraquecidos, separados de toda bondade e toda nossa força nos
abandonou. Vinde a nós e salvai-nos, pois só a ti temos esperado, temos
posto nossa esperança em ti como nosso libertador! Vinde e acabai com
nossa penúria, transformai em gozo nossos lamentos! Sede nossa ajuda e nossa
salvação! Vinde digníssimo e sacratíssimo corpo, que procede da puríssima
Virgem!’
Meu Filho ouviu estas duas vozes vindas das duas cidades, ou seja, do Céu
e do Inferno. Por isso, em sua misericórdia, abriu as portas do inferno
por meio de sua amarga paixão e o derramamento de seu sangue, e resgatou
dali os seus amigos. Ele também abriu o Céu e deu alegria aos anjos ao
conduzir para ali os amigos que havia resgatado do inferno. “Filha minha,
pensa nestas coisas e mantenha-as sempre diante de ti!”
Sobre como Cristo é comparado a um poderoso senhor que constrói uma
grande cidade e um lindo palácio, que representam o mundo e a Igreja, e
sobre como os juízes, e trabalhadores da Igreja de Deus se converteram em
um arco inútil.
Livro 1 - Capítulo 55
Sou como um poderoso senhor que construiu uma cidade e deu seu nome a
ela. Na cidade, construiu um palácio no qual havia vários pequenos
cômodos para armazenar o necessário. Depois de haver construído o palácio
e organizado todos os seus assuntos, dividiu seu povo em três grupos,
dizendo: ‘Estou partindo para uma região remota. Ficai firmes e trabalhai
bravamente pela minha glória! Providenciei vossa comida e outras
necessidades. Tendes juízes para julgá-los, defensores para protegê-los
de vossos inimigos, e encarreguei a uns empregados para alimentá-los.
Eles hão de pagar-me o dízimo de seu trabalho, reservando-o para meu uso
e em minha honra.”
Entretanto, passado certo tempo, o nome da cidade caiu no esquecimento.
Então, os juízes disseram: ‘Nosso senhor viajou para uma região remota.
Que julguemos corretamente e façamos justiça de modo que, quando ele
retornar, não seremos acusados, e sim elogiados e abençoados’. Então, os
defensores disseram: ‘Nosso senhor confia em nós e entregou sua casa a
nossos cuidados. Vamos nos abster de alimentos e bebidas supérfluas, para
não ficarmos inaptos em caso de batalha! Vamos nos abster do sono
excessivo, para não sermos capturados de improviso!
Estejamos também bem armados e em alerta constante, para não sermos surpreendidos
em um ataque inimigo! A honra de nosso senhor e a segurança de seu povo
dependem muito de nós’. Depois, os empregados disseram: ‘A glória de
nosso senhor é grande e sua recompensa é maravilhosa. Vamos trabalhar com
vigor e demos a ele não apenas um décimo de nosso trabalho, mas sim, tudo
o que nos sobrar daquilo que gastamos para viver ! Todos nossos salários
serão mais gloriosos quanto mais amor nosso senhor veja em nós.”.
Depois disso, algum tempo mais se passou e o senhor da cidade e seu palácio
foram ficando esquecidos. Então os juízes disseram para si mesmos: ‘Nosso
senhor está demorando muito. Não sabemos se voltará ou não. Assim,
julguemos da forma que quisermos e façamos o que nos agrada!’
Os defensores disseram:”Somos uns tolos porque trabalhamos e não sabemos
qual será nossa recompensa!"
Aliemos-nos a nossos inimigos e durmamos e bebamos com eles! Pois, não é
assunto nosso de quem hajam sido inimigos.”.’Depois disso, os empregados
disseram: ‘Por que guardamos nosso ouro para outro? Não sabemos quem
ficará com ele.
É melhor, então, que o usemos e disponhamos de acordo com nossa vontade.
Demos a décima parte aos juízes, e, tendo-os de nosso lado, poderemos
fazer o que quisermos’.
Em verdade sou como esse poderoso senhor. Construí Eu mesmo uma cidade,
isto é, o mundo, e ali coloquei um palácio, isto é, a Igreja. O nome dado
ao mundo foi sabedoria divina, pois o mundo teve esse nome desde o
princípio, ao haver sido feito na divina sabedoria. Este nome era
venerado por todos e Deus era louvado por seu conhecimento e
maravilhosamente aclamado por todas as suas criaturas. Nos tempos atuais,
o nome da cidade foi desonrado e mudado, e sabedoria mundana é o novo
nome que se usa.
Os juízes, que no passado davam sentenças justas no temor do Senhor,
agora se levantam em soberba e se tornam a ruína das pessoas simples.
Aparentam ser eloquentes para receberem elogios humanos; falam
agradavelmente para obter favores. Toleram quaisquer palavras para que
digam que são bons e compassivos; mas permitem-se ser subornados para
ditar sentenças injustas. São sábios no que diz respeito a seus próprios
benefícios mundanos e a seus próprios desejos, mas são mudos em meu
louvor. Menosprezam as pessoas simples e as mantêm quietas. Estendem a
todos sua cobiça e convertem o certo em errado. Esta é a sabedoria
apreciada nos dias de hoje, enquanto que a minha caiu no esquecimento.
Os defensores da Igreja, que são os nobres e os cavaleiros, olham para
meus inimigos, os assaltantes da minha Igreja, e fingem que não os veem
Escutam suas repreensões e não se importam. Conhecem e compreendem as
obras daqueles que violam meus mandamentos e, entretanto os suportam
pacientemente. Eles os observam diariamente, perpetrando todo tipo de
pecado mortal com impunidade e não sentem compulsão mas dormem lado a
lado com eles e tem se relacionado com eles, ligando-se à suas companhias
mediante juramento. Os empregados, que representam todos os cidadãos,
rejeitam meus mandamentos e retêm meus presentes e dízimos. Subornam os
juízes e lhes demonstram reverência para garantir sua boa vontade e
favores. Atrevo-me a dizer, de fato, que a espada do temor a mim e a
minha Igreja na terra foi degradada, e uma bolsa cheia de dinheiro foi
aceita em troca.
Palavras com as quais Deus explica a revelação anterior; sobre a sentença
emitida contra estas pessoas e sobre como Deus em alguns momentos,
aguenta os malvados pelo bem dos justos.
Livro 1 - Capítulo 56
Já te disse antes que a espada da Igreja havia sido degradada e um saco
de dinheiro havia sido aceito em troca. Este saco está aberto por uma
extremidade. No outro extremo é tão profundo que tudo o que nele entra
nunca alcança o fundo, por isso, o saco nunca se enche. Este saco
representa a ganância. Ela excedeu todos os limites e medidas e se tornou
tão forte que o Senhor é desprezado e nada mais é desejado exceto o
dinheiro e o egoísmo. Entretanto, Eu sou como um senhor que por sua vez é
pai e juiz.
Quando seu filho vai a julgamento, os ali presentes dizem: ‘Senhor,
proceda rapidamente e dê logo o seu veredicto!’ O senhor lhes responde:
‘Esperem um pouco até amanhã, pois talvez meu filho mude de vida até
lá!’. Quando chega o dia seguinte, as pessoas dizem : ‘Prossiga e dê sua
sentença, Senhor!’ Por quanto tempo irás adiá-la e não condenarás o
culpado?’ O senhor responde: ‘Esperem um pouco mais, para vermos se meu
filho muda! E então, se não se arrepender, farei o que for justo.’ Da
mesma forma, eu tolero pacientemente as pessoas até o último momento, já
que sou Pai e Juiz. Entretanto, como minha sentença é incomutável, apesar
da demora para emiti-la, castigarei os pecadores que não se emendarem ou,
se eles se converterem , lhes mostrarei minha misericórdia.
Já te disse antes que classifiquei as pessoas em três grupos: juízes,
defensores e empregados. O que os juízes simbolizam senão os sacerdotes
que converteram minha a sabedoria divina em corrupção e vão conhecimento?
Como alunos avançados, que recompõem um texto longo em outro mais breve
e, com poucas palavras dizem o mesmo que se dizia com muitas, os
sacerdotes de hoje em dia, tomaram meus dez mandamentos e os resumiram em
uma só frase. E qual é essa única frase? ‘Estenda tua mão e dê-nos
dinheiro!’ Esta é sua sabedoria: falar elegantemente e agir maldosamente,
fingir que pertencem a mim e agir injustamente contra mim.
Em troca de subornos, amavelmente suportam aos pecadores em seus pecados
e, com seu exemplo provocam a queda das pessoas simples. Além disso,
odeiam aqueles que seguem meus caminhos. Segundo, os defensores da
Igreja, os nobres, são desleais. Quebraram sua promessa e juramento e
toleram com gosto aqueles que pecam contra a fé e a Lei de minha Santa
Igreja. Terceiro, os empregados, ou cidadãos, são como touros selvagens,
pois fazem três coisas. Primeiro, marcam o chão com suas pisadas; segundo
fartam-se até saciar-se; terceiro, satisfazem seus próprios desejos
somente de acordo com sua vontade. Hoje, os cidadãos anseiam
apaixonadamente pelos bens temporais. Reafirmam a si mesmos na glutonaria
imoderada e na vaidade mundana. Satisfazem seus prazeres carnais de
maneira irracional.
Porém, embora meus inimigos sejam muitos, ainda tenho amigos entre esses,
mesmo que escondidos. Foi dito a Elias, que acreditava não haver mais
amigos meus além dele mesmo: ‘Existem sete mil homens que não dobraram
seus joelhos diante de Baal’. Da mesma forma, embora sejam muitos os
inimigos, ainda tenho amigos escondidos entre eles, que se lamentam
diariamente, pois meus inimigos prevalecem e meu nome é desprezado. Como
um rei bondoso e caridoso que conhece os fatos perversos da cidade, mas
tolera seus habitantes pacientemente e envia cartas a seus amigos
alertando-os sobre o perigo que correm, assim também, em atenção às suas
orações Eu envio minhas palavras aos meus amigos.
Estas não são tão obscuras como as encontradas no Apocalipse que revelei
a João sob um véu de obscuridade para que pudessem, a seu tempo, ser
explicadas por meu Espírito quando Eu quisesse. Elas não são tão
enigmáticas que não possam ser manifestadas -assim como quando Paulo viu
alguns de meus mistérios e sobre os quais não lhe foi permitido falar-
mas que são tão evidentes que todos, com pouca ou aguda inteligência,
podem entendê-las, tão fáceis que quem quiser as pode captar. Portanto,
que meus amigos vejam como minhas palavras atingem meus inimigos, para
que talvez se convertam. Que se lhes deem a conhecer seus perigos e juízo
para que se arrependam de suas obras! Caso contrário, a cidade será
julgada e, como uma parede é derrubada sem deixar pedra sobre pedra ou
mesmo duas pedras unidas no alicerce, assim acontecerá com a cidade, isto
é, o mundo.
Os juízes, certamente, queimarão no fogo mais ardente. Não há fogo que
arda mais do que aquele alimentado com gordura. Estes juízes estavam
untados, pois tiveram mais ocasiões de satisfazer seu egoísmo que os
demais, sobrepujaram os outros em honras e abundância mundanas, e também
em maldade e crueldade. Por isso, arderão na mais quente das panelas.
Os defensores serão pendurados no mais alto dos patíbulos. Um patíbulo
consiste em duas peças verticais de madeira com uma terceira colocada em
cima, de forma transversal. Este patíbulo com dois postes de madeira
representa seu cruel castigo que está, por assim dizer, feito com duas
peças de madeira. A primeira peça significa que não tiveram esperança em
minha recompensa eterna nem trabalharam para merecê-la por suas obras. A
segunda peça de madeira indica que eles não confiaram em meu poder e
bondade, crendo que Eu não era capaz de fazer tudo ou que não os quisesse
prover suficientemente.
A viga de madeira transversal, representa sua consciência deturpada,
distorcida, pois eles entendiam bem o que estavam fazendo, mas fizeram o
mal e não sentiram vergonha de ir contra sua consciência. A corda do
patíbulo significa o fogo inextinguível, que não pode ser apagado pela
água nem cortado por tesouras, nem quebrado ou acabado pelo tempo.
Nesta forca de punição cruel e fogo inextinguível, eles ficarão
pendurados e humilhados como traidores. Sentirão angústia, pois foram
desleais. Ouvirão insultos, pois minhas palavras lhes eram desagradáveis.
Gritos de dor estarão em suas gargantas, pois sentiram prazer em seu
próprio louvor e glória. Corvos vivos, isto é, demônios que nunca se
saciam, os machucarão neste patíbulo, mas, embora estejam feridos, nunca
serão consumidos: viverão em tormento sem fim e seus carrascos viverão
para sempre. Sofrerão um duelo que nunca acabará e uma desgraça que nunca
diminuirá. Teria sido melhor para eles não haver nascido, e que sua vida
não tivesse sido prolongada! A sentença dos trabalhadores será a mesma
que é dada aos touros. Touros têm uma pele e uma carne muito espessas.
Por isso, sua sentença é o afiadíssimo gume. Esta lâmina afiada significa
a morte infernal que atormentará aqueles que me hajam desprezado e que
tenham amado seus desejos egoístas mais que os meus mandamentos.
A carta, isto é, minhas palavras, foram escritas. Que meus amigos
trabalhem para fazê-las chegar aos meus inimigos com sabedoria e
discrição, na esperança de que atendam e se arrependam. Se, tendo ouvido
minhas palavras, alguém disser: "Esperemos um pouco mais, ainda não
chegou o momento ainda não é sua hora". Então, pela minha natureza
divina, que expulsou Adão do paraíso e mandou as dez pragas ao faraó,
juro que irei até eles antes do que pensam. Pela minha natureza humana-
que assumi da Virgem, sem pecado, para a salvação da humanidade e na qual
sofri aflição em meu coração, experimentei dor em meu corpo e morri para
que os homens vivam, e nela ressuscitei e subi ao Céu e estou sentado à direita
do Pai, verdadeiro Deus e homem em uma pessoa- Eu juro que cumprirei
minhas palavras.
Por meu Espírito- que desceu sobre os Apóstolos no dia de Pentecostes e
os inflamou de tal forma que eles falaram a língua de todos os povos, Eu
juro que, a menos que emendem seus caminhos e voltem a mim como humildes
servos, me vingarei deles em minha ira. Então, lamentar-se-ão em corpo e
alma. Lamentar-se-ão por terem vindo viver no mundo e de haver vivido
nele. Lamentar-se-ão de que o prazer que experimentaram foi muito pequeno
e agora é nulo, e, entretanto, sua tortura será para sempre. Então,
perceberão o que agora se recusam a acreditar, isto é, que minhas
palavras eram palavras de amor. Assim, compreenderão que os aconselhei
como um pai, mas eles não quiseram escutar-me. Em verdade, se não
acreditaram nas palavras de bondade, terão de acreditar nas obras que
estão por vir.
Palavras o Senhor à esposa sobre como Ele é nutrição abominável e
insignificante nas almas dos cristãos, enquanto o mundo é deleitável e
amável para eles, e sobre a terrível sentença que recairá em tais
pessoas.
Livro 1 - Capítulo 57
O Filho falou à esposa: ‘Os Cristãos me tratam agora da mesma forma que
me trataram os judeus. Os judeus me expulsaram do templo e estavam
inteiramente resolvidos a matar-me, mas, pelo fato de minha hora ainda
não ter chegado, escapei de suas mãos. Os Cristãos me tratam assim agora.
Expulsam-me de seu templo, ou seja, de sua alma, que deveria ser meu
templo, e se pudessem me matariam em seguida. Em seus lábios sou como
carne podre e mal cheirosa, creem que estou mentindo e não se preocupam
comigo, em absoluto. Voltam-me suas costas, mas Eu afastarei minha face
deles, pois não há nada mais que cobiça em suas bocas e só luxúria
bestial em sua carne. Só a soberba os agrada, só os prazeres mundanos
encantam seus olhos.
Minha Paixão e meu Amor lhes são repugnantes e minha vida um peso. Por
isso, agirei como o animal que tem muitas tocas: quando os caçadores o
acossam em uma toca, foge para outra. Farei isto, porque estou sendo
perseguido pelos cristãos com suas más obras e expulso da toca de seus
corações. Por isso, irei aos pagãos, em cujas bocas agora sou amargo e
insípido, mas chegarei a ser-lhes mais doce que o mel. Entretanto, ainda
sou tão misericordioso que com gosto abrirei meus braços a quem me peça
perdão e diga: ‘Senhor, sei que pequei gravemente e livremente quero
melhorar minha vida por tua graça. Tem piedade de mim por tua amarga
paixão!’ Mas, àqueles que persistirem no mal, lhes chegarei como um gigante
com três qualidades: terrível, muito forte e muito áspero. Chegarei
inspirando tanto medo aos cristãos que não se atreverão a levantar o dedo
mínimo contra mim. Eu virei ainda com tanta força que eles serão como uma
mosca diante de mim. Terceiro, eu virei com tal aspereza que se sentirão
tristes no presente e lamentarão sem fim'.
As palavras da Mãe à esposa; doce diálogo da Mãe com o Filho, e sobre
como Cristo é amargo, muito amargo, amaríssimo para os maus, porém doce,
muito doce ,dulcíssimo para os bons.
Livro 1 - Capítulo 58
A Mãe disse à esposa: ‘Considera, jovem esposa, a Paixão de meu Filho.
Sua paixão sobrepujou em amargura a paixão de todos os Santos. Assim como
uma mãe ficaria amargamente abalada se tivesse que presenciar como cortavam
em pedaços seu próprio filho vivo, assim eu fiquei abalada na paixão de
meu Filho quando presenciei a crueldade de tudo aquilo’. Então ela disse
a seu Filho: ‘Bendito sejas, Filho meu, pois és santo, como diz a canção:
‘Santo, santo, santo, é o Senhor Deus do Universo. Bendito sejas, pois és
doce, muito doce, e o mais doce! Eras santo antes da encarnação, santo em
meu ventre santo, depois da encarnação. Foste doce antes da criação do
mundo, mais doce que os anjos e o mais doce para mim em tua encarnação’.
O Filho respondeu: ‘Bendita sejas, Mãe, sobre todos os anjos! Assim como
fui o mais doce para ti, como dizias agora, também sou amargo, muito
amargo, o mais amargo para os maus. Sou amargo para aqueles que dizem que
criei muitas coisas sem motivo, que blasfemam e dizem que criei as
pessoas para morrer e não para viver. Que ideia tão miserável e sem
sentido! Acaso Eu, que sou o mais justo e virtuoso, criei os anjos sem
uma razão? Teria Eu dotado a natureza humana de tantas bondades se a
tivesse criado para se condenarem? De maneira alguma! Eu fiz todo bem por
amor, à humanidade dei todo bem. Entretanto, a humanidade converte todo o
bem em mal para si.
Não Sou eu que faço nada mau, e sim, são eles que o fazem, dirigindo sua
vontade a tudo, menos ao que deveriam, de acordo com a Lei Divina. Isto é
o que é mal. Sou mais amargo para aqueles que dizem que lhes dei livre
arbítrio para pecar e não para fazer o bem, que dizem que sou injusto,
porque condeno algumas pessoas enquanto que a outras, justifico; que me
culpam por sua própria maldade, porque afasto deles minha graça. Sou
muito amargo para aqueles que dizem que minha lei e meus mandamentos são
muitos difíceis e que ninguém os pode cumprir; que dizem que minha paixão
é indigna para eles, e que é por isso que não a consideram.
Portanto, juro por minha vida, como jurei uma vez pelos profetas, que
defenderei minha causa diante dos anjos e todos os meus santos. Aqueles
para quem Eu sou amargo comprovarão por si mesmos que Eu criei tudo
racionalmente e bem , para utilidade e instrução da humanidade, e que nem
o menor dos vermes existe sem motivo. Aqueles para os quais sou muito
amargo, comprovarão por si mesmos que Eu, sabiamente, dei ao ser humano
livre arbítrio a respeito do bem. Descobrirão também que Eu sou justo,
dando reino eterno às pessoas boas e castigando os maus.
Não seria justo que o demônio, a quem criei como bom, mas que caiu por
sua própria maldade, estivesse em companhia dos bons. Os maus também
comprovarão que não é culpa minha que eles sejam perversos, mas sua. De
fato, se fosse possível, com gosto me submeteria por todos e cada um dos
seres humanos aos mesmos castigos que aceitei uma vez na cruz por todos,
para restituir-lhes sua herança prometida. Mas a humanidade está sempre
opondo sua vontade à minha. Dei-lhes liberdade para que me servissem se
quisessem, e merecessem assim, o premio eterno. Mas se eles não
quisessem, teriam que compartilhar o castigo do demônio, por cuja maldade
e suas consequências, foi justamente criado o inferno.
Como sou cheio de caridade, não quis que a humanidade me servisse por
medo nem que fosse obrigada a fazê-lo como os animais irracionais, mas
por amor a Deus, porque ninguém que sirva contra a sua vontade ou por
medo de meu castigo pode ver minha face. Aqueles para os quais sou muito
amargo perceberão em sua consciência, que minha lei era leve e meu jugo
suave. Estarão inconsolavelmente tristes de haver menosprezado minha Lei
e de haver amado o mundo em seu lugar, cujo jugo é mais pesado e muito
mais difícil que o meu.
Então, sua Mãe acrescentou: ‘Bendito sejas, Filho meu, meu Deus e Senhor!
Porque tu eras minha doce delicia, rogo que os demais possam participar
desta doçura’. O Filho respondeu: ‘Bendita és tu, minha querida Mãe! Tuas
palavras são doces e cheias de amor. Por isto bondosamente acudirei a
quem receba tua doçura em sua boca e a conserve perfeitamente. Mas quem a
receba e a rejeite será castigado da forma mais amarga’. A Virgem
respondeu: “Bendito sejas, Filho meu, por todo o teu amor!”
Palavras de Cristo, na presença da esposa, contendo parábolas nas quais
Cristo se compara com um camponês; os bons sacerdotes com um bom pastor;
os maus sacerdotes com um mau pastor e os bons cristãos como uma esposa.
Estas comparações são úteis de várias formas.
Livro 1 - Capítulo 59
Eu sou aquele que nunca pronunciou mentira alguma. O mundo me toma por um
camponês cujo mero nome leva ao desprezo. Minhas palavras são tomadas por
tolices e minha casa é considerada uma vil habitação. Agora, este
camponês tinha uma esposa que não queria nada mais do que ele queria, que
tinha tudo em comum com seu marido e o aceitou como seu mestre,
obedecendo-lhe em tudo. Este camponês também tinha muitas ovelhas, e
contratou um pastor para cuidar delas por cinco moedas de ouro e pelo
suprimento de suas necessidades diárias. Este era um bom pastor, que fez
bom uso do ouro e do alimento na medida de suas necessidades.
Com o passar do tempo, esse pastor foi sucedido por outro pastor, um
inferior, que usou o ouro para comprar uma esposa e dar-lhe seu alimento,
que descansava com ela constantemente e não cuidava das pobres ovelhas,
que foram acossadas e dispersadas por animais ferozes. Quando o camponês
viu seu rebanho disperso, gritou: ‘Meu pastor não me é fiel. Meu rebanho
se dispersou e algumas ovelhas indefesas foram devoradas por animais
ferozes, enquanto que outras morreram ainda que seus corpos não tenham
sido destroçados. Então, a mulher do camponês disse a seu marido:
‘Senhor, é certo que não recuperaremos os corpos que foram devorados.
Mas, vamos levar para casa e usar aqueles corpos que ficaram intactos,
ainda que já não haja um sopro de vida neles.
Não poderíamos suportar o ficarmos sem nada’.Seu marido lhe respondeu: ‘O
que faremos? Como os animais têm veneno em seus dentes, a carne das
ovelhas está infectada de veneno mortal, a pele está corrompida, a lã
está ruim’. Sua mulher acrescentou: ‘Se tudo foi desperdiçado e tudo foi
perdido, então, do que vamos viver?’ O marido disse: ‘Vejo que há algumas
ovelhas ainda vivas em três lugares. Algumas delas parecem mortas e não
ousam respirar por medo. Outras estão enterradas no barro e não podem se
levantar. Ainda outras estão escondidas e não ousam sair. Vem, esposa,
vamos levantar as ovelhas que estão tentando pôr-se de pé, mas não
conseguem sem ajuda, e vamos usá-las!’
Observa, Eu, o Senhor, sou o camponês. Os homens me veem como o traseiro
de um burro criado em um estábulo de acordo com sua natureza e hábitos.
Meu nome é a mente da Santa Igreja. Ela é considerada como desprezível,
na medida em que os sacramentos da Igreja, batismo, crisma, unção,
penitência e matrimônio são, de alguma forma, recebidos com zombaria e
administrados a alguns com ganância. Minhas palavras são consideradas
tolas, pois as palavras da minha boca, pronunciadas em parábolas,
passaram de um entendimento espiritual a ser convertidas em
entretenimento para os sentidos. Minha casa é vista como desprezível,
enquanto que as coisas da terra são mais amadas que as do Céu.
O primeiro pastor que tive simboliza meus amigos, isto é, os sacerdotes
que costumava ter na Santa Igreja, (por ‘um’ quero dizer muitos). A eles
confiei meu rebanho, isto é, o meu venerável corpo para que o
consagrassem e as almas de meus eleitos para que as governassem e
protegessem. Também lhes dei cinco coisas boas, mais preciosas que ouro,
a saber, a compreensão inteligente de todos os temas enigmáticos para que
distinguissem entre o bem e o mal, entre a verdade e a falsidade.
Segundo, dei-lhes discernimento e sabedoria de temas espirituais; isto
foi esquecido, agora e em seu lugar se ama o conhecimento do mundo.
Terceiro, dei-lhes castidade; quarto, temperança e abstinência em tudo
para autocontrole de seu corpo; quinto, estabilidade nos bons hábitos,
palavras e obras.
Depois deste primeiro pastor, ou seja, depois destes meus amigos que
faziam parte da minha Igreja no passado, agora entraram outros pastores
malvados. Eles compraram uma esposa para si mesmos, em troca de ouro,
isto é, em troca de sua castidade e, por essas cinco coisas boas, tomaram
para si o corpo de uma mulher, isto é, a incontinência. Por isso, meu
Espírito afastou-se deles.
Quando têm total vontade de pecar ou de satisfazer à sua esposa, isto é,
sua luxúria, de acordo com seu sentido de prazer, meu Espírito está ausente
deles, pois não se importam com a perda do rebanho enquanto possam seguir
sua própria vontade. As ovelhas que foram completamente devoradas
representam aqueles cujas almas estão no inferno e cujos corpos estão
enterrados em túmulos a espera da ressurreição para a condenação eterna.
As ovelhas cujos corpos estão intactos, mas cujos espíritos de vida já
não estão nelas, representam as pessoas que nem me amam, nem me temem,
não sentem devoção alguma nem se importam comigo. Meu espírito está longe
delas, já que os dentes envenenados das feras contaminaram sua carne. Em
outras palavras, seus pensamentos e espírito, como o simbolizam a carne e
entranhas das ovelhas, são para mim tão repugnantes como comer carne
envenenada. Sua pele, isto é, seu corpo, está desprovido de toda bondade
e caridade e não têm condições de servir em meu reino. Ao contrario, seja
enviado ao fogo eterno do inferno depois do juízo. Sua lã, isto é, suas
obras, são tão inúteis que não há nada nelas que lhes faça merecer meu
amor e minha graça.
O que, então, minha esposa, que simboliza os bons Cristãos, podemos
fazer? Vejo que ainda há ovelhas vivas em três lugares. Algumas delas
assemelham-se à ovelha morta e não ousam respirar por medo. Estes são os
pagãos que, de boa vontade, adotariam a verdadeira fé se ao menos a
conhecessem. Entretanto, não ousam respirar, isto é, não ousam perder a
fé que já têm e não se atrevem a aceitar a verdadeira fé. O segundo grupo
de ovelhas é daquelas que permanecem escondidas e não ousam sair. Estas
representam os judeus que, por assim dizer, estão como detrás de um véu.
Sairiam com prazer se tivessem certeza do meu nascimento. Escondem-se por
trás do véu, na medida em que sua esperança de salvação está nas imagens
e sinais que costumavam simbolizar-me na antiga Lei, mas que foram
verdadeiramente realizados em mim, quando me encarnei.
Por sua vã esperança, têm medo de passar à verdadeira fé. Em terceiro
lugar, as ovelhas que ficaram afundadas na lama são os cristãos em estado
de pecado mortal. Por temerem o castigo, estão desejosos de levantar-se
de novo, mas não o conseguem devido à gravidade de seus pecados e porque
lhes falta caridade.
Por isso, esposa minha, ou seja meus bons cristãos, ajudem-me ! Assim
como homem e mulher são considerados uma só carne e um só membro, assim,
o cristão é meu membro e Eu sou dele, pois estou nele e ele em Mim.
Assim pois, minha esposa, meus bons Cristãos, dirijam-se comigo às
ovelhas que ainda respiram um pouco e vamos levantá-las e revivê-las!
Sustentem seus dorsos enquanto eu lhes sustento a cabeça! Alegro-me em
carregá-las em meus braços. Uma vez as carreguei todas sobre minhas
costas, quando estas estavam feridas e pregadas na cruz.
Ó meus amigos! Amo tão ternamente essas ovelhas que, se me fosse possível
sofrer, por qualquer dessas ovelhas individualmente, a morte que sofri
uma vez na cruz por todas elas, preferiria redimi-las antes que
perdê-las. Por isso, com todo o meu coração, rogo a meus amigos que não
poupem esforços nem bens por mim. Se não me pouparam da repreensão quando
estive no mundo, que não se retraiam eles, na hora de dizer a verdade
sobre mim. Não me envergonhei de morrer uma morte desprezível por eles,
mas permaneci lá assim como vim ao mundo, nu, perante os olhos de meus
inimigos.
Seus punhos golpearam meus dentes; fui arrastado pelos cabelos; fui
flagelado por chicotes; fui pregado à madeira com suas ferramentas, e
pregado na cruz junto com meliantes e ladrões. Por esse motivo, meus
amigos, não se poupem por mim que suportei tudo isso por amor a vocês!
Trabalhem corajosamente e ajudem meu necessitado rebanho! Por minha
natureza humana - que é o Pai porque o Pai está em mim - e por minha
natureza divina - que é meu Espírito porque o Espírito está nela e porque
o mesmo Espírito está em mim e Nele, sendo estes três um só Deus em três
Pessoas – juro que irei àqueles que se esforçarem em carregar minhas
ovelhas comigo, e os ajudarei enquanto caminham e lhes darei um precioso
pagamento : Eu mesmo, em seu gozo eterno.
Palavras do Filho à esposa sobre três tipos de cristãos, simbolizados
pelos judeus que viviam no Egito, e sobre como estas revelações foram
dadas à esposa para que fossem transmitidas, publicadas e pregadas pelos
amigos de Deus.
Livro 1 - Capítulo 60
O Filho falou à esposa dizendo-lhe: ‘Eu sou o Deus de Israel, aquele que
falou com Moisés. Quando foi enviado ao meu povo, Moisés pediu um sinal,
dizendo: ‘O povo não crerá em mim de outra maneira’. Se o povo ao qual
Moisés foi enviado pertencia ao Senhor, por que ele não tinha confiança?
Deves saber que havia três tipos de pessoas entre os judeus. Alguns
acreditavam em Deus e em Moisés. Outros acreditavam em Deus, mas não
confiavam em Moisés, imaginando se, talvez, não estaria ele dizendo e
fazendo tudo por invenção própria e presunção. O terceiro tipo era
daqueles que não acreditavam em Deus nemem Moisés.
Da mesma forma, existem atualmente três tipos de pessoas entre os
Cristãos como simbolizado pelos hebreus. Existem alguns que realmente
acreditam em Deus e em minhas palavras. Existem outros que acreditam em
Deus, mas não confiam em minhas palavras, pois não sabem como distinguir
entre um espírito bom e um mau. O terceiro grupo é daqueles que não
acreditam em mim nem mesmo em ti, esposa minha, a quem tenho transmitido
minhas palavras. Mas, como disse, embora alguns hebreus não confiassem em
Moisés, todos – sem dúvida - cruzaram o Mar Vermelho com ele em direção
ao deserto onde, aqueles que não tinham confiança adoraram ídolos e
provocaram a ira de Deus, motivo pelo qual seu fim foi uma morte
miserável, embora apenas para aqueles que tinham má fé.
Por esta razão, como o espírito humano é lento para crer, meu amigo deve
transmitir minhas palavras àqueles que creiam nele. Depois, eles as
divulgarão a outros que não sabem distinguir um espírito bom de um mau.
Se os ouvintes lhe pedirem por um sinal, que mostrem a essas pessoas um
cajado, assim como fez Moisés, ou seja, que expliquem a eles minhas
palavras. O cajado de Moisés era firme e, devido à sua transformação em
uma serpente, foi também temível para eles. Da mesma forma, minhas
palavras são firmes e não há falsidade nelas. São temíveis também, porque
emitem um juízo verdadeiro.
Que expliquem e declarem que, pelas palavras e sons de uma única boca, o
demônio se afastou de criaturas de Deus, esse mesmo demônio que poderia
mover montanhas, não fosse ele impedido por meu poder. Que tipo de poder
possuía ele, com a permissão de Deus, quando foi feito para fugir diante
do som de uma só palavra? Segundo isso, da mesma forma que aqueles hebreus
que não acreditavam em Deus nem em Moisés também deixaram o Egito em
busca da terra prometida, sendo de alguma forma forçados a ir juntamente
com os outros, assim também muitos cristãos se juntarão agora, a
contragosto, a meus escolhidos, sem crer em meu poder para salvá-los. Não
acreditam em minhas palavras de maneira alguma; possuem apenas uma falsa
confiança em meu poder. Entretanto, minhas palavras se cumprirão sem que
eles o desejem e de certo modo, serão forçados a caminhar para a
perfeição até que cheguem onde me for conveniente.
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